• Nenhum resultado encontrado

O dano moral das relações de trabalho escravo e o entendimento dos

Para a total compreensão do dano moral das relações de trabalho, torna-se indispensável acompanharmos algumas das principais decisões dos tribunais. Apesar do grande número de demandas de ações trabalhistas, é possível perceber a dificuldade em que os legisladores têm ao decidir cada caso. Entendo que o principal obstáculo diz respeito à valoração da indenização. Por exemplo, no dano material temos um bem lesado, sendo muito simples a avaliação quanto ao valor do mesmo; já no dano moral, o bem lesado é extremamente delicado, pois está ligado a integridade física e psíquica da pessoa humana, gerando um grau de complexidade ao avaliar o quanto vale referida lesão.

No que tange o trabalho escravo, o mesmo somente foi reconhecido oficialmente pela Organização Internacional do Trabalho- OIT, no ano de 1985. Nesse sentido, cabe destacar que o primeiro país do mundo a admitir a existência da escravidão em seu território foi o Brasil. No entanto, atualmente o Brasil é um dos países que tem avançado no objetivo de combater o trabalho escravo (MATRA, 2006).

Um acontecimento extremamente relevante com relação ao trabalho escravo foi a promulgação da Emenda Constitucional no dia 05 de Junho de 2014, que determinou a expropriação de terras que mantiveram trabalhadores em regime análogo à de escravidão. Tal proposta tramitou 15 anos no Legislativo, antes de ser promulgada, sendo de extrema importância para o país, uma vez que possibilitou a reforma agrária nas terras desapropriadas (GUERREIRO, 2014).

Continuando no mesmo assunto, merece destaque, uma condenação recente por trabalho escravo que gerou repercussão em todo o país, envolvendo uma loja de roupas, a C&A. Segundo notícia divulgada pela Revista EXAME.com, a empresa obrigava a equipe a trabalhar em feriados sem autorização em convenção coletiva, não concedia intervalo de 15 minutos quando a duração do trabalho era superior a quatro horas e impedia o intervalo para repouso e alimentação. A empresa teve de arcar com indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100.000,00 (MELO, 2014).

No que diz respeito a tal condenação, colabora o seguinte entendimento jurisprudencial:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. PROVA DA ADEQUAÇÃO ÀS NORMAS. CABIMENTO. A indenização por danos morais coletivos está vinculada aos direitos da personalidade, cuja lesão tem repercussão transindividual. A par da reclamada não efetivar a readequação das suas condutas subreptícias, apontadas em reiterados autos de infração, o fato caracterizador da lesão transindividual ou individual homogênea restou tipificado, apto a ensejar a indenização coletiva postulada‟ (BRASIL, 2014).

Ainda, com relação às decisões dos tribunais, cabe destacar uma das maiores e mais importantes condenações por trabalho escravo, de uma grande empresa do Estado do Pará, conforme dispõe a ementa a seguir:

Ementa RECURSO DE REVISTA – DANO MORAL COLETIVO – REDUÇÃO DE TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO – REINCIDÊNCIA DAS EMPRESAS - VALOR DA REPARAÇÃO. O Tribunal local, com base nos fatos e nas provas da causa, concluiu que as empresas reclamadas mantinham em suas dependências trabalhadores em condições análogas à de escravo e já haviam sido condenadas pelo mesmo motivo em ação coletiva anterior. Com efeito, a reprovável conduta perpetrada pelos recorrentes culmina por atingir e

afrontar diretamente a dignidade da pessoa humana e a honra objetiva e subjetiva dos empregados sujeitos a tais condições degradantes de trabalho, bem como, reflexamente, afeta todo o sistema protetivo trabalhista e os valores sociais e morais do trabalho, protegidos pelo art. 1º da Constituição Federal. O valor da reparação moral coletiva deve ser fixado em compatibilidade com a violência moral sofrida pelos empregados, as condições pessoais e econômicas dos envolvidos e a gravidade da lesão aos direitos fundamentais da pessoa humana, da honra e da integridade psicológica e íntima, sempre observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese, ante as peculiaridades do caso, a capacidade econômica e a reincidência dos recorrentes, deve ser mantido o quantum indenizatório fixado pela instância ordinária. Intactas as normas legais apontadas. Recurso de revista não conhecido (BRASIL, 2014).

A 1ª Turma do TST rejeitou por unanimidade, o recurso de revista da Construtora Lima Araújo Ltda, proprietária das fazendas Estrela de Alagoas e Estrela de Maceió e manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA) que condenou a empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de R$ 5 milhões.

Segundo notícia extraída do Jus Brasil, foram liberados das fazendas cerca de 180 trabalhadores, entre eles nove adolescentes e uma criança, que viviam em situação de escravidão. Também, o relator do processo, o ministro Vieira de Mello Filho, declarou que foram realizadas diversas fiscalizações pela Delegacia Regional do trabalho, sendo em todas elas constatada a existência de trabalho em condição análoga a de escravo.

De acordo com o processo, inúmeras infrações foram relacionadas, entre elas:

[...] não fornecer água potável; manter empregados em condições subumanas e precárias de alojamento, em barracos de lona e sem instalações sanitárias; não fornecimento de materiais de primeiros socorros; manter empregado com idade inferior a quatorze anos; existência de trabalhadores doentes sem assistência médica; limitação da liberdade para dispor de salários; ausência de normas básicas de segurança e higiene; não efetuar o pagamento dos salários até o quinto dia útil do mês; deixar de conceder o descanso semanal remunerado de 24 horas consecutivas; e venda de equipamentos de proteção individual (MATRA, 2010).

Importante destacar, que a condenação supramencionada, foi uma das maiores registradas em nosso país, uma das notícias mais divulgadas referente ao dano moral em condição análoga à de escravo. Tal julgamento demonstrou o comprometimento da magistratura do Trabalho em reconhecer as situações em que esses trabalhadores eram submetidos. Certamente, muitos empregados ainda convivem com situações humilhantes em seu ambiente de trabalho, muitas vezes pela necessidade, em razão do desconhecimento de

seus direitos, ou às vezes em alguns casos pela omissão dos próprios legisladores. O fato é que se deve levar em consideração que muitos direitos fundamentais foram conquistados, representando uma extrema evolução para todos. No entanto, percebo a necessidade da participação dos operadores da justiça para que caminhem lado a lado com o cidadão para a efetivação do direito ao trabalho de forma digna.

CONCLUSÃO

O impacto das relações de trabalho na vida da pessoa humana sempre foi um problema presente em nossa sociedade, assunto no qual sempre gera repercussão. Sendo assim, a concepção das relações de trabalho representa um processo histórico-evolutivo, trazendo consigo muitas vantagens, agregando muitos direitos aos trabalhadores. No entanto a partir desse progresso social e econômico, surgiram muitos problemas relacionados à mão de obra, passando diversos empregadores a não cumprir com os deveres de zelar pela vida do empregado, ocorrendo uma série de danos tanto para vida física quanto psíquica deste. E nesse sentido, deu-se início a uma rede organizada de exploração de trabalhadores que em razão de “dívidas”, passaram a ter de se submeter a jornadas cansativas em condições desumanas.

Incisivamente os homens elaboraram e continuam elaborando teorias para tentar definir as relações decorrentes do trabalho que se apresentavam distintas em vários períodos históricos. A abrangência da discussão sempre trouxe consigo um viés de disputa doutrinária, ou seja, nos preceitos teóricos construídos contemporaneamente. Nesse sentido, é fundamental a compreensão dos fatos ensejadores do dano moral, a fim de que possamos utilizar meios eficazes para o controle do trabalho “forçado”, permitindo a todos os cidadãos que exerçam seus direitos, em especial neste caso, o direito à dignidade da pessoa humana.

Mesmo atualmente existindo garantias constitucionais, capazes de estabelecer os direitos básicos a todo e qualquer cidadão, verifica-se ainda um número muito grande de pessoas que não tem um trabalho digno, que acabam se sujeitando a situações humilhantes e desumanas para poder sustentar suas famílias. E, certamente essa triste realidade continuará se

os operadores do direito não buscarem essas garantias básicas e necessárias para esses trabalhadores.

Também se percebe que a falta de interesse do próprio Estado, erradica esse grave problema social que é o trabalho escravo, sendo que o controle disso ainda é uma realidade muito distante em nossa sociedade.

Pois bem, é possível dizer que a justiça representa um papel importantíssimo no controle desse tipo de dano, dispondo a mesma de uma série de garantias necessárias para vivermos com dignidade, porém acredito que a mesma depende da iniciativa de nós quanto cidadãos em irmos em busca de nossos direitos. Nesse sentido, cada um necessita fazer a sua parte para que esta reciprocidade seja alcançada na prática, não ficando apenas na teoria.

Os direitos fundamentais, principalmente o direito ao trabalho é indispensável para que o ser humano sobreviva com dignidade em um estado democrático de direito, pois é através desse direito essencial que o mesmo contribuirá para o crescimento de uma sociedade justa e igualitária, desempenhando a sua parte e contribuindo ainda para o desenvolvimento de nosso país.

A partir do desenvolvimento do presente trabalho, em especial no que diz respeito às decisões dos tribunais referente ao dano moral em condição análoga à de escravidão, percebe- se a freqüência com que tais crimes ocorrem em nosso país. Certamente a grande maioria dos casos nem chegam ao conhecimento da justiça, seja pela falta de denúncia do próprio trabalhador que muitas vezes se sente constrangido e aflito em dar início a um processo trabalhista, seja pelo desconhecimento de seus direitos quanto cidadão trabalhador.

