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3 STALKING OU PERSEGUIÇÃO OBSESSIVA: TIPIFICAÇÃO E ANÁLISE DE

4.2 Dano Moral

O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo (DINIZ, 2013). Sem a ocorrência desse elemento não haveria o que indenizar, e, consequentemente, não haveria responsabilidade (GAGLIANO, 2005). Imperioso também frisar que toda forma de dano, mesmo derivado de um ilícito civil e dirigido a um só homem, interessa à coletividade. Até porque vivemos em sociedade, e a violação do patrimônio do meu semelhante repercute na minha esfera pessoal (GAGLIANO, 2005).

A antijuridicidade caracteriza o dano em geral, mas este não emana necessariamente de uma conduta antijurídica. É possível, assim, que nenhuma infração se consuma e nasça o dever de reparação, simplesmente porque houve dano. O interesse é o objeto de tutela da lei, o que fere o interesse é o dano (RIZZARDO, 2007). Note-se que a configuração do prejuízo poderá decorrer da agressão a direitos ou interesses personalíssimos, a exemplo daqueles representados pelos direitos da personalidade (GAGLIANO, 2005).

Não pode haver responsabilidade civil sem a existência de um dano a um bem jurídico, sendo imprescindível a prova real e concreta dessa lesão. Dessa forma, para que haja pagamento de indenização é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral (DINIZ, 2013). O dano pode ser definido como a lesão que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral (DINIZ, 2012). Não podemos limitar a extensão do dano, ele deve ser ampliado aos limites da fronteira do prejuízo sofrido pelo ser humano em seus bens, de forma ampla e irrestrita (REIS, 2010).

Assim, para que haja dano indenizável, é imprescindível que estejam presentes os seguintes requisitos, de acordo com Maria Helena Diniz (2013): diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral pertencente a uma pessoa, pois a noção de lesão pressupõe a do lesado, não havendo dano sem o lesado, tendo em vista que só pode reclamar indenização aquele que sofreu a lesão; efetividade ou certeza do dano, pois a lesão não pode ser hipotética, devendo o dano ser real e efetivo; causalidade, devendo haver uma relação entre a falta e o prejuízo causado; subsistência do dano no momento da reclamação do lesado; legitimidade, pois a vítima, para pleitear reparação, deve ser titular do direito atingido; e ausência de causas excludentes de responsabilidade.

O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica, provocada pelo fato lesivo (DINIZ, 2013). É o dano que consiste na lesão de

direito cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro (GAGLIANO, 2005). O dano moral é, na verdade, lesão ao direito da personalidade (DINIZ, 2013). Podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa, violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem (GAGLIANO, 2005).

O dano moral pode ser dividido em direto e indireto. O dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa à satisfação de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade, nos atributos da pessoa ou lesão à dignidade da pessoa humana (DINIZ, 2013). O dano moral indireto é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima (DINIZ, 2013). Nas palavras de Gagliano (2005), é quando há uma lesão específica a um bem de natureza patrimonial, mas que, de modo reflexo, produz um prejuízo na esfera extrapatrimonial.

Na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha função de equivalência como no dano material, porém, concomitantemente, a função satisfatória e a de pena (DINIZ, 2013). Todo e qualquer prejuízo injusto há de merecer a necessária indenização, com o propósito de restabelecer o status quo ante ou reconstituir os bens violados que existiam anteriormente ao evento lesivo (REIS, 2010).

4.2.1 Dano Moral e Stalking

No Brasil, já foram proferidas sentenças a favor da reparação pecuniária diante de casos de perseguição e assédio repetitivo, como na decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tratando do caso em que uma senhora passou a namorar um homem divorciado cuja ex-mulher começou a persegui-la, ofendê-la, difamá-la, chegando até a proferir ameaças à vítima em seus ambientes sociais e de trabalho. A ex-cônjuge também protagonizou diversos escândalos na casa da vítima, quebrando, inclusive, seu sigilo de correspondência, abrindo cartas e divulgando mensagens pessoais da vítima e de seu companheiro.

Tal situação acarretou em danos na vida pessoal e profissional da vítima, sendo assim, a vítima afirma que o assédio protagonizado pela ré está tipificado como stalking. A sentença julgou procedente o pedido para: (a) antecipar os efeitos da tutela e determinar que a ré se abstenha de chegar perto da autora, num raio de 200 metros, bem como deixar de enviar para ela e-mails ou se referir à sua pessoa, através de nomes, metáforas, indiretas ou referências, no ambiente familiar, social ou profissional da demandante, sob pena de multa

pecuniária de R$ 250,00 por cada evento danoso, sem prejuízo das sanções penais aplicáveis, após o devido processo legal; (b) a pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de reparação pelos danos morais, cujo valor deverá ser atualizado a partir da prolação do julgado e acrescido de juros de mora desde o evento danoso; (c) a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, estes de 10% sobre o valor da condenação1.

No caso, foi decidido, em instância inicial, que a requerente faz jus a reparação moral frente ao prejuízo causado pela ré, alegando que sofrera stalking. Como já explanado neste trabalho, o stalk é a invasão à vida de outrem ou perseguição obsessiva que causa danos psicológicos naquele que o sofre. Os direitos à privacidade, à imagem, ao segredo, dentre outros, são prejudicados diante desta prática, sendo plausível que se requeira dano moral pelos direitos da personalidade afrontados.

No mesmo sentido, temos a decisão do Tribunal De Justiça de Minas Gerais:

Ementa: Civil. Reparação de danos morais. Ameaças perpetradas pelo ex-marido. Propósito de exonerar-se da pensão alimentícia. Assédio por intrusão ou stalking. Contratação de detetive particular. Violação da privacidade e intimidade. Conduta ilícita reconhecida. Responsabilidade civil mantida.

(TJMG – APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.841426-3/001 – Comarca de Belo Horizonte – Relator: DES. ALBERTO HENRIQUE – 31/03/2011)

1

APELAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. Agravo retido. Indeferimento de depoimento pessoal e produção de prova testemunhal. Cerceamento de defesa. O direito à prova decorre dos princípios da inafastabilidade da tutela jurisdicional (CF/88, art. 5º, XXXV) e do acesso à ordem jurídica justa. À luz do art. 400 do CPC, “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso”. Pertinente é a oitiva de testemunhas que possam oferecer elementos à resolução do mérito, sob pena de cerceio da defesa e do contraditório. Apelante que nega a prática de stalking e atribui à apelada a prática de condutas ofensivas. Alegação de culpa recíproca, diante da troca mútua de ofensas entre as partes. Precedentes. Provimento ao agravo retido, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à vara de origem para providenciar a produção da prova oral pretendida. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, COM FULCRO NO ART.557, § 1º-A, DO CPC. [...] Afirma a autora que em março de 2006 iniciou um relacionamento amoroso com o ex-marido da ré e passou a ser por esta perseguida, ofendida, difamada e ameaçada tanto em seu ambiente de relacionamento social e familiar quanto profissional. Aduz que por diversas vezes a ré protagonizou escândalos na porta da casa da autora e que também quebrou o sigilo de correspondência da demandante e de seu companheiro, editando e divulgando mensagens ofensivas à autora para colegas de trabalho, amigos pessoais e familiares. Assevera que tal situação lhe trouxe constrangimentos e prejuízos em sua vida pessoal e profissional, causando danos morais passíveis de indenização. Diz ainda que o assédio praticado pela ré está tipificado como stalking. [...] A sentença julgou procedente o pedido para: (a) antecipar os efeitos da tutela e determinar que a ré se abstenha de chegar perto da autora, num raio de 200 metros, bem como deixe de enviar para ela e-mails ou se referir à sua pessoa, através de nomes, metáforas, indiretas ou referências, no ambiente familiar, social ou profissional da demandante, sob pena de multa pecuniária de R$ 250,00 por cada evento danoso, sem prejuízo das sanções penais aplicáveis, após o devido processo legal; (b) a pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de reparação pelos danos morais, cujo valor deverá ser atualizado a partir da prolação do julgado e acrescido de juros de mora desde o evento danoso; (c) a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, estes de 10% sobre o valor da condenação.

(TJRJ – Relator: DES. CLÁUDIO DELL’ORTO – APELAÇÃO Nº 0482353-44.2011.8.19.0001 – 12/08/2015)

Da mesma forma, foi proferida uma segunda decisão pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. “Stalking”. Ação indenizatória. Abuso de direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vínculo afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envio de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Perseguição na residência e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do “stalking”. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido.

(TJRJ – APELAÇÃO CÍVEL 2008.001.06440 – RELATOR: DES. MARCO ANTONIO IBRAHIM – 04/06/2008)

Diante dessas decisões, fica clara a responsabilidade civil ensejada pelos stalkers, uma vez que a perseguição causa dano aos direitos personalíssimos, fazendo com que a vítima sofra profundamente, não sendo apenas mera irritação.

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