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DE ENCONTRO AO PROIBIDO

CAPÍTULO 2 – DE ENCONTRO AO PROIBIDO

Iniciei o curso de doutoramento em 2014 com a ideia de desenvolver a pesquisa de campo em diferentes instituições de ensino e observar variações nos modos como a experiência lúdica infantil se constitui no contexto escolar. Identificar variações nas influências sociodinâmicas que incidem sobre o brincar infantil e que derivam do tipo de pertencimento social das crianças é tarefa com a qual me envolvo desde a época em que cursei o mestrado. As metodologias de análise social relacionadas às perspectivas antropológicas, especialmente suas técnicas de abordagem de campo, nortearam-me na direção dos possíveis contrastes que gestões escolares distintas poderiam produzir nas práticas infantis. Por isso, a alteridade da criança em relação aos adultos e as variadas formas de administração simbólica da infância, produzidas em contextos distintos, causam-me curiosidade acadêmica.

Meu interesse pela etnologia é antigo. Entre 1999 e 2005, vivi experiências de campo participando de folguedos populares como as Folias de Reis da cidade de Urucuia - MG e os Bois de Reis da cidade de São Francisco - MG. Foram anos em que alimentei uma forte identificação com o método de observação participante com a linguagem descritiva usadas pelos antropólogos. Tornei-me amigo de crianças filhas de foliões do Urucuia, frequentei suas casas e com elas vivenciei e aprendi dezenas de brincadeiras tradicionais infantis. Pude também estar com alguns grupos infantis que se formam nas ruas da cidade de São Francisco para produzir o folguedo do Boi, tradição que nesta cidade extrapola a produção dos adultos e encontra na ação das crianças um forte elo de continuidade.

No tempo de meu mestrado, novas aproximações com a linguagem antropológica se deram. A pesquisa que empreendi adquiriu um cunho etnográfico e o documentário audiovisual que produzi absorveu referências do campo da Antropologia da Imagem (SPRÉA, 2010). Mais recentemente, cursando duas disciplinas de Teoria Antropológica19 (PPGA – UFPR), pude me dedicar à leitura de etnografias clássicas como Argonautas do Pacífico Sul (MALINOWSKI, 1978 [1922]), Os Nuer (EVANS-PRITCHARD, 2005 [1940]) e Sociedade de Esquina (WHITE, 2005 [1943]). Tais experiências impactaram meu olhar sobre processos de observação de campo. Além disso, pude identificar nos textos antropológicos referências

19 Cursei em 2014 e 2015, no PPGA - Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPR – Universidade Federal do Paraná as disciplinas Teoria Antropológica I, com Eva Lenita Sheliga, e Teoria Antropológica II com Laura Pérez Gil.

teórico-metodológicas capazes de nortear o foco de minhas investigações, favorecer o exercício da escuta e a compreensão da alteridade, fatores essenciais para a pesquisa com crianças.

Neste estudo, as fontes de dados acessadas ao longo do caminho investigativo revelaram múltiplas conexões entre os diferentes campos de observação. O percurso foi realizado em duas fases distintas. A primeira, que se estendeu de novembro de 2015 a novembro de 2016, caracterizou-se pelo caráter exploratório da sequência de atividades realizadas. Essa fase decorre de minha inserção em projetos que permitiram acesso a diferentes comunidades escolares, em função de meu trabalho profissional20. Pude realizar observações em recreios de escolas localizadas em distintas cidades e em diferentes contextos socioculturais, rurais e urbanos. Foram semanas de intensa interlocução com crianças e de contato direto com experiências lúdicas variadas.

No mesmo período, em função de um curso de longa duração que ministrei na rede municipal de ensino de Curitiba – Paraná, coordenei encontros com grupos de inspetores – profissionais diretamente ligados ao atendimento das crianças nos pátios escolares. Seus depoimentos forneceram evidências preciosas sobre a extensão das restrições à experiência lúdica na escola e suas possíveis justificativas.

Assim, a primeira fase da pesquisa cumpriu com o objetivo de ampliar a contextualização do campo e estender minha compreensão sobre como distintas formas de gestão escolar impactam diferentemente a experiência lúdica infantil na escola. Ela também permitiu reunir elementos para uma compreensão das variações na cultura escolar e refinar a construção do objeto de pesquisa, indicando os passos necessários para que o encontro com o fenômeno estudado se tornasse mais preciso.

