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1. INTRODUÇÃO

4.4. Dados do exoma

Após captura, enriquecimento do exoma (preparação das bibliotecas), captura dos éxons, sequenciamento das bibliotecas, as sequencias geradas (reads) foram alinhadas com o genoma de referência e as alterações candidatas foram identificadas e filtradas através de ferramentas de bioinformática.

Devido ao baixo rendimento da primeira corrida, resultando em amostras com um número de reads abaixo do esperado, foi realizado um novo sequenciamento para complementar a quantidade de reads esperada. Os dados de ambos os trios foram recebidos para análise em um único arquivo. As qualidades de cada corrida podem ser observadas na tabela 8.

Tabela 8. Número de reads sequenciados, que foram mantidos após o filtro de cada amostra e mapeados. O número real de reads utilizado para a análise foi aquele após a remoção de duplicatas. Amostra % Bases >=Q30* Número de reads (sequenciado) Número de reads (após filtro) Número de reads mapeados Número de reads mapeados (após remoção de duplicatas) Pac.101 97,05 21.651.386 21.071.250 15.794.936 15.794.936 Pac.101 (Seq. 2) 96,86 24.371.498 23.674.362 17.458.449 16.937.124 Total reads Pac.101 46.022.884 44.745.612 33.253.385 32.732.060

101 Mãe 97,04 27.450.486 26.737.732 19.995.679 19.403.157 101 Mãe (Seq. 2) 96,82 30.803.338 29.943.300 21.930.000 21.214.204 Total reads 101 Mãe 58.253.824 56.681.032 41.925.679 40.617.361

101 Pai 96,91 29.844.996 29.051.996 23.975.929 23.243.800 101 Pai (Seq. 2) 96,73 34.320.590 33.339.638 27.129.508 26.188.100 Total reads 101 Pai 64.165.586 62.391.634 51.105.437 49.431.900

Pac.123 96,89 27.130.658 26.407.600 19.454.075 18.905.708 Pac.123 (Seq. 2) 96,66 28.864.130 28.040.700 20.236.240 19.634.732 Total reads Pac.123 55.994.788 54.448.300 39.690.315 38.540.440

123 Mãe 96,93 20.504.882 19.973.240 14.376.536 14.029.525 123 Mãe (Seq. 2) 96,68 20.714.338 20.135.148 14.088.787 13.745.467 Total reads 123 Mãe 41.219.220 40.108.388 28.465.323 27.774.992

123 Pai 96,40 6.672.328 6.484.382 3.109.091 3.051.763 123 Pai (Seq. 2) 96,61 6.972.110 6.802.728 3.000.304 2.945.200 Total reads 123 Pai 13.644.438 13.287.110 6.109.395 5.996.963

4.4.1. Análises do exoma

Etapa 1.

Um total de 31 genes em comum nos propósitos foram encontrados com alterações para os três modelos de herança analisados. Para todos os genes, foram analisadas informações de qualidade, função gênica, expressão, modelos animais e predição in silico das alterações.

Figura 6. Número de variantes antes da filtragem e número de variantes presentes apenas nos genes compartilhados entre os dois propósitos para cada modelo de herança.

Após essa verificação, foram selecionados dois genes potencialmente causais para uma análise mais detalhada. O gene RERE localizado no cromossomo 1, que atua como um repressor transcricional durante a embriogênese e o gene SP8, um fator de transcrição que desempenha um papel fundamental no desenvolvimento dos membros.

No entanto, as alterações não foram confirmadas visualmente no software IGV, pois nas regiões de interesse havia em média 15 reads, com apenas 3 reads alteradas. O que não condiz com um padrão de heterozigose, onde a taxa de distribuição deveria se aproximar de 50% e se assemelha mais a um artefato.

Etapa 2.

Não foi identificada nenhuma alteração potencialmente causal para o fenótipo inédito de ambos os propósitos na filtragem baseada na verificação de todos os genes associados à fenótipos de displasias esqueléticas letais já descritos, presentes no quadro 1 e resumidamente demonstrados no quadro 2.

Etapa 3.

