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CAPÍTULO 3: MEMÓRIAS DA ESCOLARIZAÇÃO DOS JOVENS NEGROS EM DELMIRO GOUVEIA-AL

60 DADOS DO IBGE.

61Empresa responsável pela linha férrea e transportes de sujeitos e materiais que transitavam por algumas regiões alagoanas. In: Chesf – Programa de Educação Histórico Patrimonial dos Municípios do Entorno do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso – Brasilis / Recife (PE) – 2015.

62 Dados do último IBGE 2010.

cientificas por parte de pesquisadores que almejam trabalhar nesta área. Sendo assim, a ausência deste corpo documental em parceria a falta organizacional da secretaria de educação do município para formular este registro evidência grandes problemáticas mal justificadas, com por exemplo, falta de documentação. Mas, é algo que pode ser recuperado pelas óticas, memórias e narrativas dos jovens ex-alunos da educação básica.

Assim sendo, as memórias dos jovens negros do alto sertão alagoano são atingidas por esses processos instituídos pela escola e comunidade em geral por diferentes contextualizações temporais e espaciais. Embasamos nossa análise, em fontes produzidas pelos próprios entrevistados (as) a saber: narrativas orais e questionários escritos levantados a partir de suas memórias, experiências, saberes e interpretações do período escolar.

Diante das narrativas orais podemos entender o procedimento metodológico utilizado para coleta de dados nessa pesquisa, pois ao falar sobre si o/a entrevistado (a) produz uma possibilidade de reflexão sobre as experiências que antes não tinha noção do que seria o racismo e sua prática, porém, a formação desse sujeito negro junto aos processos de saberes articula estruturas para (re)pensar fatos passados.

Analisando as narrativas orais, questionários estruturados, além de outros dados servindo como auxilio para as fontes primarias e com referencial teórico utilizado, foi possível entender que a narrativa oral, como procedimento para alcance de informação na pesquisa, contribuiu positivamente para a reflexão de todos os sujeitos negros envolvidos no processo da pesquisa.

Inicialmente as análises foram realizadas após coleta dos depoimentos orais e visitação dos áudios em meio às transcrições do mesmo, onde os entrevistados relatavam observações interpretativas do ambiente escolar, sua estrutura pedagógica, docente e discente, e na comunidade em geral, dando prosseguimento diante das relembranças que marcaram sua subjetividade e por muito tempo suas identidades, visto que se tratava de períodos da escolarização da educação básica individual de cada entrevistado, apresentando diferentes narrativas, entretanto, trazendo modalidades de equivalência de alguns relatos diante determinadas situações.

O roteiro para a produção das narrativas era composto de quinze (15) questões semi- estruturadas, onde cinco entrevistados64 declarados negros tiveram a liberdade e aptidão de falar sobre suas experiências nas escolas delmirenses e consequentemente na(s) comunidade(s), identificando nas suas memórias os discursos e práticas racista diante de si.

64 Alguns ainda alunos da graduação pela UFAL-CAMPUS SERTÃO e outros da própria comunidade delmirense.

Para conservar a identidade desses colaboradores, os nomes foram substituídos pela letra E (significando assim os entrevistados). Algumas questões e respostas serão expostas com finalidade de identificarmos que tipos de experiências étnico-raciais foram vivenciadas por esses estudantes negros ao longo de suas formações na educação básica em Delmiro Gouveia? Quando perguntado sobre como os entrevistados pensava-se quanto a sua cor/raça/etnia quando era estudante da educação básica, alguns entrevistados afirmam não se reconhecer negros na infância, e mesmo os que se reconheciam negros sofriam com carga maiordo racismo, porém a escola traria o padrão de identificação quanto a influência de sua escolha: “Eu sempre, meio que, me considerei pardo porque era isso que as pessoas diziam e tem no meu documento então ‘ah! Se todo mundo diz que eu sou pardo, sou pardo’ e por aí foi”. (E4). Para outro, pensava-se negro na sua época por conta dos estereótipos diluídos no seu ambiente escolar trazendo muitas entrelinhas em suas memórias: “Bem, durante a educação básica... é... agente que é negro mesmo, eu não estou falando na atualidade, mas na época da minha juventude, década de 90, é... naquele período, como aqui é interior... a... a... Sentia sim essa discriminação de cabelo pinchain”. (E2). Logo, a família e os amigos também influenciaram na construção do pensar desse sujeito quando sua cor/raça/etnia:

E3 - Então, é... no ano... nos primeiros momentos da educação acho que não me reconhecia como negra e isso era um problema tanto da escola quanto da minha própria casa. Então era um fato de negação da cor. Talvez Fosse isso! Mais ou menos isso. É... Você tentar ser é... a... a menos escura da turma né? Num turma de 10 pessoas se você fosse a mais escura então você era inferior. Acho que é por ai, e eu pensava assim.