A segunda fase durou de setembro a dezembro de 2016 e se destacou pela observação dos recreios em escolas municipais de Curitiba - Paraná e pelas conversas realizadas com crianças e profissionais dessas escolas. É da segunda fase que resulta a maior parte dos dados selecionados para análise na tese estudo. Nela, pude acessar as evidências empíricas das proibições identificadas durante os encontros com inspetores e compreender as motivações que levam os profissionais a proibir algumas brincadeiras. Ocorrências cotidianas acerca das

20 Atuo como formador realizando cursos e palestras para profissionais da educação desde 2002. E também como produtor cultural e arte-educador na Parabolé Educação e Cultura, organização que fundei em 2007 e que desenvolve projetos culturais dirigidos a crianças e educadores. Alguns destes projetos são desenvolvidos com base em pesquisa de campo, o que favorece o contato direto com as crianças. Outros, ao serem aplicados dentro das escolas, permitem um contato com as realidades pedagógicas e com as gestões escolares, o que promove um entendimento sobre variações nas culturas organizacionais das escolas.

interdições foram registradas em diário de campo. Conversas com os profissionais e crianças tornaram-se fundamentais para esclarecer as nuances dos casos observados. E a aplicação de uma atividade de produção de texto, com alunos de 5ª ano, ampliou a compreensão sobre o tema. Por fim, os dados obtidos com estes três procedimentos –– observação, conversa e produção de texto –– tornaram-se objeto de organização sistemática, de crítica e de classificação.

A definição desses procedimentos não resultou de uma elaboração planejada antecipadamente. Foi fundamental ter vivenciado as experiências de campo na primeira fase para que as etapas da fase seguinte pudessem ganhar um contorno mais delimitado. No que diz respeito à observação dos recreios e às conversas, a pesquisa exploratória realizada na primeira fase foi fundamental para a definição de um modo de atuação em campo. Por exemplo, as escolas observadas durante a primeira fase, por pertencerem a contextos socioculturais significativamente distintos, revelaram diferentes formas de gestão da experiência lúdica e serviram como um exercício para calibrar a abordagem, o modo de inquerir as crianças e profissionais e as estratégias de envolvimento com a experiência lúdica infantil.

Há significativa ligação entre as duas fases. O trabalho de campo realizado na segunda fase resultou de uma construção progressiva, que se fortaleceu justamente porque tomou como base as proposições iniciais elaboradas na primeira. Essas proposições iniciais evocaram limites conceituais e metodológicos que delimitaram o olhar e ajudaram a circunscrever o campo a ser observado.

Assim, cada uma dessas fases merece ser tratada aqui com o devido detalhamento, pois as experiências investigativas que propiciaram expõem as condições do campo, os procedimentos adotados e o modo como o objeto de pesquisa foi problematizado numa interface entre panoramas teóricos e evidências empíricas.

2.1 – Proposições iniciais e experiências exploratórias

Chamarei de fase 1 da pesquisa o período que antecedeu a entrada definitiva em campo e que foi marcado por atividades de cunho exploratório. Este período pode ser dividido em duas etapas. A primeira, consistiu nas observações de campo realizadas no âmbito do projeto AUÊ, o qual resultou na produção de uma série de minidocumentários audiovisuais sobre o brincar em comunidades escolares marcadas por pertencimentos sociais distintos. A segunda se deu no

contexto de um curso sobre gestão de conflitos no recreio escolar, que ministrei para inspetores da rede municipal de ensino de Curitiba - Paraná. Ao longo do curso, pude ouvir depoimentos significativos sobre os conflitos que circundam a experiência lúdica infantil na escola e compor, a partir disso, uma contextualização inicial do campo a ser investigado. O quadro 1 mostra a extensão dessas duas etapas que compõem a fase 1 da pesquisa.

QUADRO 1: Etapas da fase 1 da pesquisa A proibição das brincadeiras. Um estudo sobre a experiência lúdica infantil na escola.

PROJETO AUÊ PERÍODO

NOV/15 DEZ/15 ABR/16 MAI/16 JUN/16 OUT/16

1. Uma escola em bairro de periferia urbana.

Observação de campo. Conversa com crianças e profissionais. Gravação

audiovisual de entrevistas com crianças e de brincadeiras.

