• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2: Juventude é Mentalidade

2.2. Das subculturas às pós-culturas: as cenas

Devido à complexidade e multidimensionalidade das subculturas juvenis consideramos pertinente uma atenta análise às diferenças existentes entre as mesmas e no seu próprio contexto interno. Existem duas dimensões essenciais na interpretação das subculturas juvenis: a noção de resistência e os rituais de consumo. Ora, a noção de resistência enquanto resistência simbólica acaba por ser transversal a todas as dimensões das

31

subculturas juvenis. Expressa-se na apropriação que as subculturas fazem do estilo e do significado que lhe atribuem, “… um elemento muito visível disto é a utilização do próprio vestuário e do look como forma de transmissão de uma ideologia.” (Guerra e Quintela, 2018: 31). Já os rituais de consumo acabam por apropriar e inverter significados culturais através do consumo de moda, de música e outros bens de lazer presentes no quotidiano, sendo que, de acordo com Williams (2001: 576) “«através dos rituais de consumo […] a subcultura revela, por sua vez, o seu “segredo” de identidade e comunica os seus significados interditos.»” (cit. por Guerra e Quintela, 2018: 31).

O estilo é uma das componentes mais visível e caraterística das subculturas. Cohen (1972) defende que o estilo se subdivide em quatro pilares fundamentais: o vestuário – o pilar mais abordado, devido à visibilidade – a música, os rituais comportamentais e a linguagem. Ademais, o estilo presente nas subculturas também é visto, por um lado, através das modificações no próprio corpo através de piercing’s e tatuagens e, por outro lado, através das modificações no ambiente urbano, como por exemplo, o caso do graffiti, ligado à subcultura hip hop.

Os conceitos de conjuntura e especificidade são essenciais no que toca à compreensão do estilo subcultural. É através do processo de estilização que as subculturas comunicam as suas mensagens e significados, assim como uma identidade coletiva, sendo, por isso, fundamental um mercado de consumo para os mais novos. Este processo remete para uma “… organização consciente de objetos, um reposicionamento e recontextualização, que os retira do seu contexto original, possibilitando, desta forma, novas leituras e resistências.” (Guerra e Quintela, 2018: 33).

A resistência defendida por Hebdige (1996) está constantemente envolvida num duplo ataque, “… por um lado, da reapropriação e subsequente venda do estilo da subcultura por parte do mercado; e, por outro lado, da redefinição e interpretação ideológica por parte dos média.” (Guerra e Quintela, 2018: 34). Assim, o surgimento de subculturas é um processo que se carateriza por duas vias: forma mercantil que converte vários símbolos de uma determinada subcultura em produtos massificados e forma ideológica que consiste na «rotulagem» e «redefinição» realizada pelos grupos dominantes, como os meios de comunicação social, a polícia e o sistema judicial (Hebdige, 1996: 199, cit. por Guerra e Quintela, 2018: 34-35).

32

O conceito de subcultura sofre algumas críticas, primeiramente por Gordon Tait (1992). O autor crítica as variáveis utilizadas para a definição das subculturas (idade e classe social) afirmando que o género e a etnia deviam ser tidas em linha de conta para a definição. Além disso, critica a utilização do adjetivo espetacular quando se fala em subculturas. Considera que “… o recurso a essa terminologia romântica olvida a grande maioria dos restantes jovens, os comuns, que, por conseguinte, na acepção desta abordagem, parecem não ser mercedores de análise, já que não combateriam a hegemonia cultural.” (cit. por Guerra e Quintela, 2018: 42). Neste sentido, é possível concluir a existência de duas categorias nas subculturas: as espetaculares, constituídas pela classe operária e rebeldes perante a sociedade dominante e todas as outras que não despertam interesse perante os Estudos Culturais e, consequentemente, para os estudos sociológicos.

Paula Guerra (2010) aponta quatro limitações na teoria subcultural. A primeira refere-se ao caráter determinístico que assenta num determinismo económico. A classe social determina tudo o resto, inclusive o comportamento dos indivíduos. A segunda diz respeito ao caráter totalizante, sendo que não existe espaço para especificidades e/ou diferenças. As subculturas são encaradas como homogéneas. A terceira limitação baseia- se no caráter normalizador, isto é, existe uma tendência para se analisar a juventude como uma entidade única, numa época marcada por uma grande velocidade e diferenciação. Por fim, a quarta limitação, salienta um caráter dicotomizador, visto que recorre a determinadas formulações que opõem as subculturas espetaculares às outras (sub)culturas (Guerra e Quintela, 2018: 45).

