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No início de 1976, Sá Carneiro almoça com Natália Correia. Tem, por ela, uma admiração especial. Considera-a desafiante e provocadora. Até do ponto de vista político. Mas neste dia, quer saber o que ela pensa da editora da Dom Quixote.

- “Natália, que tal é a nossa editora? Você conhece-a bem e…” 308

- “É melhor não querer saber como ela é. É uma princesa nórdica, que jaz adormecida num esquife de gelo, à espera que venha o príncipe encantado dar-lhe o beijo de fogo. Esse príncipe encantado é você. Porque ela é a mulher da sua vida. Corra para ela e convide-a.” 309 Cf. PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 415-426. 305 Cf. PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 427-435. 306 PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 435. 307 PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 439. 308

6 de Janeiro de 1976. Vigésimo primeiro aniversário do início do namoro com Isabel. Sá Carneiro almoça com Snu Abecassis. Ao chegar à sede do PPD, depois do encontro, confessa a Conceição Monteiro: “Ela é brilhante.” 310

A partir dessa data, a vida de Sá Carneiro muda radicalmente. Altera hábitos sociais. Frequenta locais e círculos, que até então evita. Procura eventos e locais onde Snu possa estar. A escandinava, que chega a Portugal em 1962, por casamento com Vasco Abecassis, “depois de ter vivido o ar livre das democracias, de sociedades abertas, onde não fazia sentido questionar a liberdade” , irrompe na vida de Sá Carneiro como um 311

furacão. A relação com Isabel arrefece. O ambiente familiar degrada-se. Os filhos 312

apercebem-se. Sá Carneiro pede o divórcio. Isabel recusa-lho. No PPD, teme-se o escândalo. Amigos e companheiros de partido receiam as implicações político-partidárias da paixão do líder por Snu. Mas Sá Carneiro não desiste. Sofre, mas não desiste. Quer continuar a viver com a intensidade de sempre. Sente a morte próxima. Quer aproveitar a vida.

Derrotado nas eleições legislativas de Abril, o PPD foca a atenção na eleição presidencial. Soares prepara-a com o Conselho da Revolução. Apresenta-lhe uma lista de quatro nomes: Costa Brás, Firmino Miguel, Pires Veloso e Ramalho Eanes. Este recebe sete dos nove votos. Soares avança para a apresentação de Eanes. Marcelo Rebelo de Sousa toma conhecimento do nome escolhido pelo PS. Sem estratégia definida, Sá Carneiro recebe a informação de Marcelo a meio de uma reunião do PPD. Nessa mesma madrugada, a agência de notícias ANOP fica a saber que o PPD é o primeiro partido a apoiar Ramalho Eanes. Mário Soares fica furioso. Eanes explode. 313

Eleito, em 27 de Junho, com 61,5%, Eanes não faz a vontade de Sá Carneiro: um governo de coligação com o PS. Prefere agradar a Mário Soares: um governo minoritário, apenas com os socialistas.

Sá Carneiro investe, a partir de então, em duas frentes: no reforço da implantação nacional do PPD e no ataque violento ao governo do PS. Propõe uma alteração ao nome do

AVILLEZ - Francisco Sá Carneiro, p. 166.

310

PINTO, C. - Snu Abecassis - A vida íntima com Sá Carneiro. Edição electrónica, iBook em suporte iPad

311

Air 2. Alfragide: Publicações D. Quixote, 2011. p. 7. Cf. AVILLEZ - Francisco Sá Carneiro, p. 166-167.

312

Cf. PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 469-473.

partido. Sabe que o PS se quer apresentar ao país como o único partido social-democrata. Desde a noite de 2 para 3 de Outubro, o PPD passa a designar-se: Partido Social- Democrata, PPD-PSD. Antonio Capucho desenha as três setas que passam a ser o seu símbolo. 314

O país, entretanto, continua a caminhar para a bancarrota. Sá Carneiro responsabiliza Mário Soares. Os militantes do PSD entusiasmam-se com o elevar da tensão política. Mas Sá Carneiro não quer derrubar Soares. Quer juntar-se a ele, no Governo. Soares recusa. Como Sá Carneiro, ele quer ser o equilíbrio do regime.

Afastada a hipótese de convergência com o PS, rompida a relação de confiança com Eanes, acentuada a crise social e económica no país, Sá Carneiro não tem alternativa a uma postura de combate sem tréguas. Muitos discordam. No fim de Janeiro de 1978, o partido encontra-se para a realização do Congresso do Cinema Vale Formoso, no Porto. Os opositores do líder procuram afastar Sá Carneiro. Marcelo Rebelo de Sousa tenta o consenso com uma moção de equilíbrio. O partido aprova-a, quase por unanimidade. Com uma abstenção: a do líder. O congresso é surpreendido. Acaba de votar contra Sá Carneiro. Todos querem recuar. Sá Carneiro não aceita recuos. Sousa Franco substitui-o.