Com o filtro amplo (genes associados à hidropisia fetal, morte perinatal, ossificação, ossificação anormal de corpos vertebrais ou doenças compatíveis com esses fenótipos) foi possível identificar 49 alterações, enquanto o filtro restrito (genes associados à hidropisia fetal, morte perinatal, ossificação, atraso no início da mineralização do ísquio, hipoplasia de escápulas, micromelia, ossificação anormal de corpos vertebrais, tórax estreito ou doenças compatíveis com esses fenótipos) 51 alterações, em 41 genes e 43 genes respectivamente, sendo que a maioria deles se repetia. Após análise de função gênica, expressão e modelos animais foram selecionados oito genes (quadro 6). Porém, após revisão da literatura, se constatou que todos os genes estão associados à fenótipos bem definidos e distintos dos propósitos estudados. Além de serem alterações em heterozigose descritas no dbSNP e com frequências baixas, porém relatadas em bancos dados, o que torna inviável a candidatura dessa variante, já que o objeto de estudo se trata de um fenótipo letal. Se apenas uma mutação pontual fosse responsável pelo fenótipo, essa não poderia ser descrita em heterozigose em indivíduos não-afetados.

Quadro 6. Variantes identificadas após os filtros amplo e restrito da etapa 3, baseados em características clínicas dos propósitos.

Gen: genótipo; N reads: número de reads; SIFT: Sorting Intolerant from Tolerant; 1000Gen: 1000 genomes; ExAC: Exome Aggregation Consortium.

Região Gene cDNA Proteína Gen.

N

Reads Impacto SIFT PolyPhen-2 dbSNP ID 1000Gen ExAC Éxon NPR1 c.1621G>A p.G541S Het 29 missense Tolerado Benigno rs61757359 0,08 0,227 Éxon LRP2 c.2603C>G p.T868S Het 67 missense Tolerado Benigno rs150752263 0,14 0,104

Éxon SOX4 c.82C>G p.L28V Het 36 missense Prejudicial

Provavelmente prejudicial rs140231408 0,659 0,994 Éxon COL9A1 c.173C>T; c.902C>T p.P301L;

p.P58L Het 75 missense Tolerado

Possivelmente

prejudicial rs192047082 0,06 0,069

Éxon BBS9 c.1280C>T p.A427V Het 176 missense Tolerado

Possivelmente

prejudicial rs138072724 0,28 0,463

Éxon SOST c.184G>A p.G62R Het 49 missense Prejudicial

Provavelmente

prejudicial rs372515234 0,003

Éxon TWSG1 c.470C>T p.A157V Het 135 missense Tolerado Benigno rs34595349 0,519 0,358

Éxon COL9A3 c.1976C>T p.P659L Het 45 missense Prejudicial

Possivelmente

Etapa 4.

A análise do VCF 123-F segundo Patel e colaboradores (64) retornou 111 variantes em 84 genes diferentes e utilizando informações do banco de dados GeneCards (www.genecards.org) e Mouse Genome Informatics (MGI) se chegou a nove genes candidatos e, em especial, três deles necessita de mais discussão. São eles: CILP2, INPP1 e PKD1.

No entanto, para nenhum dos três genes é possível chegar à uma conclusão visto que essas alterações foram filtradas à partir do VCF 123-F e na verificação do sequenciamento local utilizando o programa IGV, pouca ou nenhuma read é visualizada na região de interesse, tanto do propósito como dos pais.

Etapa 5.

A priorização do modelo de herança autossômico recessivo e aplicação dos filtros específicos retornou cinco genes com alterações em homozigose e dez genes com alterações em heterozigose composta. Os genes que apresentaram as alterações em homozigose foram descartados após investigação de função e frequências. Com a análise complementar utilizando o Ingenuity para gerar a pontuação de patogenicidade CADD, pôde-se chegar a um gene de interesse entre àqueles com alterações em heterozigose composta, o gene DNAH2. As alterações identificadas no VCF do paciente 123 são do tipo missense e possuem pontuação CADD de 35 e 28,8, respectivamente. Utilizando o programa IGV, foi possível detectar no paciente 101 uma alteração missense patogênica nesse mesmo gene. A segunda alteração não foi detectada, provavelmente devido à presença de várias regiões com pouca ou nenhuma cobertura nesse gene (Figura 8).