X X

2. Uma escola em acampamento da reforma agrária. Observação de campo. Conversa com crianças e profissionais. Gravação audiovisual de entrevistas com crianças e de brincadeiras.

X X

3. Duas escolas em comunidade pesqueira de ilha litorânea. Observação de campo.

Conversa com crianças e profissionais.

Gravação audiovisual de entrevistas com crianças e de brincadeiras.

X X

2. Uma escola em comunidade quilombola.

Observação de campo. Conversa com crianças e profissionais. Gravação

audiovisual de entrevistas com crianças e de brincadeiras.

X

4. Duas escolas em aldeias indígenas, guarani e kaingang. Observação de campo.

Conversa com crianças e profissionais.

NOV/15 DEZ/15 ABR/16 MAI/16 JUN/16 OUT/16 NOV/16

1. Dez encontros de 4 horas com grupos de 40 inspetores. Conversas com os inspetores ao longo do curso. Duas palestras para 400 inspetores atendidos no curso. Realização de enquete escrita durante a realização das palestras.

X X X

Fonte: o autor (2017).

As atividades realizadas forneceram evidências do fenômeno a ser estudado e serviram de base à definição dos procedimentos de coleta de dados da fase seguinte, que viria a acontecer em outro contexto, nos recreios de escolas municipais de Curitiba.

O curso realizado para os inspetores forneceu pistas importantes para se chegar às principais interdições que incidem sobre brincadeiras nos pátios escolares. Esses profissionais são responsáveis pelo atendimento das crianças durante os recreios e possuem um ponto de vista privilegiado sobre o que acontece nesse ambiente. Através das indicações por eles fornecidas durante os debates no curso, pude operar uma seleção de brincadeiras proibidas e acessar de modo mais direto as ocorrências de restrições recentes a brincadeiras que, antes, eram autorizadas na escola. Por outro lado, o projeto AUÊ oportunizou um contato com grupos de crianças e profissionais de escolas em diferentes contextos socioculturais. Isso ampliou a minha visão acerca das diferentes formas de regular as experiências lúdicas infantis nos contextos escolares. Pude observar brincadeiras que ainda não conhecia e verificar diferentes formas de lidar com a experiência lúdica na escola.

Tais evidências não só indicaram as protuberâncias do fenômeno da proibição das brincadeiras e as suas variações nas escolas, como também foram fundamentais para a definição do objeto da investigação. Por meio dessas duas experiências, pude compor as proposições iniciais do estudo, que me levaram a circunscrever o campo de pesquisa. Em face do processo central de observação empírica que delas decorre, as proposições iniciais podem ser consideradas operações prévias “interdependentes, associando-se e influenciando-se mutuamente” (FLORESTAN FERNANDES, p. 16, 1959). Elas aguçaram minha percepção quanto à necessidade de seleção das ocorrências, delimitaram os aspectos da realidade a serem investigados e permitiram esboçar uma entrada definitiva no campo capaz de operar seletivamente, a partir de critérios que a experiência prévia anunciara.

As proposições iniciais, ao definir problemas científicos dos projetos de pesquisa, determinam quais são os aspectos da realidade a serem observados pelo sujeito-investigador e como deverão cair sob seu campo de observação. Isso significa que certos elementos subjetivos, essenciais para a organização da experiência do sujeito-investigador, são dados de antemão e orientam suas atividades cognitivas de caráter exploratório. Todavia, esses elementos subjetivos não se refletem na determinação do conteúdo da experiência, a não ser em um sentido dinâmico mas neutro: o de colocar o sujeito-investigador em posições favoráveis à percepção, direta ou indireta, de ocorrências ou de processos que precisam ser registrados e reconstruídos (FLORESTAN FERNANDES, 1959, p. 17).

A fase 1 da pesquisa, portanto, foi marcada por duas etapas exploratórias, geradoras de proposições fundamentais que delinearam o objeto de estudo. São exemplo destas proposições iniciais:

a existência de uma quantidade significativa de brincadeiras que se repetem em realidades socioculturais distintas;

a noção de que a experiência lúdica infantil na escola é quase sempre mediada pela atuação dos profissionais;

a constatação de que há brincadeiras que são formuladas em um contexto específico e só ali se difundem em função das características locais que lhe dão sentido;

a formação de grupos no recreio escolar como uma constante dos modos de organização infantis;

as variações nos modos de gestão do recreio escolar de acordo com aspectos das culturas locais;

a dependência que as intervenções nas brincadeiras mantém em relação aos aspectos estruturais da organização escolar e também em relação aos elementos subjetivos que norteiam as interpretações dadas pelo adulto à ação infantil;

a percepção de que algumas brincadeiras atualmente proibidas eram permitidas há algum tempo atrás.

a visão de que inspetores e profissionais responsáveis pelo atendimento das crianças nos pátios escolares participam direta ou indiretamente da formulação de experiências lúdicas e provocam, com isso, não apenas restrições ao brincar, como também novas possibilidades de criação lúdica.