Por essa altura, abandona a liderança. Mas não a política, nem o PSD. Continua a criticar, em entrevistas e artigos de opinião, os órgãos de soberania e a direcção do partido. Em 2 de Abril reúne milhares de apoiantes, no Vimeiro. Sousa Franco enfurece-se. Percebe que não tem poder. Convoca um Conselho Nacional. Adopta uma estratégia, que passa pelo abandono de funções. Visa testar os apoios de que dispõe. Dá conta da sua escassez. Vai embora. Uma comissão é eleita para preparar um outro congresso e o regresso de Sá Carneiro. Entretanto, surgem as Opções Inadiáveis. Reúnem os descontentes com o líder. Sá Carneiro derrota-os. Mas não os elimina.

No início de 1979, os inadiáveis, cada vez mais próximos de Eanes, regressam. Provocam várias cisões internas. O grupo parlamentar divide-se. Fica reduzido a metade. Muitos entendem que é a hora derradeira do líder do PSD. Sente-se só, como nunca. Como nunca, acredita ter razão.

Eanes está na origem da segunda grande fractura do PSD. Mas Sá Carneiro não 315

esmorece. Poucos dias depois, concentra milhares de pessoas num comício, em Lisboa. Entusiasmado, procura Soares. Propõe-lhe uma aliança com base num denominador comum: derrotar Eanes. Soares recusa. Crê que Sá Carneiro, após a crise dos “inadiáveis” está politicamente morto. Engana-se. Com a recusa do PS, Sá Carneiro dirige-se a Freitas do Amaral. A aceitação é imediata. O governo de Mota Pinto, entretanto, cai. Eanes propõe eleições intercalares. Até lá, nomeia Maria de Lourdes Pintasilgo. A direita hesita. Eanes insiste. Cola-se à esquerda radical. O VII Congresso do PSD aprova a estratégia do líder: coligação com o CDS e com o PPM.

A campanha eleitoral da AD sai para a estrada. O combate é duro, desgastante. A Aliança Democrática procura provocar a mudança significativa da política portuguesa, excessivamente ameaçada pelo radicalismo de esquerda. Os comícios e sessões de esclarecimento multiplicam-se. Alargam-se a todo o país. Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Ribeiro Telles insistem na necessidade de mudar e modernizar Portugal, de romper com o radicalismo dos comunistas, de acabar com o bafo mofento do Estado Novo, de rever a constituição, de promover o investimento, de dinamizar a economia, de melhorar o sistema de saúde e de educação, de reformar a agricultura, de promover a qualificação dos portugueses, de centrar a atenção nas necessidades concretas dos homens e mulheres de Portugal.

2 de Dezembro de 1979. Sá Carneiro, no Hotel Altis, recebe os primeiros resultados eleitorais. As vinte freguesias-tipo, previamente definidas, apontam para uma vitória por maioria absoluta. A confirmação dessa notícia é dada pela RTP. A AD obtém 45,2% dos votos. Vence as eleições com maioria absoluta. Sá Carneiro não sustém a alegria.

3 de Janeiro de 1980. Dois dias depois de um grande sismo nos Açores, Sá Carneiro toma posse como primeiro-ministro do governo de Portugal. Rompe, de imediato, com os diplomas de Pintasilgo, com o socialismo, com a União Soviética. Acelera a acção governativa. Intensifica a Reforma Agrária. Distribui terras a agricultores e a pequenos proprietários. Atrai investimento estrangeiro. Flexibiliza as leis laborais. Força a rápida

Cf. PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 531.

adesão à Comunidade Económica Europeia. Disciplina as contas públicas. Descentraliza a administração.

Mas nem tudo são rosas. Os ataques sucedem-se: pessoais: sobre a relação com Snu e a sua alegada dívida de à banca; políticos: do PCP, que continua a agitar a rua e os sindicatos; de Eanes, que permanece um obstáculo ao caminho traçado. Pondera, então, ser candidato presidencial. Para afastar o presidente, não basta o confronto constante e quotidiano. Precisa de o derrotar nas urnas. Mas tem um problema: a relação com Snu. Para o resolver, Sá Carneiro tenta obter a nulidade do casamento católico. Invoca falta de plena maturidade humana à data da celebração. Em Roma, cria expectativas positivas quanto ao desenlace do seu intento. No Porto, D. António Ferreira Gomes encarrega-se 316

de as esbater. Sá Carneiro abandona, então, a ideia da candidatura presidencial. 317

Concentra-se nas eleições legislativas de Outubro. Tem a consciência do bom trabalho governativo. Aponta para uma nova maioria absoluta. Espera eleger 130 deputados.