Figura 7. A) Visualização da alteração missense em heterozigose (16A e 11G) encontrada no paciente 101. B) Exemplo de um éxon com baixa cobertura, inclusive com regiões sem nenhuma read. Éxon 75 Não coberto Éxon 25 ... ... A B

5. DISCUSSÃO

5.1. Estudo epidemiológico

Os resultados apresentados pelo presente estudo têm como base a maior casuística de OCD letais já reunida pelo maior período de tempo que se tem conhecimento na literatura. A altíssima prevalência aqui relatada de 9,4 casos a cada 10.000 nascimentos, muito acima das referidas anteriormente (34,81–83) não deve ser real, visto que ela foi tomada do hospital local, cuja maternidade, com os serviços de Medicina Fetal e de Genética Perinatal, é referência para a região e o diagnóstico pré-natal e derivação dos casos, cujo parto acaba ocorrendo nesse hospital, provoca um viés inquestionável na frequência de OCD nascidas no hospital local.

Em relação ao pré-natal, a suspeita de OCD foi levantada em 114 casos (87%) e, dentre esses, em 87 (76,3%) a hipótese foi de um prognóstico letal. Para 80 casos (61,1%) foi levantada uma hipótese diagnóstica específica, com uma concordância do diagnóstico final em 51 (63,8%). A alta frequência de diagnósticos realizados no período pré-natal aqui observada é semelhante àquela encontrada em países desenvolvidos (84).

O principal diagnóstico sugerido no pré-natal foi a DT, com concordância final de 59,5% (25/42 casos). Conforme observado na literatura, a displasia tanatofórica é a OCD letal mais frequente e essa alta prevalência também se aplica à esta casuística, onde a DT representa 32,82% de todos os casos (16,40). Semelhante ao que acontece à acondroplasia para as displasias não-letais, a maioria dos diagnósticos pré-natais propostos pelos ultrasonografistas quando há evidência de uma OCD letal é a displasia tanatofórica. Assim, somando esses dois fatores - a alta frequência da DT e a alta atribuição diagnóstica à maioria dos fetos com micromelia e hipoplasia pulmonar graves - se observa uma alta taxa de concordância diagnóstica para a DT (85,86).

O segundo diagnóstico mais sugerido foi OI e para esse, a concordância diagnóstica foi de 80,8% (21/26 casos). Um valor semelhante foi encontrado por Doray e colaboradores quando, em um estudo para avaliar a eficiência da ultrassonografia fetal para o diagnóstico de OCD, 82% dos diagnósticos pré-natais de OI foram confirmados após o nascimento (86).

Em 77% das gestações avaliadas no pré-natal foi registrado polidrâmnio. Essa alteração no volume de líquido amniótico é bem caracterizada como um sinal importante na avaliação pré-natal das OCD letais. Em uma revisão de casos com diagnóstico ultrassonográfico de displasias esqueléticas, Nelson e colaboradores encontraram uma probabilidade de 83% de casos com morte neonatal possuírem polidrâmnio do que àqueles com uma maior sobrevida neonatal (27%) (87). Como já esperado, em 87,6% dos exames de ultrassonografias realizados na presente casuística, o principal achado foi de encurtamento grave de ossos longos, seguido do estreitamento importante do tórax, relatado em 76,2% dos casos. A combinação da presença de polidrâmnio com relação reduzida comprimento do fêmur/circunferência abdominal, é extremamente eficaz na identificação de OCD letais (24,25,87).

Os grupos mais frequentes identificados nesse estudo foram: o grupo FGFR3 representando 32,8% da casuística, seguido do grupo das OI (25,2%) e o grupo do colágeno tipo 2 (13%). Em 2012, Stevenson e colaboradores relataram os mesmos achados, já no estudo de Barbosa-Buck e colaboradores o grupo mais frequente relatado foi o das OI (33%), seguido do grupo FGFR3 (29%) e 8% da amostra era representada pelo grupo da displasia campomélica e distúrbios relacionados. Ambos os grupos – FGFR3 e OI, sempre figuram como os mais frequentes em estudos das OCD de manifestação perinatal (16,33,88).

5.2. Consanguinidade

A consanguinidade geral referida no presente estudo foi de 9,2% (12 casos/131). No entanto, levando-se em conta os resultados da investigação molecular da presente casuística, em quatro casos adicionais foram observadas mutações raras em homozigose, e em três deles, os pais são oriundos de cidades próximas de três diferentes estados do nordeste, sugerindo consanguinidade distante e desconhecida. Portanto, diante dessa informação é possível assumir ou sugerir que a real taxa de consanguinidade dessa casuística é da ordem de 12,2%. Além disso, dentre as consanguinidades aqui referidas, metade das famílias são oriundas do nordeste, o que ratifica a elevada taxa de uniões consanguíneas nessa

região do país. Enquanto a taxa de consanguinidade estimada para o Brasil é de 4,8%, no nordeste essa taxa pode atingir até 30% ou mais (89,90).