Diante de todo o exposto, é possível compreender que, o trabalho escravo é um problema presente desde os primórdios da humanidade, que atualmente está em evidência em nossa sociedade. Apesar de termos conquistados muitos direitos, como o direito a educação, moradia, lazer, o direito ao trabalho digno parece ter ficado apenas garantido no papel. Infelizmente, o homem está cada vez mais dependente do seu trabalho, sendo o mesmo, obrigado a cumprir jornadas cansativas, ficando horas sem descanso, colocando em risco

muitas vezes a sua própria saúde física e mental, situações das quais possibilitam que o mesmo ingresse com uma ação por dano moral em condição análoga a de escravidão.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Vera Lúcia Ribeiro. Manual de combate ao trabalho em condições

análogas às de escravo. Disponível em:

<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC88201350B7404E56553/combate%20tr abalho%20escravo%20WEB.PDF- 2011. Acesso em: 27 set. 2015.

ALEXANDRINO, Vicente Paulo Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 13 ed. São Paulo: Editora Método, 2009.

BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições Civis no Direito do Trabalho. 4 ed. São Paulo: Renovar, 2009.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão RR Nº 178000-13.2003.5.08.0117. Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 18/08/2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/21990/trabalho-escravo-novas-perspectivas-de-erradicacao

Acesso em: 26 set 2015.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão AIRR-1179-08.2012.5.18.0006. Relator: Ministro Fernando Eizo Ono. Julgamento: 07/05/2014. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/59495583/trt-18-24-09-2013-pg-42

Acesso em: 27 set 2015.

CHAVES, Mario; MALLMANN, Maria Helena; FRAGA, Ricardo Carvalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. São Paulo: HS Editora Ltda, 2006.

CONFORTI, Luciana Paula. Trabalho escravo no Brasil Contemporâneo: um olhar além

da restrição da liberdade. Disponível em:

<http://www.anamatra.org.br/uploads/article/erradicacao-do-trabalho-escravo-anamatra- resumido.pdf- 30/01/2014>. Acesso em 26 set. 2015.

CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. 3 ed. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2002.

DONATO, Elton José (Diretor). Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. v. 23. n. 276 São Paulo: IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda, 2012.

DONATO, Elton José (Diretor). Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. v. 24, n. 284 São Paulo: IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda, 2013.

DUARTE, Bento Herculano. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR Editora Ltda, 1998.

GÉRSOM, Francisco; LIMA, Marques de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho. São Paulo: Editora Malheiros Editores Ltda,1997.

GOMES, E. B.; BULZICO B. A. A. (Org). Desenvolvimento, democracia e dignidade da pessoa humana. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011.

GUERREIRO, Gabriela. Congresso promulga emenda do trabalho escravo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/06/1465532-congresso-promulga-pec-do- trabalho-escravo.shtml-05/06/2014>. Acesso em: 27 set. 2015.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual de Direito e Processo do Trabalho. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MATRA, A. TST mantém maior condenação por trabalho escravo no país. Disponível em: <http://anamatra.jusbrasil.com.br/noticias/2331200/tst-mantem-maior-condenacao-por- trabalho-escravo-no-pais- 18/08/2010 > Acesso em 26 set. 2015.

MELO, Luísa. C&A pagará R$ 100 mil por trabalho escravo em lojas de Goiás. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/c-a-pagara-r-100-mil-por- trabalho-escravo-em-lojas-de-goias-13/05/2014 >. Acesso em: 27 set. 2015.

MONTEIRO DE BARROS, Alice. Curso de Direito do Trabalho.- 3 ed. São Paulo: LTR Editora Ltda, 1997.

MOURÃO, Pedro Augusto Lima. Contexto histórico da evolução dos direitos sociais. Disponível em < http://jus.com.br/artigos/23540/contexto-historico-da-evolucao-dos-direitos- sociais> Acesso em: 26 nov. 2014.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 30 ed. São Paulo: LTR Editora Ltda, 2004.

NASCIMENTO, Sônia Mascaro. O constrangimento nas relações de trabalho. Disponível em <www.soniamascaro.adv.br/boletim/0905/artigo.php- Setembro 2005>. Acesso em: 31 ago. 2015.

NICOLAU, Maiara Ceschin. A efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana

nas relações de trabalho. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7368/A-efetividade-do-principio-da-dignidade- da-pessoa-humana-nas-relacoes-de-trabalho> Acesso em: 26 nov. 2014.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Combate ao trabalho escravo.

Disponível em:

<http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/convencoes.php-07/07/2010>. Acesso em: 04 set 2015

PINHEIRO, P. S. (Coord.). Trabalho escravo, economia e sociedade. São Paulo: Editora Paz e Terra, v.61, 1983.

PINTO, José Augusto Rodrigues. O direito do trabalho e as questões do nosso tempo. São Paulo: LTR Editora Ltda, 1998.

SAKAMOTO, Leonardo (Coord.). Trabalho Escravo no Brasil no Século XXI. Disponível em:

<http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/pub/trabalho_escravo_no_ brasil_do_%20seculo_%20xxi_315.pdf -2006>. Acesso em: 26 set. 2015.

Documentos relacionados