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De menina para mulher: ciência para quem?

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.2 De menina para mulher: ciência para quem?

A Ciência é Masculina? É, sim senhora! (CHASSOT, 2004). Não só a ciência, mas analisando toda produção histórica, todo o campo intelectual é não tão somente masculino (LETA, 2003), mas também machista, basta observar nos outros campos do conhecimento. Quantos nomes femininos há nas produções artísticas? Ou quantas filósofas são estudas dentro das disciplinas de filosofia, sociologia ou história? Quantas mulheres são destacadas na teologia? Ou quantas Matemáticas são enaltecidas por suas construções nas ciências exatas? (CHASSOT, 2004).

Chassot (2004) nos comprova que a resposta para todas essas perguntas converge para uma só, as mulheres foram excluídas do processo da construção científica no decorrer dos anos, exemplificando a Academia Brasileira de Ciência e a Academia Brasileira de Letras por seu pequeno número de mulheres matriculadas.

Historicamente alguns cientistas tratavam as mulheres de forma subalternas, podendo citar Aristóteles que designava a mulher como somente um ser reprodutor, tendo um ventre fecundo para receber o esperma de um homem. Ademais, quando o filho(a) nascia com alguma “imperfeição” a culpada era a mulher que o gerou (CHASSOT, 2004).

Ainda na época aristotélica, algumas mulheres exerciam papéis de interlocutoras e tutoras de seus maridos, quando estes eram filósofos ou experimentalistas. No segundo caso, suas funções variavam em dar suporte aos “estudiosos” que eram casadas como cuidar das coleções, limpar as vidrarias e ilustrar ou traduzir textos (LETA, 2003).

Nesse contexto, as mulheres não tinham voz para discutir projetos, problemas da sociedade ou assuntos pertinentes ao meio acadêmico. Porém no século seguinte foi criado o primeiro colégio para mulheres, graças ao pequeno acesso que estas tinham nas atividades científicas, mesmo assim permanecendo nas margens da profissionalização (LETA, 2003).

Já a filosofia bíblica é marcada inicialmente por possuir personagens masculinos com grande poder, assim como o próprio deus masculino. A mulher é criada da costela do homem e toda responsabilidade pela expulsão de Adão e Eva do paraíso para um mundo de trabalho é creditada à Eva (CHASSOT, 2004).

Praticante desta filosofia, os homens judeus iniciam suas orações agradecendo a deus por não terem nascidos mulheres, além de não possuir quórum nas orações e serem representadas como submissas. No judaísmo as mulheres ocupam um lugar passivo, dedicando aos trabalhos domésticos para facilitar a vida de seus homens em seus momentos

42 de louvor e estudos sagrados. Assim, o valor dado aos estudos é destinado somente aos homens (CHASSOT, 2004).

Ao encontro da filosofia cristã pode-se encontrar diversos trechos em que os discípulos de Cristo, em efésios e coríntios como exemplos, tratam as mulheres como seres submissas, afirmando que elas nasceram para servir ao seu homem e as colocando em uma posição de total aceite de todas as decisões de uma casa, onde o homem é posto como o chefe inteligente que rege seu lar. (CHASSOT, 2004).

Advindo da história que nos mostra o quanto a “intelectualidade” é masculina, no presente momento dos estudos de Chassot (2004) a quantidade de mulheres que saíram de sua posição submissa e foram produzir ciência ainda era menor que a dos homens.

Chassot (2004, p.22) ainda exemplifica Marie Curi como um exemplo clássico de quase uma das únicas cientistas

Citada nas aulas e se difundem estatísticas desatualizadas, destinadas a mostrar que as meninas são congenitamente incapazes de aprender Matemática. Quando as meninas se destacam em Matemática é porque são esforçadas, mas quando esta é a situação de meninos é porque são inteligentes.

De fato, esta afirmação é falsa, embora ainda reforçada na sociedade. No entanto, pensamentos como este podem e devem ser combatidos na escola, o primeiro lugar onde a criança deveria ter um de seus primeiros incentivos científicos e progressões para seus estudos.

Neste contexto, a escola tem o importante papel de formadora de conhecimentos, estando livre de estereótipos e preconceitos. Afinal, não só a escola, mas a ciência, como um todo, possui espaço para a diversidade de pessoas que desejam usufruir de seus benefícios. A escola é um lugar para todos e todas e incentivar pensamentos submissos é provocar a exclusão de meninas de grandes e importantes ramos que a ciência, ou o mercado de trabalho, possui na sociedade.

O fortalecimento das relações de gênero no Brasil influenciou para que as mulheres passassem a ter acesso a um mercado de trabalho mais justo, motivado pela chegada de Martha Whatts, missionária e educadora, ao Brasil com o intuito de abrir uma escola para moças. Neste contexto, em que a mulher não tinha nenhum acesso a educação e aos espaços políticos e religiosos, se encontra numa posição em que antes eram limitadas, mesmo que ainda houvesse restrições (OLIVEIRA, 2019).

43 A abertura de colégios para magistério para moças ficou conhecida como a feminização do magistério, de fato era notório que neste campo de trabalho seria constituído em sua maior parte por mulheres. Oliveira vê essa feminização como

uma possibilidade para a emancipação da mulher, traz consigo no processo de conformação, a negação do prazer e do casamento. Se antes a possibilidade de futuro estava no casamento, tendo o homem como provedor e protetor, nesta nova configuração, mulheres que adotavam a profissão de professoras, quase sempre ficavam solteiras (OLIVEIRA, 2019, p. 3).

A presença da mulher nos espaços públicos brasileiros passou a ser vista como uma grande evolução para o avanço da sociedade. Àquelas que antes eram lhe impostas espaços sub-humanos na sociedade e no mercado de trabalho, agora começam a ter chances de se qualificar para uma profissão mais digna.

Embora essa introdução ao magistério foi um marco de grande importância para as mulheres na sociedade, no que se diz respeito às áreas de ciências exatas, em 2003, Leta analisando algumas obras, como de Rossi (1965), nos mostra que a participação das mulheres na ciência e tecnologia eram minúsculas. Por exemplo “nas engenharias, elas representavam cerca de 1% do total de empregados; já nas ciências naturais a participação delas foi de aproximadamente 10%, oscilando entre 5% na física e 27% na biologia”.

A autora acredita que as influências para esta participação ser pequena está associada à cultura que a sociedade adotou, na qual a mesma impulsiona mulheres para o casamento e a maternidade, influência dos pais em suas escolhas ou, até mesmo incompatibilidade ou diferenciadas dos homens por seu cunho biológico.

No Brasil

as mulheres ganham em média 2/3 do salário pago aos homens. Os homens detêm 70% dos rendimentos do país. As mulheres ocupam em torno de 10% das cadeiras dos Legislativos. Em cerca 5.560 municípios brasileiros é em torno de 5% o número daqueles em que mulheres são as dirigentes (prefeito) da prefeitura (CHASSOT, 2004, p.25).

Mesmo com essa discrepância, ainda no Brasil, nos anos de 1980 e 1990

as mulheres brasileiras aumentaram sua participação no setor. A falta de dados sistemáticos no Brasil sobre a formação e o perfil dos recursos humanos na educação superior e na ciência, assim como a falta de dados sobre o financiamento do setor dificultam muito a contextualização dessa discussão. Mas fato é que, aos olhos, principalmente, dos mais “seniores”,

44 é evidente a mudança na universidade brasileira no que diz respeito à frequência de mulheres: diferente de algumas poucas décadas atrás, elas hoje são a maioria em boa parte dos cursos de graduação e de pós- graduação do país (LETA, 2003, p.274).

Historicamente observando, o espaço em que as mulheres eram mais recriminadas começaram a se tornar um ambiente familiar para sua profissionalização. Iniciou-se no magistério, persuadiu nos cursos de licenciaturas e, agora, vem ganhando espaço em diversos contextos.

Uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Uberlândia (UFU, 2019) em parceria com a CAPES analisou o segundo volume de uma série chamada “A Mulher no Município de Uberlândia-MG: Trabalho, Educação e Demografia” (OLIVEIRA; FERREIRA, 2019). Este estudo buscou comparar o acesso em todas as etapas da educação escolar entre homens e mulheres. O gráfico abaixo (UFU, 2019) relata sobre essa diferença.

Fonte: UFU, 2019.

Disponível em: tttp://www.comunicaufu.br/noticia/2019/07/mulheres-estudam-mais-que-homens-em- uberlandia

É fácil perceber que de 2000 a 2010 no Brasil o número de mulheres e homens com ensino fundamental incompleto no município reduziu. Em contrapartida, as pessoas que

45 concluíram o ensino fundamental, ainda tendo o ensino médio incompleto aumentou. Já neste período, a quantidade de mulheres inseridas na universidade com seu ensino incompleto sempre se manteve acima dos índices masculinos e, os dados sobre o ensino superior completo também se conservaram acima.

Já no município de Uberlândia o número de homens e mulheres que possuíam o ensino fundamental incompleto reduziu consideravelmente. No início dos anos 2000 havia mais mulheres com o ensino médio incompleto, porém já em 2010 há um número superior entre homens. Quando adentramos ao ensino superior incompleto, percebemos que o número de mulheres reduziu e no ensino superior completo esses dados vêm aumentando.

Em se tratando de emprego, um estudo atual do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR, 2019) feito com dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que menos de 14% das mulheres tinham emprego em meados da época de Rossi, como analisado por Leta (2003), já no momento da pesquisa realizada este dado chega a 49,9%.

Ainda segundo a UNICESUMAR, a quantidade de mulheres empregadas é menor quando comparada aos homens. Na década de 50 a participação masculina era de 80,8%, já em 2010 era de 67,1%. Leta (2003) também nos reforça que a participação das mulheres em instituições de ensino vem aumentando de forma significativa.

De fato, a redução destes números já é um grande avanço, mesmo tendo diferenciação nos salários. O caminho para que estes dados estejam em patamares de igualdade foram incentivados por diversos fatores, desde as reivindicações sociais, até ao incentivo que a educação pode proporcionar ao seu corpo docente e discente.

A análise destes números nos fomenta sobre a importância de trabalhar a inclusão dentro da escola. A redução da desigualdade, seja qual for, é uma função da sociedade e a escola pode cooperar com grandes contribuições. O conhecimento possui a força de erradicar a ignorância e ensinar aos jovens que homens e mulheres possuem os mesmos direitos de equidade na ciência.

De fato, é perceptível que na sociedade contemporânea ainda se há muitas conquistas para se reivindicar, vivemos em um momento em que a luta por direitos não se deve cessar. Na atualidade, mulheres ganham cada vez mais espaço no contexto social, mas se deve olhar as barreiras que ainda são impostas pelo mercado de trabalho ou até mesmo pela sociedade.

Em análise, se faz presente o entendimento que a ciência moderna ainda precisa evoluir muito para explicitar as explicações históricas decorrentes na sociedade. A

46 construção histórica das mulheres na sociedade se faz necessária para recuperar e desestruturar os anos de atrocidades que passaram pela história, promovendo assim um diálogo no âmbito educacional e a conscientização que os espaços podem ser pintados de mulheres, negros, LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros, Transexuais, Travestis, Simpatizantes...), índios, ambientalistas, dentre os diversos outros movimentos sociais que existem pelo mundo afora.