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4. Lugares do indie

4.2 A Obra Bar Dançante

A Obra é uma casa noturna cuja proposta é marcada e evidente mesmo desde o release em seu website, que destaca o enorme acolhimento de apresentações de bandas por esta casa:

A Obra Bar Dançante é uma casa noturna com 12 anos de existência. Mais de 3000 bandas dos mais diferentes estilos de música independente já se apresentaram no local. A casa apresenta também DJs com estilos variados: rock'n'roll, black music, indies, alternativos, funk, surf rock, punk rock, 80's, samba e outros21.

Em termos objetivos gerais, A Obra é estruturalmente semelhante à Matriz. Ambas estão em níveis inferiores ao da rua em que se localizam, colaborando para o imprescindível isolamento sonoro e, ao mesmo tempo, dificultando a eficiência do sistema de ventilação. A atribuição freqüente às casas – os “inferninhos” – quase se parece justificar pelo claustro que configura tais lugares. Sobre a eleição do lugar que o empreendimento iria ocupar, “Claudão Pilha”, um dos proprietários, disse à webTV Queijo Elétrico que:

Cara, a escolha do lugar foi complicada. Foram seis meses procurando A Obra. Cada lugar que a gente chegava a gente pensava assim, “ah não, queremos uma casa mais ou menos do tamanho que é A Obra, para 150, 200 pessoas mas, é... que não dê problema com vizinho”. Um dia nós achamos aquele subsolo do prédio comercial onde A Obra tá e conversamos com o dono e o dono perguntou: “O quê vocês vão fazer aqui?” E a gente falou: “Um bar”. E ele falou: “Cara, não vai dar certo um bar, não vou alugar procês não”. Aí a gente teve que praticamente pegar o cara pelo colarinho e sacudir ele e falar: “Velho, tem seis meses que a gente tá procurando esse lugar aqui. E nós achamos. Então, por favor aluga ele pra gente.” E o cara “não, num vou alugar não, num vou alugar não.” Foi uma conversa danada e finalmente a gente alugou. Quando tava ficando pronto, um dia ele tava passando na porta e a gente chamou: “Ô Roberto, chega aqui, vamos ver o lugar que a gente não queria alugar pra gente.” E ele entrou “Nó, vocês conseguiram”. Todo tipo de expressão cultural autoral é o que a gente apóia, é o que a gente promove, então eu acho que o papel da gente é um papel importante no cenário cultural autoral de Minas Gerais né, e do Brasil. Porque afinal de contas têm doze anos que a gente tá aí né, mantendo essa proposta. Já foram feitos mais de seis mil shows n‟A Obra, então eu acho que isso é relevante22.

21

Disponível em http://www.aobra.com.br/info.htm. Acessado em 20 de março de 2011. 22

Em entrevista à webTV Queijo Elétrico, quinto episódio. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=wqHKcn-ziD8. Acessado em 19 de abril de 2011.

Aqui a simplicidade e a precariedade são também fatores preponderantes na decoração. Numa espécie de “precariedade feita estilo”, nota-se a tinta descascada sobre as paredes e o sistema de ar condicionado à mostra em toda a parte traseira do pequeno palco, sobre a qual adesivos de uma infinidade de bandas disputam cada milímetro. Sua entrada, uma porta entre a de uma gráfica e a de uma agência de turismo, conduz o visitante por uma escada que leva ao subsolo, onde estão localizados o bar e os banheiros, num ambiente menor, apenas forçosamente separado do outro, maior, constituído pela pista, o palco e um pequeno espaço isolado por gradis, que abriga os técnicos de som e os caixas da casa.

Os músicos locais também não deixam de atentar para a medida do comprometimento do sistema sonoro, sobre o qual o mesmo freqüentador da lista Uai Música a enumerar os problemas técnicos da sonorização da Casa Cultural Matriz tece alguns apontamentos:

A Obra

amplificadores fudidos pelo tempo de uso. se dessem manutenção decente seriam bons. microfones que dão pro gasto

corpo de bateria legal. ferragens mais ou menos. pa's que dão pro gasto

Já de um ponto de vista subjetivo, verifica-se discurso quase paralelo àquele sobre a Casa Cultural Matriz. Destaca-se correntemente as virtudes da casa que já nasce sob a proposta de constituir-se em espaço para bandas que queiram divulgar trabalhos próprios. Além disso, pode-se dizer que A Obra é a única casa que mantém uma grade fixa semanal de apresentações de bandas, nas quartas (quarta-sem-lei) e quintas-feiras. Apenas extraordinariamente não ocorrerão apresentações de duas bandas em cada um desses dias, bem como é incomum apresentações de bandas fora dessa delimitação.

