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Certamente os caminhos aqui apresentados foram determinados pelos locais de saída e chegada para o trabalho, porém seus trajetos foram sendo construídos pela deriva e pelas escolhas referentes à maior existência de flores e às determinações para a chegada ao destino. Nesse sentido estes caminhos são resultantes de uma ―cidade habitada‖ (CERTEAU,1998, p. 171).

Os caminhos começam ao ―rés do chão, com passos‖(CERTEAU,1998, p. 176),onde:

―... os jogos dos passos moldam espaços. Tecem os lugares. Sob esse ponto de vista, as motricidades dos pedestres formam um desses ―sistemas reais cuja existência faz efetivamente a cidade‖, mas ―não tem nenhum receptáculo físico‖. Elas não se localizam, mas elas que especializam.‖( CERTEAU:1998, p. 176)

―O ato de caminhar parece, portanto, encontrar uma primeira definição como espaço de enunciação‖, afirma Certeau (CERTEAU: 1998 p. 177). Segundo Certeau, é como a fala perante a língua. Aprendi com ele que é como uma demarcação vivida do espaço. Diz o autor que há vários caminhos possíveis latentes em um determinado espaço, sendo alguns atualizados pelo

34caminhante. ―Deste modo, ele tanto as faz ser como aparecer. Mas também as desloca e inventa outras, pois as idas e as

vindas, as variações ou as improvisações da caminhada privilegiam, mudam ou deixam de lado elementos espaciais ‖ ( CERTEAU,1998, p. 178), o que minha experiência com minhas caminhadas na UFRN neste TCC são a concretização.

Tal como Certeau diz, quando caminho defino meu espaço pois como diz Certeau ( CERTEAU:1998, p. 179) trata-se de uma ‖arte de moldar percursos‖ . Afinal, diz Certeau, o uso e o caminho de cada um, definem um estilo. Caminhar ―conota um singular. O uso define o fenômeno...‖ (CERTEAU, 1998 p. 179).

Certeau define duas figuras de estilo: sinédoque³ e assíndeto4. Interessou-nos particularmente a segunda, que segundo o autor na caminhada ―seleciona e fragmenta o espaço percorrido; ela salta suas ligações e partes inteiras que omite.‖ (CERTEAU, 1998, p. 181). Também as minhas caminhadas definiram seleções, porque em minha trajetória para o trabalho a existência de flores no espaço determinou escolhas de caminhos durante o período deste TCC. Foi o uso e a experiência que moldaram os três caminhos apontados neste TCC e, em cada um deles a emergência das flores era intermitente e, quando ocorriam, era um fenômeno de maravilhamento. Como diz o autor ―o espaço assim tratado e alterado pelas práticas se transforma em singularidades aumentada em ilhotas separadas‖. E, ainda: ... por elisão, cria um ―menos‖, abre ausências no continuum espacial e dele só retém pedaços escolhidos, até restos‖.

Porém em certo sentido, a primeira figura de estilo, a sinédoque, apontada por Certeau pode ser útil para compreender meus atos de fotografar: ―substitui as totalidades por fragmentos‖ um menos em lugar de um mais... ―uma densifica, amplifica, o detalhe e miniaturiza o conjunto‖. (CERTEAU, 1998 p. 181).

As minhas caminhadas sempre tinham e tem uma trajetória de inicio e destino definida, porém, posso dizer que a busca pelas flores definia pequenas derivas e descobertas no sentido dos situacionistas que, segundo Jacques compreendiam que ―a

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A sinédoque é uma figura de linguagem, similar à metonímia e, às vezes, considerada apenas uma variação desta. Consiste na atribuição da parte pelo todo (pars pro toto), ou do todo pela parte (totum pro parte): "Moscou caiu às mãos dos alemães",

4 Assíndeto é uma figura de estilo que consiste na omissão das conjunções ou conectivos (em geral, conjunções copulativas), resultando no uso de orações justapostas ou orações coordenadas assindéticas, aquelas separadas por vírgulas. Ex: “Vim, vi, venci.” (Júlio César).

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deriva é uma técnica de um andar sem rumo. Ela mistura a influência do cenário.‖ (JACQUES, 2003, p.2) , e, parafraseando os autores: ―todas as flores são belas‖, pois eu me desviava dos caminhos mais rápidos para meu destino, para encontra-las.

Eu me desviava dos caminhos para ter uma experiência. Dewey comenta que a experiência é singular com começo, meio e fim, ―porque a vida não é uma marcha e nem tão pouco um fluxo ininterrupto‖ (DEWEY: 2010 p.110); há histórias diversas com enredo próprio, com um inicio e movimento para um fim, um ritmo particular em qualidade e individualização, e não por uma progressão indiferenciada.

―A experiência, nesse sentido, vital, define-se pelas situações e episódios que nos referimos espontaneamente como experiências reais‖ – aquelas coisas que dizemos, ao recordá-las: ―isso é que foi experiência‖ (DEWEY, 2010 p.110)... ―A experiência singular tem uma unidade que lhe confere seu nome‖-.... A existência dessa unidade é constituída por uma qualidade impar que perpassa a experiência inteira, a despeito da variação das partes que a compõem.

Relembrando minhas palavras no inicio deste texto, onde relato que ao caminhar, mudava em direção a um ponto de chegada ao encontrar ―uma situação de experiência alargada para um disparo fotográfico‖, verifico que se trata desta experiência singular que fala Dewey, destacando-se daquelas do fluxo normal do cotidiano.

Quando faço o disparo, enquadro e posteriormente corto a foto colocando a flor em uma escala amplificada posso dizer que, segundo Dewey, que da experiência singular passei a uma percepção estética. O dispositivo fotográfico me permite ―moldar e remoldar‖ a imagem, como afirma Dewey, ―fazer chegar a um fim, quando o seu resultado é vivenciado como bom‖ - e essa experiência não vem por um mero julgamento intelectual e externo, mas na percepção direta...a expressão é emocional e guiada por um propósito‖ (DEWEY, 2010, p.130,131).

Porém, para atingir o expectador, uma obra de arte, no caso, minhas fotos exigem que o desenvolvimento de uma experiência seja controlado, em referencia a essas relações diretamente sentidas, de ordem e realização, para que esta experiência possa alcançar uma natureza predominantemente estética‖ (DEWEY: 2010, p. 131).Pela minha vivencia neste TCC, o

que me impulsionou a encontrar as flores, foi a percepção do que elas puderam gerar em mim, em consequência disso, houve o ato de fotografar, e nisso elas se tornaram propulsoras de uma ação estética.

Percebo então que fazer este TCC remete-me as condições do artista tão bem expressas por Dewey:

―... o artista é alguém não apenas especialmente dotado de poderes de execução, mas também de uma sensibilidade inusitada às qualidades das coisas. Essa sensibilidade também orienta seus atos e criações‖ (DEWEY: 2010, p.130). Porém, a fotografia será vista por alguém, por isso ‖o artista ao trabalhar incorpora em si a atitude do espectador‖ (DEWEY: 2010, p.128) .

Concluo que a minha experiência é como uma teia em que há uma interligação entre os caminhos vivenciados à busca de flores silvestres, que se entrelaçam em suas ramagens e personificam metaforicamente minha experiência. Ainda citando Dewey: Para que a habilidade seja artística, ela precisa ser ―amorosa‖; precisa importar-se profundamente com o tema sobre o qual a habilidade é exercida (DEWEY, 2010 p.128).

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