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Das “ações sobrantes”: um novo conceito de ação?

O (RE)AGRUPAMENTO DE AÇÕES NO (NOVO) ARTIGO 23.º-E DO CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS

3.3. Das “ações sobrantes”: um novo conceito de ação?

I. Nos termos descritos no ponto anterior, com a operação de (re)agrupamento é possível que o acionista fique com aquilo que o legislador denomina “ações sobrantes”, sempre que o coeficiente aplicado não permita atribuir um número inteiro de ação.

Nesse sentido, cumpre aferir o que “ações sobrantes”. Serão, ainda, verdadeiras ações? Salvo melhor opinião, não.

II. Pese embora o legislador adote a nomenclatura “ações sobrantes”, não estamos perante uma verdadeira ação, atendendo às diferentes aceções de ação, que apresentámos precedentemente. Desde logo, não representam uma fração do capital social. Isto porque, após o (re)agrupamento, o capital social da sociedade é divido em várias ações, com um valor (nominal) diferente do das antigas. Donde, as “ações sobrantes” não constam dos estatutos.

Igualmente, não poderão assumir-se como participação social (medida da posição do acionista na sociedade), na medida em que, sendo “sobrantes”, não permitem atribuir, após o (re)agrupamento uma ação por inteiro. Pelo que, encontram-se impossibilitadas de constituir um título que incorpora a condição de acionista, assim como um instrumento financeiro negociável.

Consequentemente, apenas poderão assumir-se como frações de ações, dado serem suscetíveis de união a outras frações para formar uma nova ação.

Vejamos.

III. O problema dos “restos”, decorrente da falta de coincidência perfeita entre o número de ações a (re)agrupar e a receber, não é exclusivo da operação de (re)agrupamento.

Na verdade, também ao nível das situações de aumentos e redução de capital ele se coloca. E, bem assim, nos casos de fusão de sociedade.343

Ora, ao nível da alteração do capital social, dispõe o artigo 458.º, n.º 3 do CSC, “Não tendo havido alienação dos respectivos direitos de subscrição, caduca o direito de preferência das acções antigas às quais não caiba número certo de acções novas; aquelas que, por esse motivo, não tiverem sido subscritas são sorteadas uma só vez, para subscrição, entre todos os accionistas.”. Isto significa que, existindo “ações sobrantes”, em sede de aumento do capital, o direito a adquirir novas ações caduca, mediante o desembolso pelo acionista de uma quantia em dinheiro.

342 Cf. S

ANTOS, FILIPE CASSIANODOS e DIOGO PESSOA, O reagrupamento..., op. cit., p. 45.

343 Cf. V

ENTURA, RAÚL, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 1990, p. 87.

Em sede de (re)agrupamento, porém, a natureza do direito é diferente! Efetivamente, o que aqui está em causa é saber se o direito do acionista pode ser extinto, sem o seu consentimento, a benefício da operação que, de outro modo, pode tornar-se irrealizável.

O legislador entendeu que sim! Pois, repetimos, atribui à sociedade a faculdade de adquirir ou promover a venda das ditas “ações sobrantes”, pelas quais o acionista terá direito a receber uma contrapartida em dinheiro, podendo, em ultimo caso, tornar-se delas titular (cf. n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7 do artigo 23.º-E).

Acontece que, conforme adverte certa Doutrina, que acompanhamos, pese embora a propósito da fusão de sociedades, que denota afinidades com a operação de (re)agrupamento, “o interesse dos outros sócios em proceder à fusão não tem força bastante para afastar da sociedade quem nela queira continuar, quer se trate de pura perda do direito, quer lhe acenem com uma contrapartida em dinheiro; nem interessa distinguir se o sócio puramente é afastado ou apenas perda uma parte da sua participação, pois a maioria não pode, no seu interesse, reduzir a participação de um sócio.”344.

Devido a isso, o legislador veio impor a obrigatoriedade de os acionistas indicarem na deliberação social que aprovou o (re)agrupamento a indicação de um concreto interesse justificativo (cf. alínea a), n.º 9 do artigo 23.º-E), aspeto que analisaremos no ponto seguinte.

Além disso, veio estabelecer que, no período durante o qual a sociedade pode adquirir ou vender as ações sobrantes dos acionistas, estes terão os direitos a eles inerentes suspensos, por aplicação do regime das ações próprias (cf. n.º 6 do artigo 23.º-E).

Todavia, o (re)agrupamento não suspende os direitos correspondentes às ações de que o acionista é titular, sempre que este i) não possua o número de ações suficiente para receber uma nova ação ou, ii) o número exato de ações para receber um número exato de ações, conforme vimos supra.

Pelo contrário, extingue-os. Isto porque, o acionista encontrar-se-á impossibilitado de receber a atribuição de uma ação por inteiro. Pelo que, inexistindo, não conseguirá exercer os direitos inerentes às ações345.

Neste circunstancialismo, reafirmamos, é criticável o pensamento do legislador quanto sustenta que os acionistas que não tenham um número suficiente de ações para receber uma nova, em função do (re)agrupamento, serão titulares de “ações sobrantes”, as quais, por aplicação do regime das ações próprias, ficarão com todos os direitos suspensos, durante o período em que a sociedade as pode adquirir ou vender (cf. n.ºs 5 e 6 do artigo 23.º-E).

Objetivamente, nada há a suspender, pois não estamos perante ações.

Antes, frações de ações, que tornam os direitos a elas inerentes em direitos parciais, no sentido de que, enquanto não se verificar a “reconstituição” de uma unidade individual de ação, pela reunião de vários direitos parciais, não poderão ser exercidos346.

344 Cit. in., V

ENTURA, RAÚL, Fusão, Cisão, Transformação..., op. cit., p. 87.

345 Vide supra, acerca da aceção da ação como participação social, p. 58-59 e notas 253 e 254.

346 Estão em causa, nomeadamente, os direitos (subjetivos) previstos no artigo 21.º CSC: direito aos lucros do

Este entendimento encontra fundamento doutrinário quanto às operações de fusão347, que apresentam afinidades com o (re)agrupamento, visto que, também aí, “[a] relação de troca que tenha sido convencionada e que ficou constando do projeto de fusão pode deparar dificuldade prática de aplicação por falta de coincidência perfeita entre o numero de acções a “trocar”. Pode, com efeito, suceder que um accionista da sociedade incorporada ou da sociedade fundida não possua o número de acções suficiente para receber uma acção da sociedade incorporante ou da nova sociedade, bem como é possível que um accionista não possua o número exacto de acções para receber um número exacto de acções”348.

Fruto da afinidade existente, estamos em crer que a solução exposta é transponível para o (re)agrupamento de ações.349

Neste quadro, inere pouco rigor técnico-terminológico à expressão “ações sobrantes”.

3.4. O “interesse social” como fundamento da operação de (re)agrupamento e