5 de Outubro de 1980. Os portugueses vão às urnas. A AD vence de novo. Mas as expectativas de Sá Carneiro não correspondem aos mandatos parlamentares obtidos. Ficam abaixo. A coligação obtém 47, 36%. Elege 134 deputados. Sá Carneiro, radiante, afirma: estas eleições constituem “a primeira volta das eleições presidenciais.” Eanes continua 318

na sua linha de mira. Sá Carneiro quer “um governo, uma maioria, um presidente.” Quer tudo. Como sempre.

Soares Carneiro é a escolha possível para o confronto eleitoral com Eanes. Os 47% das legislativas são um grande resultado. Mas não garantem a vitória. Apenas uma derrota honrada. Soares Carneiro não entusiasma. Sá Carneiro não desiste. Luta até ao último instante. O último instante é o Porto.

1.7 O fim

4 de Dezembro de 1980. Conceição Monteiro reserva quatro bilhetes para o voo da TAP das vinte horas e vinte minutos, entre Lisboa e o Porto. Os bilhetes destinam-se a Sá

Cf. Entrevista audio ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Anexo 1. p. 214.

316

Cf. PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 550-551.

Carneiro, Snu, António Patrício Gouveia e João Cordeiro Pereira, assessor de imprensa. 319

Sá Carneiro entra no Palácio de São Bento às nove horas e trinta minutos. Ao meio dia tem uma reunião decisiva para encerrar o orçamento das Forças Armadas. Atrasado para um almoço marcado para as treze horas, no restaurante Tavares, sai antes da reunião terminar. Adelino Amaro da Costa, ministro da Defesa, vem atrás dele. Oferece-lhe boleia para o Porto, num Cessna de cinco lugares. Partirão pelas dezanove horas, para terem tempo de jantar no Escondidinho. Depois, é só atravessar a rua e entrar no Coliseu, para o último comício. Sá Carneiro aceita e agradece. Dá instruções a Conceição Monteiro para manter a reserva na TAP, pois é Dezembro, mês de intempéries. 320

No Tavares, Sá Carneiro pede “uma canja de perdiz e uma perdiz estufada sobre pão torrado.” Freitas do Amaral, mais tarde junta-se a Sá Carneiro e aos que o 321

acompanham. “Falam de aviões e de voos, a propósito das deslocações inerentes à campanha.” Sá Carneiro adianta que não lhe faz a menor impressão viajar em avionetes. 322

Está habituado. Depois, discutem o que dizer na conferência de Imprensa dessa tarde. Todos desenham cenários eleitorais. Todos apontam estratégias futuras, após a primeira volta das eleições, no domingo.

Dezanove horas. Sá Carneiro entra, com Snu, na sala VIP do Aeroporto da Portela. Adelino Amaro da Costa atrasa-se, como sempre. Sá Carneiro não gosta, mas já está habituado. Fala com Snu, com Patrício Gouveia. Aguarda. O ministro da Defesa chega, finalmente, com a mulher. São dezanove horas e dez minutos. Todos juntos, apanham uma carrinha até ao Cessna, modelo 421-A, com a matrícula YV-314P. No interior do avião, Sá Carneiro senta-se “à frente do ministro da Defesa, que estava de costas para o comandante; ao lado do primeiro-ministro estava Snu; à frente dela, Manuela Amaro da Costa; e, na parte de trás, António Patrício Gouveia.” 323

Dezanove horas e trinta e cinco minutos. Jorge Albuquerque tenta pôr o motor a funcionar. Em vão. Tenta novamente. Não consegue. Sai do avião e requisita um gerador. “Ao fim de sete minutos, o motor direito pega, finalmente. Mas o esquerdo só se porá em

Cf. PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 603. 319 Cf. PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 605. 320 PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 606. 321

AVILLEZ - Francisco Sá Carneiro, p. 271.

322

PINHEIRO - Sá Carneiro, p. 608.

movimento 22 minutos depois.” Vinte horas e nove minutos. Um dos pilotos pede à torre 324

de controlo, que averigue se a TAP mantém as reservas em nome do primeiro-ministro. Dizem-lhe para aguardar pela resposta. Quatro minutos depois, o motor esquerdo começa a funcionar. O piloto decide arrancar. Toma a pista mais curta. São vinte horas e dezasseis minutos e trinta segundos. Descola 12 segundos depois.

CAPÍTULO II FRANCISCO SÁ CARNEIRO: O ENCONTRO MARCANTE COM