Tais proposições, desenvolvidas ao longo da fase 1 da pesquisa, foram cruciais para a contextualização do campo e para a problematização teórica. Elas são sugestivas e apontam para possibilidades de investigação. A exploração realizada nas duas etapas que compõem a fase 1 cumpriu, pois, com a função de sugestionar problemáticas. Cabe agora demonstrar como foram obtidos em cada etapa os elementos para as problematizações.

2.1.1 – A produção da série de minidocumentários do Projeto AUÊ

O fato de se ter em mente um problema a ser investigado não implica necessariamente numa compreensão de sua extensão. Eu tinha ciência de que o panorama por mim identificado

na pesquisa de mestrado, assim como nas vivências decorridas de minha atividade profissional como formador de educadores e produtor de projetos culturais não eram suficientes para dimensionar a abrangência das questões que envolveriam um estudo sobre a proibição de brincadeiras na escola. Os profissionais com quem eu mantinha contato e as instituições que eu mais frequentava estavam situadas predominantemente em grandes centros urbanos, incluindo a cidade de Curitiba, onde mais atuei nos últimos anos. Não havia em meu campo de referências qualquer evidência empírica de como esta problemática em torno da gestão da experiência lúdica infantil se configurava, por exemplo, no contexto das escolas do campo21, nos meios rurais, ou em escolas indígenas ou quilombolas.

Por isso, antes mesmo de definir exatamente qual seria o recorte para as observações de campo, seria preciso encontrar uma forma de viabilizar financeiramente um contato com uma gama maior de instituições que pertencessem a contextos socioculturais distintos entre si. Eu queria viver uma experiência de campo de natureza exploratória que pudesse ampliar minha visão sobre as variações nas dinâmicas sociais em diferentes culturas escolares. Foi neste contexto que surgiu o projeto AUÊ. Idealizado em conjunto com a equipe de produção da Parabolé Educação e Cultura22 e em parceria com o historiador Otávio Zucon23, o projeto AUÊ concorreu a um financiamento proposto em edital de chamada pública, do Fundo Setorial do Audiovisual, viabilizado pela Agência Nacional do Cinema – ANCINE no ano de 2015.

O edital previa a produção de uma obra seriada de documentário, composta por 27 vídeos de 2 minutos. Nos termos do edital, tratava-se da produção audiovisual de uma “série que apresenta brincadeiras de crianças brasileiras dos mais distintos caldos culturais, promovendo uma incursão ao seu imaginário”24. Diante da descrição apresentada no edital,

21 Escola do campo é um termo que se difere de escola rural, pois remete à Educação do Campo, conceito cunhado pelos movimentos sociais camponeses a partir da década de 80 e que aciona uma série de especificidades culturais e necessidades pedagógicas.

22 A Parabolé Educação e Cultura é uma empresa que desenvolve projetos culturais que são ofertados a escolas públicas – por meio de patrocínios com base em incentivo fiscal, e particulares – por meio da comercialização de serviços. Arte-educação, ludicidade e cultura popular são os eixos conceituais que norteiam as produções.

Desenvolvimento de oficinas pedagógicas, criação de espetáculos artísticos e produção musical são as principais áreas de atuação. A Parabolé possui também uma frente de projetos relacionados à produção audiovisual, como é o caso do Projeto AUÊ.

23 Otavio Zucon é professor, mestre em História Cultural pela UFSC e produtor cultural. Sua atuação como pesquisador se concentra na área do patrimônio imaterial. Atuamos juntos na pesquisa de campo empreendida no projeto AUÊ, observando os recreios escolares e outros contextos em que as crianças brincam.