Convém observar que, a consanguinidade nos casos autossômicos dominantes provavelmente se dá por se tratar de uma região de alta frequência de uniões consanguíneas e não influencia nas OCDs em questão (DT e OI).

5.3. Avaliação molecular

Com o grande avanço no conhecimento das bases moleculares das OCD e o constante aprimoramento das técnicas utilizadas, o estudo molecular das OCD em grandes casuísticas têm se tornado frequente, o que possibilita acurácia no diagnóstico e aconselhamento genético adequado para cada condição.

Na presente casuística, 57,3% (75/131) dos casos possuem investigação molecular, com uma alta taxa de positividade de 84% (63/75). Essa taxa se dá primariamente a um refinado diagnóstico clínico-radiológico prévio. Em comparação com a literatura, a porcentagem de casos com estudo molecular é a maior apresentada. Atualmente são relatadas porcentagens de investigação molecular de 21,6% a 31,7% da casuística total de displasias esqueléticas (91,92).

Dentre os casos com investigação molecular, foram identificados alguns casos atípicos. O paciente 116 possui um fenótipo FGFR3 grave associado a duas mutações aparentemente de novo no gene FGFR3: a mutação mais comum encontrada em casos com acondroplasia (p.G380R) e uma inédita (p.L377P). Já foi descrito na literatura a mutação p.G380R em associação com outras mutações herdadas. Nesses casos, ambos os pais são afetados e na maioria das vezes são casais acondroplásicos ou um progenitor com acondroplasia junto com outro portador da forma mais leve da acondroplasia, a hipocondroplasia. Menos comumente, duas mutações no mesmo alelo já foram relatadas e associadas a fenótipos graves, que se assemelham a displasia tanatofórica. Dois casos foram descritos com a associação entre a mutação mais comum para hipocondroplasia (p.N540K) e novas mutações no gene FGFR3 (93,94). E outro trabalho, relata a mutação mais frequente da acondroplasia em associação com uma mutação no mesmo códon do nosso paciente 115 (p.L377R) (95). O códon 377 é uma região altamente conservada no gene FGFR3, ambas as mutações apresentadas pelo paciente estão localizadas dentro do domínio transmembrana do receptor e

ferramentas de predição (PolyPhen-2, MutationTaster) apontam a p.L377P como uma mutação patogênica. Em teoria, a mutação p.L377P pode ter um efeito aditivo na ativação do FGFR3, semelhante ao efeito da mutação p.G380R em homozigose e pode ser responsável pelo fenótipo grave apresentado em nosso paciente. Infelizmente, nenhum material estava disponível para estudo posterior ao sequenciamento de Sanger, já que este DNA foi extraído de parafina. Os pais não foram localizados para coleta de material.

Em relação aos casos negativos, os pacientes com SRP-II podem ser negativos por duas razões: má cobertura de algumas regiões inerente às técnicas até agora utilizadas, ou devido à heterogeneidade etiológica bem conhecida desse fenótipo. Até o momento, mutações no gene NEK1 em homozigose e mutações em heterozigose composta envolvendo os genes NEK1 e DYNC2H1 foram encontradas em pacientes com SRP-II, o que corrobora para uma possível herança bialélica digênica nessa condição (96). Além disso, pacientes negativos para mutações em ambos os genes também foram relatados, o que reforça a heterogeneidade genética dessa condição e a necessidade de maiores investigações para melhor compreensão das bases moleculares dessa OCD rara (97,98).

Os casos negativos de ACG-II e opsismodisplasia possuem fenótipos típicos e provavelmente não estão associados a outros genes senão aqueles descritos para essas displasias. No entanto, apesar da opsismodisplasia estar associada à mutações em homozigose ou heterozigose composta no gene INPPL1 (99), nem todos pacientes possuem mutação nesse gene, o que sugere uma heterogeneidade genética para essa condição (100,101).

Os dois casos de displasia campomélica sem alterações pontuais no gene SOX9 já foram descritos (102), e provavelmente tais casos devem estar associados à eventos bem conhecidos nessa condição, que são as microdeleções (103,104), ou translocação balanceada envolvendo o braço longo do cromossomo 17 (105).

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