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2 DEVER DE DECORO PARLAMENTAR E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

2.3 HIPÓTESES DE QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR

Embora seja difícil descrever com exatidão quando um parlamentar falta com seu dever de decoro, analisaremos e teceremos a seguir breves considerações sobre as três hipóteses previstas em nossa atual Constituição:

1) os casos previstos nos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; 2) o abuso das prerrogativas asseguradas aos membros do Congresso;

3) a percepção de vantagens indevidas.

8Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual

para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

Nos regimentos internos das casas legislativas, as mesmas disposições da Constituição são repetidas, quase que de mesmo modo, nos Art. 240 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Art. 32 do Regimento Interno do Senado Federal.

À guisa de exemplo, tomemos o regimento da Câmara dos Deputados e demais atos normativos, a fim de explicitar determinadas hipóteses de quebra de decoro e as medidas disciplinares que visam coibir tais práticas.

O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, por exemplo, alarga as possibilidades de quebra de decoro:

Art. 4º - Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:

I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º);

II - perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, §1º); III - celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando-a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados;

IV - fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação;

V - omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18.

Art. 5º- Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código:

I - perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão;

II - praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa; III - praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou comissão, ou os respectivos Presidentes;

[...]

É salutar trazer à baila o Art. 25 do Regimento Interno do Senado, o qual estabelece que somente dentro do edifício do Senado Federal poderia o Senador ser responsabilizado pelo exercício de ato incompatível com o decoro parlamentar. Senão vejamos:

Art. 25. Se algum Senador praticar, dentro do edifício do Senado, ato incompatível com o decoro parlamentar ou com a compostura pessoal, a Mesa dele conhecerá e abrirá inquérito, submetendo o caso ao Plenário, que sobre ele deliberará, no prazo improrrogável de dez dias úteis. (NR)

Todavia, cumpre frisar que há quem discorde do teor do supracitado dispositivo, como José Anacleto Abduch Santos (2008, p.752), que sobre o tema assim assegura:

34

O parlamentar não é parlamentar apenas entre as quatro paredes do prédio do Parlamento. No Parlamento, exerce a função pública, mas não se despe da condição de parlamentar ao se retirar dele. (...) A conduta do titular de mandato eletivo deve ser exemplar, seja nos trabalhos realizados no exercício da função pública, seja na

conduta privada, sob pena de tornar a expressão “decoro parlamentar” uma

contradição em termos.

Nesse mesmo sentido, Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro (2007, online):

[...] decoro parlamentar visa a assegurar e preservar a própria imagem que se tem do Poder Legislativo. E esta imagem, desenganadamente, pode ser afetada por atos de congressistas que não guardem qualquer relação com o efetivo exercício do mandato parlamentar.

Nesta linha, no extremo, pode o Congresso Nacional entender que a permanência, na Casa, de parlamentar acusado de estupro afeta, sim, a própria honorabilidade do Parlamento. Trata-se, portanto, de ato completamente destacado da atividade parlamentar (suposta prática de estupro), mas, ainda assim, potencialmente apto a danificar a honra objetiva do Parlamento.

Outros exemplos poderiam ser dados, todos eles evidenciadores de que tanto atos públicos, praticados por parlamentares enquanto tal, como atos de índole meramente privada, são virtualmente capazes de atingir o Congresso Nacional. Tanto é assim, que as vedações constitucionais impostas aos parlamentares também se referem a atos que não guardam qualquer relação com o mister congressional. Veja-se, por exemplo, que, desde a expedição do diploma, Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária. Típica limitação que, inspirada pelo princípio da moralidade administrativa, atinge a esfera privada, negocial, empresarial, do parlamentar (CF, art. 54, I, "a"). Sic!

Quanto à questão do abuso das prerrogativas parlamentares, Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 243) afirma que “o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional seria o equivalente a abusar das imunidades outorgadas ao parlamentar para o bom e independente desempenho de seu cargo”.

E no que diz respeito ao que seria a percepção de vantagens indevidas, destacamos que essa pode ser entendida como qualquer benefício que o parlamentar aufira sem título legítimo do próprio Estado ou de um particular.

Cumpre frisar, ainda, que não é necessário que a conduta incompatível com o decoro parlamentar tenha se dado na vigência do mandato para que reste configurada violação ao decoro, pois práticas realizadas em períodos fora do mandato também enfrentam a sua censura.

Nessa perspectiva, destaco mais um entendimento de Pinheiro (2007, online) sobre o tema:

Assim, é desnecessário, para a configuração da quebra de decoro parlamentar, qualquer relação de contemporaneidade entre a prática do ato tido como indecoroso e a titularidade do mandato ou, ainda, qualquer vínculo material de implicação entre a conduta desabonadora e o exercício das funções congressuais. Ao contrário disso, o processo de cassação por quebra de decoro pode validamente se instaurar sempre que a Casa Legislativa, num juízo que lhe é absolutamente privativo, entender que conduta imputada a parlamentar pode comprometer, por sua gravidade mesma, o prestígio social desfrutado pela Instituição.

Igualmente, ressalte-se que o momento em que referidas condutas indecorosas são praticadas não se mostra essencial para a configuração de quebra de decoro e a perda do mandato daí advinda, uma vez que todas essas hipóteses supramencionadas não foram criadas com o fito de vigiar o exercício do mandato do parlamentar, mas sim de manter a honra objetiva do Parlamento.

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