Soma-se À Obra o fato de ser propriedade de músicos locais. Destaca-se entre eles Cláudio Vieira Rocha, conhecido como “Claudão Pilha”, cuja trajetória contempla a passagem por diversas bandas locais até seu projeto mais atual, a monobanda “O Melda”. O dono da casa A Obra tem sua própria história assimilada a do reduto das bandas indie, o que garante legitimidade ao seu empreendimento entre as bandas na cidade (e mesmo de outras cidades e estados do país). Lê-se no website da casa que:

A Obra sempre teve como um de seus principais objetivos ser um espaço aberto para as novas bandas de Belo Horizonte. Seus proprietários são músicos amadores, e por

muito tempo sentiram na pele a dificuldade de encontrar na cidade um lugar onde uma banda iniciante, que toque músicas próprias, possa se apresentar em condições minimamente adequadas. Buscando lucros mais fáceis, as casas noturnas geralmente preferem as bandas que já conquistaram um grande público ou que tocam covers dos sucessos de FM. De olho na cena alternativa da cidade, A Obra sempre deu prioridade para as novas bandas em sua programação. Principalmente no projeto "Terça Sem Lei", em que as bandas iniciantes tocavam em shows com toda a estrutura necessária. Nos seus primeiros dois anos, a casa sediou shows de mais de 200 bandas, que contaram sempre com uma boa estrutura e trabalho de divulgação. Bandas formadas por jovens músicos (muitos deles de baixa renda) que, com poucas exceções, são totalmente amadores e não ganham nenhum dinheiro com a música. Essas bandas viam na Obra uma chance de mostrar o seu som e, em alguns casos, começar a conquistar algum espaço para um dia talvez se tornarem profissionais. Por isso, sempre foi grande a procura por um espaço na agenda da Obra, que fazia questão de dar oportunidade ao maior número de bandas possível.23

Não é forçoso inferir, portanto, que a casa é considerada desde o ponto de vista de músicos locais o mais importante reduto de bandas indie belo-horizontinas. De todas as que mapeamos em rede24, pouquíssimas não passaram pela casa25. Das que passaram, inúmeras se apresentam novamente por lá com alguma freqüência. Nota-se, inclusive, maior empenho por parte das bandas para se apresentarem n‟A Obra do que na Casa Cultural Matriz.

Não são raras as ocasiões em que aparecem nas narrativas dos músicos entrevistados a evocação de um tempo em que sua primeira banda já tocava na Casa Cultural Matriz e aspirava tocar n‟A Obra. A casa é relacionada constantemente como a realização juvenil do indie, como no seguinte excerto de entrevista com músico local:

É, na Obra tipo assim, era o que a gente queria assim. O que eu queria pessoalmente que era tipo assim “nó, tocar na Obra, massa”. Tava meio com esse objetivo. Ia gravar, ia mandar um e-mail pra Obra assim “Ó, tamo querendo tocar aí”. Já sabia da Quarta-sem-lei, que é o projeto lá pra banda iniciante, que eles abrem cem cortesias pra duas bandas, cê chama a galera que cê quiser e vai lá. E ... e assim mas... porque o Matriz a gente já era mais familiarizado, a gente sabia que tinha uma abertura maior então o auge era a Obra que ainda era meio inalcançável assim. Não inalcançável, mas era o objetivo maior. E aí, mas tocamo no Bh Indie e tal e até surgiu um show na Obra com o Radiotape assim, que foi o primeiro show na obra assim. Foi bem legal. (L.M. 27 anos)

Outro músico que se teve oportunidade de entrevistar demonstra entendimento semelhante:

23

Disponível em http://www.aobra.com.br/omb.htm. Acessado em 20 de março de 2011. 24

Para análise de rede, ver capítulo 9, seção 9.5. 25

Na verdade, até onde se pôde apurar, é provável que apenas a banda Graveola e o Lixo Polifônico não tenha se apresentado na casa em nenhuma ocasião. Os motivos, especula-se, poderiam variar desde a proposta da casa em termos de gêneros musicais – já que a banda em questão não possui sonoridade marcadamente baseada em guitarras – até a grande quantidade de integrantes – por volta de 7 –, que dificultariam a apresentação em palco sabidamente tão pequeno como o d‟A Obra.

Assim, eu sempre quis tocar n‟A Obra cara. Tocar n‟A Obra pra mim era assim o ápice do alternativo de Belo Horizonte, sacou? “O dia que eu conseguir tocar na Obra vai ser muito foda e tal”... Comecei a correr atrás e demorou... depois que a banda, essa primeira [...] começou, demorou tipo um ano pra gente conseguir tocar n`A Obra saca? Aí quando a gente conseguiu foi o máximo cara, do caralho. Foda que BH não tem muito lugar pra banda autoral se apresentar né, ainda mais banda iniciante né, que tá no processo de amadurecimento musical assim. Basicamente a gente tocou n`A Obra, no Matriz e no Pau e Pedra. O Pau e Pedra às vezes abre assim, mas sempre que abria a gente tinha que tocar junto com uma banda cover assim, é... pra abrir o show da banda cover saca? É meio frustrante mas, a gente queria tocar mesmo, então... (L.R. 27 anos).

Conforme se verifica pelo discurso do músico imediatamente acima, além d‟A Obra e Matriz há casas na cidade que, apesar de não terem por proposta original a contemplação de bandas que apresentam composições próprias, esporadicamente podem recebê-las. Algumas, como a recém aberta casa Nelson Bordello, podem ter maior afinidade estrutural e ideológica com a proposta do indie; outras, como a supracitada casa Pau e Pedra, têm sua história marcada pelo abrigo do cover e estão acostumadas à lucratividade desta prática musical. Assim, costumeiramente, dificultam a organização de eventos pelas bandas autorais ao aplicarem a mesma lógica de mercado – na forma de bilheteria e lucro advindo da venda de bebidas – às produções destas, que, raramente, conseguirão estar à altura das expectativas dos proprietários de tais casas.