E1 – “É, assim né? Quando a gente é... principalmente do fundamental, a gente sempre é tido como, pelo menos... eu acho que em todo canto ainda como morena. Você é morena e era muito fazer você morena, você não é morena, morena, você é moreninha. Porque sempre foi uma, alguma cor escura, mais pigmentada era tido como um coisa ruim, então por mais que você fosse negro, preto, “Azul” que nem mainha diz, você é moreninho. Sempre a escola toda trabalhava nesse corpo, moreninho, e pronto”.

E5 – “mas quando era em relação a minha identidade de me identificar, como negra eu me olhava com vergonha, eu sabia me defender, mas eu não me enxergava porque todo o histórico da minha família, da escola, da sociedade já tinha me afetado, já tinha afetado a minha consciência negra”.

A partir disto a formação de uma subjetividade “não negra” nos jovens de Delmiro Gouveia era algo trabalhado pelas escolas nos anos 1990. Ao ser-lhes perguntado se já ocorreram xingamentos ofensivos por parte dos colegas na escola ou em qualquer outro local social com relação a sua cor, cabelo, modos de agir;todos os entrevistados afirmaram a

existência de formas racistas nas suas experiências de escolarização. Alguns motivos são por muitas vezes apontados por figuras sociais, por exemplo, familiares professores, colegas:

(E3) – “Lá quando eu tinha nuns 7 anos foi complicado né? que sai da... do infantil lá pra 1° série da escola onde você sofre algumas perseguições e ai eu né usava meu cabelo solto né? Minha mãe sempre colocava trança no meu cabelo e eu... eu nunca me vi de cabelo solto pequena. Era sempre trança, coque que era o jeito de manter o cabelo “comportado”, mas mesmo assim na escola era pesado! Era ... puxar a cadeira pra você cair no chão, é... inventar histórias de todos os tipos, xingamentos do tipo: “seu cabelo é ruim”; “você é preta”; é... “você é feia”, e ai essas coisas vão marcando você, né? Tinha um apelido assim que era muito triste, porque isso vinha tanto da... da minha casa quanto da escola que era é... piche, chamava você de piche, é... de barril de petróleo, de varias... esses apelidos assim bem escrotos né? Era bem difícil! O professor estava, mas ai ele não fez nada, só pediu para parar e ai eu nem também não tive reação e também não disse a minha mãe também, então ficou por isso mesmo”.

Traços como estes além de explicitar momento de não-ação do professor em sala de aula, a própria sociedade interage na perpetuação de práticas racistas, de modo que a escola também complementa este espaço em diferentes entrevistados negros: “Sim, no colégio. No colégio... no colégio assim... no colégio era o... aff! Minha infância foi péssima no colégio!” (E1).

(E4) – “O preconceito comigo era mais com relação ao fato de “traficante”! Meio que me viam como traficante, assassino, ex-presidiário, e esse tipo de coisa e a pessoa se pergunta: “sim, então para ser assassino tinha que ter barba grande e tenho que ser negro?”Ah! Então só pessoas assim são assassinas?” “Só pessoas assim são presidiários” “Não tem brancos, loiros, dos olhos verdes ou azul na cadeia?”, “Só tem negro lá?”

(E2) – “ÔÔ, isso aqui, mas na adolescência ou quando criança; depois de adulto... depois de adulto sofri ainda... é porque é o seguinte, só basta você valorizar seus cachos, fazer uma trança... ah... a sociedade já vê você com maus olhos...”

(E5) - Agora da primeira a oitava série, Ave Maria! Olhe, era nega preta, era tição preto, era aquela música, quando eu passava já cantavam principalmente no Delmiro Gouveia65, passava ai juntava dois ou três

meninos, “nega do cabelo duro, que não gosta de pentear...” mas não cantava porque era bonita, cantava para me denegrir, no sentido de me denegrir mesmo, aí teve momentos que eu fui para cima do menino que estava cantando, desci o sarrafo no menino...”

65 Nome da instituição escolar, Escola Estadual Delmiro Gouveia, pertencente no município de Delmiro Gouveia-Al, localizada no centro da cidade.

A memória, como argumenta Certeau66, retorna à historicidade que lhe é característica. Permitindo-lhe submetê-la as variantes do lugar ao tempo provocando múltiplas fissuras, rasgões nas espacialidades, onde se pretende estabelecer os limites, logo, a memória é colocada em conflito no (re)pensar destas experiências. Ainda de acordo com o elemento memória, quando perguntado aos entrevistados se por um acaso julgam também ter reproduzido alguma atitude diferenciada em relação aos traços negros dos colegas, obtivemos o seguinte relato:

(E5) - “Eu não sei se você percebeu, mas meu nariz ele não é aquele nariz achatado assim, né? Que aí o pessoal costuma dizer assim, nariz de negro né? E aí o meu nariz ele não achatado, e eu estudava com uma menina, que ela tem o nariz achatado, e aí eu comecei a reproduzir, isso da questão do nariz, de mangar do nariz da menina, eu comecei a reproduzir e aí eu me lembro que quando isso aconteceu, que eu comecei a reproduzir, eu tinha duas coleguinhas comigo que olhavam já para menina, e começavam falar, nariz de negro, nariz de negro, nariz de negro, venta de sola, aí quando eu vim aqui, aí tipo, a menina começou a ser a piada da escola, não era mais eu, né? Isso me da muito alivio, aí eu achei muito bonitinho, aí comecei também a ir na onda, venta de sola, nariz de negro, olhe como é, de repente eu era a discriminada, naquele momento eu comecei a ser discriminadora, né? Fui produto do meio, me tornei igual ao meio, comecei a fazer as mesmas coisas que fizeram comigo, aí eu comecei a reproduzir...”

O seu exercício de rememoração fez perceber-se como produto de um meio cultural, ou seja, ela enquanto sujeito em construção, relacionava-se com o mundo a partir dos referencias conceituais que aprendia com o mundo dos adultos e, como a entrevistada mesmo julga, esse universo cultural era perversamente racista.

Para outros, o meio social influencia muito nas memórias e tomada de decisões e isto marca muito várias narrativas: “Ô, a gente é fruto do meio social, certo? eu acredito que algum determinado... eu acho... de algum determinado momento eu ter reproduzido isso”. (E2). As vezes para o narrador (E4) a percepção de reproduzir dava-se ao envolvimento ou retribuição do tratamento: “Eu simplesmente ria ou continuava com a brincadeira. Sempre levei: “ah! É brincadeira, estou nem ai.”

Para outros:

(E1) – “Enquanto praticar preconceito? Sim... sim que as vezes você vê uma pessoa falando uma coisa e você como criança você quer reproduzindo. “Seu nego feio”, “homi, tu é feio, tu é feio porque é preto”. Isso é uma coisa que agente sempre tinha muito presente porque acabava que agente reproduzia. Principalmente no... no colégio...”.

(E3) – “... você estava no grupo, onde as pessoas eram racistas e você tinha uma “cartela de cores” que iam do branco ao mais escuro e você não queria tá dentro dos mais escuros, você estava sendo racista também né, então acho que não só o racismo é coisa de branco, é uma coisa dos negros também né? e ai eu reproduzia e reproduzi o racismo tipo, eu alisei meu cabelo e tinha que ser a mais clara do grupo e tentava ser a mais clara do grupo, tipo, não mais era a pessoa falava: “não mais você é mais escura do que fulano”; “não pow, eu levo sol...”

Percebemos como o meio social molda as subjetividades dos sujeitos e identificamos como se tornam exemplos para formação e atitudes dos corpos, desenvolvendo reproduções de valores e tradições. Os valores culturais do sertão com relação aos elementos sobre as relações étnicas e o racismo são apresentados pelos entrevistados como processos de formação histórica, ou melhor, heranças que determina e conserva muitos estereótipos e estrutura acomodação: “eu acho que o fato da pobreza, da falta de conhecimento, ne? E a falta de educação e a falta de conhecimento, de estrutura social, a gente não tem. E isso vai piorando a... a... nossa situação aqui enquanto sertanejo” (E1). Outro entrevistado identifica que a sociedade julga por imagem de cidadão: (E2) – “Ah! Isso aqui, essa aqui é fácil. No vestir, falar, tá entendendo? Se você externaliza que... que... das cores fortes, deixa o cabelo crescer, valoriza mais o cachos, mais os cabelos, nesse momento aí, você, você acaba chamando atenção da sociedade...”. Outra fala que complementa tal ideia e ainda adiciona o posicionamento de muitos sujeitos, aponta como a subjetividade é atuante e atuada neste momento: (E3) – “... As vezes agente acha que é falta de conhecimento da outra pessoa, ai agente tem que explicar, as vezes não é falta de conhecimento, as vezes você tem conhecimento e a pessoa mesmo que não tem caráter! ...”. Já na outra narrativa: (E4): “Porque a sociedade é bem mais ampla e atualmente é uma sociedade muito hipócrita, é uma sociedade que é... não... não olha pra suas origens...”. Ainda neste contexto de posição interpretativa, o narrador argumenta:

(E5) – “No sertão? Eu poderia falar culturalmente67, porque o sertão é muito

cultural, eu poderia falar que vem de origem cultural, infelizmente os negros, meus antepassados, meus irmãos negros, vieram aqui ser escravos né? Então já foi pejorativo isso, primeiro ponto pejorativo foi esse, ser tratado como animal, sem qualquer respeito, e vindo desse histórico, a evolução, a negritude teve a tal da abolição da escravidão, que isso não aconteceu de fato, foi só no papel, e aí foi tendo uma evolução precária, foi tendo a cada tempo em tempo uma pequena evolução, e chegou ao nível que estamos hoje, tem muito que melhorar, muito mesmo, bastante, por que,como é algo

cultural, histórico, tem muito a se conquistar, mas isso vem muito da cultura, infelizmente...”

A figura do professor é muito importante na prática reflexiva de ensinar o sujeito para pensar ou (re)pensar os valores sociais que compõe a sociedade, e segundo Cavalleiro e Tardif68, os professores levam simbolicamente a maior responsabilidade de educar e formar sujeitos, e em muitos casos, a figura pedagógica desse professor não demonstra experiências o suficiente para lidar com múltiplas questões, logo, aspectos de ocultamento e silenciamento de questões raciais e práticas de discriminação racial ocorrem diariamente por escolas brasileiras, o que leva a questão de como os professores, a coordenação e a direção escolar agia diante de situações de conflito em que indivíduos negros estavam sendo inferiorizados, portanto as narrativas apontam vários motivos:

(E5) - “... e aí eu sofri muito e sofri muito calada, sofri muita discriminação e sofri muito calada, por que aconteceu até uma vez, a única vez que eu vi a professora se manifestar e falar, tomar uma atitude, foi quando o menino me agrediu fisicamente dentro da sala de aula, porque ele pegou o lápis e enfiou aqui na minha mão, quando ele enfiou o lápis na minha mão, o lápis tava bem afiadinha a ponta, aí e entrou a ponta, e o sangue, começou a sair “pow, furou mesmo”! Aí eu comecei a chorar, ai a professora tomou uma atitude, isso foi na minha quarta série, mas antes disso a discriminação corria solta, quando, a primeira vez que eu fui reclamar, a professora disse assim, num ligue, deixe isso pra lá, isso é besteira...”.

Para além desse fato, percebe-se que o posicionamento do docente manifesta-se por conta de uma situação muito delicada e diante a intervenção do sujeito mãe indignada com a agressão física,caso contrário, manter-se-ia a “normalidade” pois a percepção dos sujeitos mãe e docente o racismo não resultaria na materialização de uma agressão, mas a narrativa justifica o motivo. Em outra contextualização narrativa é registrado: (E1) “A... a direção ela sempre foi... ela sempre foi passiva. Ela sempre, infelizmente foi passiva a situações que estava acontecendo”. Essa postura de passividade estimula a perpetuação do currículo oculto que estrutura discursos de seleção das igualdades. Em outra narrativa: (E3) – “Então né, eu guardava muita coisa assim, pra mim, então não levava isso pra direção. Mas eu já não levava porque sabia que não dava em nada né? já havia acontecido com meus amigos e o que acontecia era trocar a pessoa de lugar, mudava de lugar pra não mexer com ele ou com ela mas não tinha uma discussão sobre...”. Para outra narrativa, o silêncio para Cavalleiro (2012) inferioriza o sujeito negro oprimido na escola, e a neutralidade ocorria: (E4) “Na educação

fundamental era aquela coisa: “ah! Não vou interferir porque é entre eles e pode refletir em mim e não quero me machucar”. Para:

(E2) “Que as vezes até os professores, não todos, as vezes produziam. Não posso generalizar, viu. Tem pessoas e pessoas. Não é todo mundo”. “Então o homem negro a mulher negra tá tendo mais espaço, tendo mais voz, talvez esteja incomodando alguma elite ou as elites, mas na minha época não. Você tinha que ser forte ou você era engolido pelo sistema. É simples assim”.

Outro ponto que merece ser ponderado são as interpretações narrativas diante contexto das populações negras e suas práticas culturais representados nos livros didáticos e demais materiais utilizados nas respectivas escolas, logo o gráfico abaixo ilustrará o resultado,

que exerce controle ao corpo na escola e molda a subjetividade destes sujeitos:

Figura:1 Nos tempos de escola como as populações negras eram representadas?

Fonte: Dados da pesquisa (2018)

Todos os entrevistados destacaram muitas ausencias de temas voltados para a cultura afro-brasileira, o negro não tinha representação positiva nos livros, aparecia em situações de inferioridade, com relação ao livros que usavam quando estavam na educação básica, O gráfico é o esboço das narrativas referida a pergunta instituida no roteiro da enrevista.

Com relação aos momentos que era falado sobre os negros e sua cultura na escola, o quesito data demarca pouquíssimos momentos de diálogo, momentos pedagógicos e

100%

9) Nos tempos de escola como as populações negras eram

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