24 A Chamada Pública BRDE/FSA – PRODAV - 12/2014 teve como objeto a seleção em regime de concurso público, de propostas de Produção de Conteúdos Destinados às TVs Públicas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) de projetos de obras audiovisuais seriadas de ficção, animação, documentário e não seriadas de documentário.

desenhamos então uma proposta de registro documental voltada para o ambiente escolar com ênfase na diversidade sociocultural. Definimos oito escolas localizadas em cinco diferentes contextos: comunidade quilombola, aldeia indígena, bairro de periferia urbana, comunidade insular e acampamento da reforma agrária. Nosso projeto foi vencedor e pode então ser financiado.

Atuei no Projeto AUÊ como pesquisador, produtor e codiretor, dividindo estas funções com Otávio Zucon. O projeto durou vinte meses, entre outubro de 2015 e maio de 2017. Mas o trabalho de observação de campo abrangeu basicamente nove semanas, distribuídas entre novembro de 2015 e outubro de 2016, conforme mostra o quadro 2:

QUADRO 2: Escolas envolvidas no Projeto AUÊ, da Parabolé Educação e Cultura.

Contextos Escolas Pesquisa de campo

1. Periferia urbana

Localidade: Bairro Sítio Cercado Cidade: Curitiba - PR

Escola Municipal CEI Carlos

Drummond de Andrade NOV/15 e DEZ/15 (3 semanas)

2. Acampamento da reforma agrária Localidade: Acampamento Dom Tomás Balduíno

Cidade: Quedas do Iguaçu - PR

Escola Itinerante Vagner Lopes (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST)

DEZ/15 e ABR/16 (2 semanas)

3. Comunidade pesqueira de ilha litorânea Localidade: Ilha Rasa

Escola Municipal Bairro Cangume MAI/16 (1 semana)

5. Aldeia indígena

Localidade: Terra Indígena Rio das Cobras Cidade: Nova Laranjeiras - PR.

Ao longo do trabalho de campo, pude observar as formas de gestão do recreio escolar, brincar junto às crianças, gravar25 brincadeiras e conversar com os profissionais nas oito escolas envolvidas. Em duas regiões abrangidas –– comunidade quilombola e comunidade pesqueira de ilha litorânea –– o trabalho de campo ocupou 5 diárias integrais. Em outras duas –– aldeia indígena e acampamento da reforma agrária –– foram necessárias 6 diárias integrais de observação em cada contexto. E na escola de periferia urbana as observações se estenderam por 8 diárias integrais. Todas as crianças participantes foram autorizadas por seus pais para que suas imagens gravadas em vídeo pudessem ser veiculadas. A série AUÊ foi distribuída pela EBC – Empresa Brasil de Comunicação e está em exibição em alguns canais públicos de TV, como é o caso da TV Brasil.

As referências que colhi nesses contextos escolares mostraram-me, por exemplo, que há significativas semelhanças e curiosas distinções nos modos de brincar de crianças que vivem em contextos socioculturais que diferem entre si. Foi fundamental poder identificar nestas experiências que a prática de algumas brincadeiras se perpetua por meio de processos de transmissão cultural que fazem com que crianças pertencentes a grupos sociais distintos compartilhem os mesmos elementos culturais entre si, gerando uma espécie de irmandade lúdica.

Tal irmandade se revela na surpreendente capacidade infantil de compartilhamento de saberes por meio da experiência lúdica. Através da transmissão oral e da prática corporal, uma quantidade significativa de brincadeiras, parlendas, coreografias, canções, modismos, expressões verbais e gestuais, personagens e narrativas percorrem um vasto território e são compartilhados por crianças de regiões distantes umas das outras. Se inesperadamente elas se reunissem para brincar, haveria neste encontro uma gama considerável de conteúdos lúdicos de conhecimento geral que poderiam ser imediatamente postos à prova na interação. É o que Sarmento (2004, p. 12) chama de “uma universalidade das culturas infantis que ultrapassa consideravelmente os limites da inserção cultural local de cada criança”

Interessante o caso do jogo de mãos conhecido por Pikachu, muito popular atualmente e praticado por crianças dos mais distintos contextos socioculturais. Registramos em vídeo a sua ocorrência nas cinco regiões em que o projeto AUÊ esteve. Fiquei impressionado com a

Interessante o caso do jogo de mãos conhecido por Pikachu, muito popular atualmente e praticado por crianças dos mais distintos contextos socioculturais. Registramos em vídeo a sua ocorrência nas cinco regiões em que o projeto AUÊ esteve. Fiquei impressionado com a

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