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2 DEVER DE DECORO PARLAMENTAR E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

2.4 DAS PENALIDADES APLICÁVEIS POR CONDUTA VIOLADORA DO DEVER DE

Para a concretização do regime democrático, é imprescindível, dentre outros requisitos, o fortalecimento dos padrões éticos e morais da sociedade, ante o exorbitante número de casos comprovados de corrupção em nosso País. Logo, faz-se necessária, para frear essas práticas indecorosas dos parlamentares, a criação de mecanismos de punição.

O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, a título de exemplo, estabelece, em seu Art. 10, sanções cabíveis aos parlamentares que infringirem seu dever de decoro:

Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:

I - censura, verbal ou escrita;

II - suspensão de prerrogativas regimentais; III - suspensão temporária do exercício do mandato; IV - perda do mandato.

Parágrafo único. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a Câmara dos Deputados, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator.

Consoante previsão constitucional, destaquem-se algumas situações que, excepcionalmente, podem acarretar a perda de mandato parlamentar antes de findo o seu prazo, mais precisamente no Art. 55 da CRFB/88:

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Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. (...)

§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (grifo nosso).

Dentre os casos acima enumerados, cumpre-nos destacar, face sua relevância para o desenvolvimento de nossa pesquisa, a hipótese decorrente de procedimento incompatível com o decoro parlamentar.

Conforme especificado no § 2º do Art. 55, CRFB/88, essa sanção de perda do mandato é ato disciplinar de competência privativa da respectiva Casa Legislativa, a qual pode determinar a cassação do mandato parlamentar como uma medida disciplinar, mediante votação secreta9 e por quórum de maioria absoluta, após provocação da Mesa da Câmara ou do Senado, a depender do caso, ou de partido político com representação no Congresso Nacional.

No caso da Câmara dos Deputados, é de responsabilidade do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, criado em outubro de 2001, estabelecer a abertura de processo disciplinar para a aplicação de penalidades nos casos de descumprimento de normas relativas à quebra de decoro parlamentar.

Atualmente, tramita no referido Conselho apenas um processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar, esse contra o deputado Natan Donadon.

Esse deputado encontra-se atualmente preso na penitenciária da Papuda, em Brasília, em razão de ter sido condenado por sentença penal transitada em julgado no Supremo Tribunal Federal por crimes de formação de quadrilha e de peculato.

Tendo em vista que a condenação criminal transitada em julgado não cassa automaticamente o mandato parlamentar, porquanto cabe ao Poder Legislativo dar a palavra

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Cumpre destacar a PEC 349/01, já aprovada com unanimidade pela Câmara e atualmente aguardando votação no Senado Federal, que, dentre outras medidas, visa dar fim às votações sigilosas, ou seja, a declaração de perda de mandato por falta de decoro e condenação criminal sujeita à análise do Plenário, por exemplo, deverá ocorrer por votação aberta. Frise-se que, até o momento da elaboração desse trabalho, referida proposta de emenda à Constituição não foi votada no Senado.

final sobre a perda de mandato10, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com uma representação contra Donadon no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, visando à cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar.

Essa representação visa resguardar a imagem da Câmara dos Deputados, uma vez que a manutenção do mandato de um condenado por crimes contra a Administração Pública macularia a integridade da Instituição Parlamentar.

Nesse sentido, o deputado Beto Albuquerque (2013, online), líder do PSB na Câmara dos Deputados, em sessão realizada no dia dois de setembro de 2013, reforçou a representação apresentada por seu partido político, pronunciando-se sobre o assunto da seguinte maneira:

[...] Deputado Natan Donadon, que se encontra preso na Papuda, tendo sido condenado criminalmente, e havido transitado em julgado o processo.

(...)

A conveniência da quebra de decoro parlamentar está em ofensa à integridade da instituição, do Parlamento, de todos os Parlamentares. O que se julga não é o comportamento do Parlamentar em questão, mas, sim, o ferimento mortal do conjunto da instituição, do próprio Poder Legislativo.

Então, o conceito abrangente de decoro parlamentar na Constituição se dá exatamente no sentido de que esta Casa tenha, de forma pertinente, o juízo de valor de julgar esse tipo de fato.

Hoje, esta Casa não pode negar que está constrangida; não pode negar que está em desconexão com a sociedade brasileira; e não pode negar que há em curso um movimento no sentido de repulsa à decisão tomada.

É flagrante, portanto, que a manutenção do mandato de Donadon ofende a regra do decoro parlamentar, que, consoante outrora demonstrado, não tem como objetivo tutelar o exercício do mandato, mas, sim, a honra objetiva do Parlamento.

Sobre o tema, Pinheiro (2007, online):

A idéia, portanto, em tema de cassação de mandato parlamentar por quebra de decoro, é a preservação da intangibilidade do bem jurídico que se pretende tutelar, qual seja, a respeitabilidade, a honorabilidade, da Instituição Parlamentar. (...)velar pelo funcionamento das instituições democráticas e pela crença na democracia como o único regime capaz de assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais. Sic!

Por enquanto, só nos resta aguardar o pronunciamento do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar no presente caso.

10O Senado Federal aprovou recentemente, mais precisamente no dia 11 de setembro de 2013, em primeiro e segundo turnos, a PEC 18/2013, que determina a perda imediata do mandato de parlamentar condenado por penas superiores a quatro anos, em sentença definitiva, por improbidade administrativa ou crime contra a administração pública. A proposta encontra-se na Câmara e, até o momento, não foi aprovada.

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3 DISCUSSÃO ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EC

Nº 41/2003 POR VÍCIO DE DECORO PARLAMENTAR – ADIs

NºS 4887, 4888 E 4889

Inicialmente, cumpre frisar que, para a maior parte da doutrina, dentre eles José Afonso da Silva (2010, p. 47), a incompatibilidade, tecnicamente denominada de inconstitucionalidade, pode ocorrer de duas maneiras:

(a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição.

Contudo, merece destaque a hipótese peculiar de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar, a qual desafia o controle jurisdicional de constitucionalidade, conforme tese idealizada e lançada por Pedro Lenza em 2005.

A tese de nova hipótese para o controle de constitucionalidade agora encontra

respaldo para ser aplicada, em razão do julgamento do caso do “mensalão” na Ação Penal

(AP) nº 470, oportunidade em que se concluiu pela existência de um esquema de compra de votos de sete parlamentares, para que projetos de lei fossem aprovados de acordo com os interesses do governo à época. Atualmente, a Ação Penal se encontra em sede de embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal, e seu mérito já foi amplamente discutido e analisado, tendo os Ministros se manifestado por diversas vezes no sentido de que houve, sim, a compra de votos na Câmara dos Deputados.

Consoante o decisum do STF, verifica-se a ocorrência de grave vício no processo legislativo da Emenda Constitucional nº 41/03. Entretanto, questão nodal a ser enfrentada pelo STF nas ADIs nºs 4887, 4888 e 4889 reside antes na possibilidade de controle de constitucionalidade por quebra de decoro parlamentar em face da comprovada existência de esquema de compra de votos.

Lenza entende ser possível o controle de constitucionalidade pelo Judiciário por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar (2013, p. 273):

(...) trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § 1º, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso

Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

Frise-se que, embora, desde 2005, Lenza levante a possibilidade de controle de constitucionalidade por supramencionado motivo, somente agora o Supremo Tribunal Federal se manifestará sobre esse vício, uma vez que tramitam na Corte Suprema três ações sobre a matéria.

Nesse passo, é oportuno registrar que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL), a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizaram, respectivamente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 4887, 4888 e 4889 no Supremo Tribunal Federal, tendo as três como relatora a Ministra Carmem Lúcia, todas com o fito de ver declarada a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003.

Nesse sentido, Fonseca (2012, online) assevera que:

Há algum tempo o Prof. Pedro Lenza vem levantando a discussão sobre a inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar. Este assunto já foi até objeto de questionamento em concurso público. O tema é polêmico, não havendo consenso doutrinário sobre ele. Agora o STF terá a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Tratam-se de ADIs que questionam a Reforma da Previdência (EC nº 41/2003), sob a alegação de que foi aprovada por meio de votos de parlamentares comprados por réus condenados no Mensalão (AP 470).

Passemos agora a uma breve análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que estão com julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal, ressaltando que, inobstante essas ADIs apresentem também outros vícios formais e materiais da Emenda Constitucional nº 41/03, no presente trabalho, deter-nos-emos nos argumentos que se referem a inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar.

Ao final, destacaremos outros argumentos favoráveis à referida inconstitucionalidade dessa Emenda por esse vício, além de expor os argumentos contrários, os quais defendem a sua constitucionalidade.

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