O conceito de subcultura carateriza-se pelo caráter transitório, fluido e transformativo e também por ser um fenómeno estável e homogéneo o que desperta interesse no âmbito científico. É neste sentido que Paul Hodkindon (2003) propõe uma análise rigorosa da aplicabilidade do termo. Para isto, utiliza quatro critérios fundamentais: identidade, compromisso, caráter distinto consistente e autonomia. O critério da identidade pressupõe entender de que forma o indivíduo percepciona pertencer a um grupo cultural diferente, “trata-se, no fundo, de perceber se existe um sentimento de filiação, «nós» versus «outros». (Guerra e Quintela, 2018: 52). O critério do compromisso salienta que o facto de um indivíduo pertencer a uma determinada subcultura acaba por afetar a sua vida quotidiana, uma vez que prevalece uma ocupação de tempos livres, assim como padrões de amizade específicas de cada subcultura (Hodkinson, 2003: 31 cit. por

33

Guerra e Quintela, 2018: 52). O caráter distintivo consistente, refere-se ao conjunto de valores, significados, símbolos e práticas subculturais que se diferem dos restantes grupos. O autor admite que internamente pode haver diversidade e diferentes graus de compromisso (Guerra e Quintela, 2018: 53). O critério da autonomia permite analisar qual o papel da economia e dos media na construção e manutenção das subculturas.

O conceito de subculturas com o passar dos tempos foi substituído por outros conceitos. Os conceitos de tribo e de neo-tribalismo (Michael Maffesoli, 1988, 1997) assumiram um grande relevo em torno das culturas e das sociabilidades juvenis. Visavam compreender um novo contexto social marcado pela existência de novas comunidades, resultado do desejo de pertença (Guerra e Quintela, 2016: 201). Andy Bennett recupera o conceito de neo-tribalismo e considera que este é capaz de ultrapassar as limitações impostas ao conceito de subcultura. Segundo este autor “… os mecanismos que explicam a criação de grupos juvenis contemporâneos devem assumir esses grupos enquanto uma série de agrupamentos temporários de indivíduos, caratecterizados por fronteiras fluídas e pertenças flutuantes/instáveis.” (cit. por Guerra e Quintela, 2016: 201). O de cena passou a ser aquele que despertou um maior interesse e aplicabilidade em diferentes áreas, como a Sociologia, Geografia e Antropologia, isto devido à capacidade que possui de leitura do espaço, na sociedade urbana contemporânea (Guerra, 2010: 441-442). Alguns autores defendem-no enquanto alternativa para superar as críticas feitas ao conceito de subcultura anteriormente mencionadas. De acordo com Bennett e Peterson, o termo cena surgiu em 1940, sendo utilizado pelos jornalistas para caraterizar os modos de vida marginal e boémio dos indivíduos associados ao jazz (2004: 2). Posteriormente, o termo foi aplicado a diversas situações, como por exemplo, “Cena Poesia Oeste de Veneza”, “cena beatinick do East Village”, “cena teatral de Londres”, “cena gótica”, “cena punk”, “cena do hip hop” (Bennett e Peterson, 2004: 2). Recentemente, Guerra e Quintela (2016: 202) afirmam que “as cenas têm sido frequentemente mobilizadas para analisar e descrever os espaços de consumo e produção contemporâneos, crescentemente flexíveis e envolvendo barreiras muitas vezes invisíveis, existindo simultaneamente em contextos espaciais muito diversos.” Este termo surge associado a “estudos sobre sonoridades de locais específicos, com o intuito de torná-los (ou pretender torná-los) teoricamente mais inovadores do que realmente são, enquanto outros autores o adoptam no sentido de dar conta de um espaço cultural que transcende o espaço local.” (Guerra, 2010: 441). Paula

34

Guerra afirma que a utilização do conceito cena ficou a dever-se ao pós-estruturalismo, uma vez que prevalecia a vontade de uma nova análise da relação entre os jovens, a música, o estilo e a identidade presentes no contexto da nova sociedade global (2010: 441).

Andy Bennet e Richard A. Peterson propõem a leitura do conceito de cenas de modo tripartido: cenas locais, translocais e virtuais. No contexto local, a cena é encarada como atividade social que ocorre num determinado segmento geográfico ao longo de um determinado período de tempo onde produtores, músicos e fãs percebem o seu gosto musical comum, distinguindo-se de outros. As cenas translocais referem-se a cenas locais amplamente espalhadas e que aludem formas distintivas de música e estilos de vida, (Bennett e Peterson, 2004: 6). Os festivais de música são um exemplo de cenas translocais, dado que envolvem a interconexão de várias cenas locais, atraindo indíviduos diferentes em ocasiões específicas. As cenas virtuais caraterizam-se pela proliferação na internet de grupos de fãs dedicados a artistas e/ou grupos. Os indivíduos estão separados geograficamente, mas conseguem estabelecer um diálogo mundial. Para Bennett e Peterson “a cena virtual é uma cena emergente na qual as pessoas criam uma cena descartada de espaços físicos, utilizando fanzines e medias alternativos e apoiando- se na Internet.” (Bennett e Peterson, 2004: 7).

O conceito de cena pode ser encarado como instrumento interpretativo que, por um lado deve “conduzir a uma análise de interconectividade entre os atores sociais e os espaços sociais das cidades, facilitando deste modo a compreensão da dinâmica das forças existentes – sociais, económicas e instituicionais – que influenciam a expressão cultural coletiva.” e, por outro lado, proporcionar “uma cartografia rica das relações das cenas musicais com outras cenas culturais – como a teatral, a literária e a cinematográfica -, dando enfoque tanto ao seu caráter heterógeneo, quanto aos fatores unificadores e, deste modo, questionando a rigidez do modelo subcultural.” (Guerra e Quintela 2016: 203).