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O “interesse social” como fundamento da operação de (re)agrupamento e salvaguarda dos direitos de propriedade individual dos acionistas

O (RE)AGRUPAMENTO DE AÇÕES NO (NOVO) ARTIGO 23.º-E DO CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS

3.4. O “interesse social” como fundamento da operação de (re)agrupamento e salvaguarda dos direitos de propriedade individual dos acionistas

I. Vimos já que a operacionalização do (re)agrupamento de ações por parte da sociedade depende da sua aprovação em deliberação da Assembleia Geral de acionistas.

Dessa deliberação deverá constar, por força da alínea a), do n.º 9 do artigo 23.º-E, “[o] interesse social que determina o reagrupamento”.

Ora, conforme asseverámos no capítulo I, o “interesse da sociedade” equivale aos interesses efetivamente comuns a todos os acionistas no momento da aquisição dessa qualidade, altura em que aqueles preveem que a solidariedade de interesses se manterá. Assim, a comunhão de interesses dos acionistas só é qualificável como “interesse da sociedade” quando se ligue à causa comum do ato constituinte da sociedade – em regra, já o afirmámos, o escopo lucrativo. É essa causa que justifica a existência da sociedade. Donde, o “interesse da sociedade” distingue-se de quaisquer outros interesses dos acionistas que a sociedade, teoricamente, seja apta a satisfazer.

Consequentemente, a par dos próprios estatutos, o “interesse da sociedade” apresenta-se demasiado vago, necessitando de ser concretizado, em cada momento da vida da sociedade, através de deliberações sociais, pois, ao lado do invariável e predeterminado “interesse da sociedade”, vários outros interesses comuns a todos os acionistas existirão, aptos a conseguir o fim social, i.e., o “interesse da sociedade”. Sendo que, para tal, caberá à maioria em votos decidir.

É, precisamente, o que se verifica em sede de (re)agrupamento de ações.

Objetivamente, o que se exige é a indicação de um concreto motivo que apresente uma relação de causalidade com o (re)agrupamento e justifique a sua aprovação e realização350. Sendo que,

347 Cf.

V

ENTURA, RAÚL, Fusão, Cisão, Transformação..., op. cit., p. 87-88.

348 Cit. in.

Idem Ibidem, p. 84.

349 No mesmo sentido,

S

ANTOS, FILIPE CASSIANODOS e DIOGO PESSOA, O reagrupamento..., op. cit., p. 47-48.

350

Cf. S

reafirmamos, esse concreto interesse há-de ser determinado pela maioria (em votos), e ser apto a satisfazer o fim social, o que é dizer, o “interesse da sociedade”, i.e., dos acionistas em modo coletivo, à luz do seu fim e das suas estratégias351, neste caso, no mercado de capitais.

II. A exigência de indicar um concreto interesse é relevante.

Com efeito, o facto de caber à maioria (em votos) optar pelo meio (comum) que consideram mais apto para prosseguir o “interesse da sociedade” não significa que a maioria possa definir mais concretamente o interesse como quiser, em prejuízo dos acionistas minoritários. Reiteramos: o seu poder é limitado, quer pelo contrato da sociedade, quer pelos princípios da boa fé e do abuso do direito. É neste contexto que aquela exigência ganha preponderância, enquanto limitação imposta à conduta da maioria, a par da necessidade de garantir o respeito pelo princípio da proteção dos investidores, nos moldes supra expostos.

Efetivamente, consistindo o (re)agrupamento na “divisão do número de ações por um coeficiente aplicável a todas as ações na mesma proporção, fixado de acordo com o princípio da proteção dos investidores” (artigo 23.º-E, n.º 1), a indicação de um concreto interesse permitirá aferir se este justifica o concreto coeficiente fixado. E, por sua vez, impugnar a deliberação que aprovou o (re)agrupamento sempre que um concreto acionista considere o coeficiente fixado excessivo, por não lhe ter permitido ficar com qualquer das novas ações, deixando de ser, em resultado disso, acionista.

Consequentemente, devendo a operação de (re)agrupamento fundar-se num concreto interesse, a sua falta de indicação ou incomprovada fundamentação, constitui inobservância de norma imperativa. Donde, verificando-se um desses casos, haverá legitimidade para arguir a anulabilidade da deliberação da Assembleia Geral de alteração do contrato de sociedade em que foi deliberado e aprovado o (re)agrupamento de ações (cf. artigo 58.º, n.º 1, alínea b) CSC). Logicamente que, o direito acionado nestas circunstâncias reportar-se-á à data da tomada da deliberação, pois, reafirmamos, às “ações sobrantes” não inerem direitos, por não serem ações.

III. A exigência de indicação do “interesse social que determina o reagrupamento” permitirá, igualmente, comprovar da proporcionalidade entre o motivo invocado pela sociedade e a lesão de direitos individuais de propriedade.

Precisemos.

Por um lado, não podemos deixar de notar, a operação de (re)agrupamento tem um impacto relevantíssimo na esfera jurídica de cada acionista. Pois, no limite, poderá conduzir à perda da sua qualidade de acionista, caso detenha ações das quais apenas nasçam frações, em resultado do coeficiente aplicado.

Por outro lado, o legislador atribui à sociedade, i.e., aos acionistas em modo coletivo, singulares poderes de disposição sobre aquelas frações, tal como descrito anteriormente, que afetam as

351 Vide, supra, quanto aos pressupostos e motivos pelos quais uma sociedade decide (re)agrupar as suas

participações sociais e a própria qualidade de acionista, aspetos inerentes à esfera jurídica do acionista, tipicamente intangível.

Na verdade, sendo a participação social definível como o “conjunto unitário de direitos e obrigações actuais e potenciais do sócio (enquanto tal)”352, só excecionalmente poderá ser afetada.

Daí que, no nosso modo de ver, a operação de (re)agrupamento deverá ter na sua base um motivo suficientemente apto a justificá-la, sob pena de as restrições e compressões aos direitos de propriedade individual que o regime comporta serem inadmissíveis e inconstitucionais.

Não podemos esquecer que o direito de propriedade privada é um direito fundamental, constitucional garantido no artigo 62.º da CRP, cuja restrição deverá limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente garantidos (cf. artigo 18.º, n.º 2 CRP), num quadro de proporcionalidade.

Nestes termos, estamos em crer, existindo clara e grosseira desproporcionalidade entre o motivo invocado pela sociedade e a consequente lesão dos direitos do acionista em concreto, haverá legitimidade para este arguir a anulabilidade da deliberação por abusiva.

352 Cf. A

CONCLUSÃO

Tendo em consideração às interrogações e problemáticas enunciadas introdutoriamente, e o consequente desenvolvimento feito em sua resposta, cremos estar em condições de formular as seguintes conclusões: