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  Figura 22: Performances de gênero

Fonte: Denilson Albano

Dentro das relações de gênero e dentro da matriz heterossexual, os pequenos homens são orientados a atingirem uma meta que tem na afirmação da masculinidade seu ponto alvo. E não se trata apenas de uma interação visual entre homens e mulheres, “A masculinidade é uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero.” (CONNELL, 1995, p.188).

Em relação à socialização de Anderson Lauro, o pai o induz ao esporte e enfatiza performances que o garoto deve adotar socialmente (figura 22). Na verdade ele quer iniciá-lo no mundo dos homens. Talvez o sistema que mais se encaixe e que melhor estabeleça uma relação de simbiose com a dita masculinidade orientada para a norma heterossexual seja o futebol. Essa relação não é engessada, nem fixa. Também não corresponde a uma regra geral, o futebol aqui situa-se como a “casa-dos-homens”23, regra geral, 21 FOUCAULT, 1988, p.81.

22 Termo desenvolvido no artigo de Florence Dee Boodakian, “o olhar cultural é mais do que uma simples lente, pois ele possui esse aspecto de auto-censura/ observação”. Ver em: GARCIA, 2006, p. 143.

e não é algo institucionalizado principalmente não por se referir a uma masculinidade, mas sim a várias (CONNEL, 1995), as quais funcionam simultaneamente porque estão em dinâmica.

O futebol, dentro do Brasil, pode ser percebido como um “marcador social” importante na construção da identidade (BANDEIRA, 2008, p.2). É uma forma de expressividade que aglutina uma quantidade considerável da população. Bandeira (2008), diz que esses efeitos são potencializados quando se associa o futebol ao sujeito masculino nacional.

o futebol cumpre a mesma função significante do vestuário, especialmente para os brasileiros do gênero masculino. (...) Em um país que a rua é um espaço privilegiado na socialização dos meninos e que o futebol é uma das brincadeiras preferidas, desdenhá-lo equivale a andar nu. (DAMO, 2002, apud BANDEIRA, 2008, p.2)

Os lugares de prática do futebol bem como cafés, pátios podem ser entendidos como espaços nos quais os meninos vão se educar; são espaços que constituem a “casa dos homens” de que Welzer-Lang (2001, p. 464) fala. Dentro dessa socialização masculina (da qual o futebol faz parte) existe uma conduta por meio da qual é preciso não ser associado a uma mulher e o feminino torna-se “um pólo de rejeição central” (WELZER-LANG, 2001, p.465).

Existe um percurso dentro desses espaços. Fonseca (1998) fala em três etapas principais: a separação da feminilidade, a reclusão no espaço masculino e o renascimento para a sociedade como “homem pleno”. Os garotos descobrem e passam a valorizar a força física, um dos primeiros traços de representação masculina (NOLASCO, 2003). Welzer-Lang (2001), diz que é preciso aprender a estar com os homens. Anderson Lauro tem uma relação muito estreita com a mãe, existe uma afetividade cúmplice entre os dois e o pai é a figura que quer interromper esse movimento, promover a saída de Anderson Lauro do “mundo das mulheres” e agrupá-lo com outros meninos (figura 23).

        Figura 23: Socialização do garoto

Fonte: Denilson Albano  

Na “casa dos homens”, os garotos passam por uma fase de “homossociabilidade”: “competições de pintos, maratonas de punhetas (masturbação), brincar de quem mija mais longe, excitações sexuais coletivas a partir de pornografia olhada em grupo” (WELZER-LANG, 2001, p.462). É nesse momento em que os mais novos vão aprender com os mais velhos os jogos do erotismo e aqueles que já foram socializados vão mostrar para os outros como se deve alcançar a virilidade (WELZER-LANG, 2001, p.462). Os garotos desenvolvem então uma “sensibilidade peniana”, e passam a sentir as coisas desde que estas estejam diretamente ligadas a seu pênis (NOLASCO, 1993). Em relação à sensibilidade das mulheres, eles vão compreendê-la como “algo caótico, difuso e instável, que, portanto não merece crédito”. (NOLASCO, 1993, p.42).

Assim “as desigualdades vividas pelas mulheres são efeitos das vantagens dadas aos homens” (WELZER-LANG, 2001, p. 461). Dentro das categorias de gênero, existe então uma dominação masculina que se exerce tanto de forma coletiva quanto de forma individual. E essa relação entre individual e coletivo funciona dentro de uma dinâmica, ao homem são dotados poderes, suas qualidades colocam-no acima da sociedade, ele torna-se uma pessoa a se atingir em ideal (figura 24).

Figura 24: Diferenças de gênero Fonte: Denilson Albano

Para ser um homem é preciso aprender a sofrer e a aceitar a lei ditada pelos maiores (WELZER-LANG, 2001). Assim como a “projeção de confronto” que permeia os jogos de futebol (BANDEIRA, 2008), os meninos iniciam processos de demarcação de território por meio de agressões psicológicas e/ou físicas (WELZER-LANG, 2001).

O pequeno homem deve aprender a aceitar o sofrimento – sem dizer uma palavra e sem “amaldiçoar” – para integrar o círculo restrito dos homens. Nesses grupos monossexuados se incorporam gestos, movimentos, reações masculinas, todo o capital de atitudes que contribuirão para se tornar um homem. (WELZER- LANG, 2001, p.463)

A “casa dos homens” é um local de transmissão de valores. É nesse momento em que os pequenos vão criar noções de hierarquia e de solidariedade. A violência dentro desses espaços é a forma de tornar claro o agredido e o agressor e a solidariedade aparece para “evitar a dor de ser uma vítima” (WELZER-LANG, 2001).

Anderson Lauro não adere a esses ritos de passagem ou pelo menos se reapropria dos “operadores hierárquicos”24 (figura 25) os quais norteiam o mimetismo masculino e geram o prazer de serem “como os outros homens”segundo Welzer-Lang (2001).  

 

Figura 25: Reapropriações  Fonte: Denilson Albano

Em geral o processo de socialização masculina se faz sob a ausência paterna, o símbolo do modelo “machista”, segundo Nolasco (1993, p.35). Com Anderson Lauro o contato diário e distante do pai também acontece. Entretanto o pai tende a se aproximar mais do que gostaria. É verbalmente seco, seu rosto nunca aparece por completo assim como o dos outros adultos. Quase sempre por trás de um jornal, ou com o dedo em riste, sempre em uma aproximação intimista, mas motivada por agressividade e intimidação. É uma "figura-efígie", sua presença-ausência busca persuadir Anderson Lauro à adesão aos códigos ditos e não ditos a respeito da masculinidade hegemônica25 (figura 26).

Figura 26: A presença paterna

Fonte: Denilson Albano

A dinâmica que é iniciada pelos meninos simula o que farão quando homens: múltiplas masculinidades sempre em movimento em busca por hegemonia (CONNELL, 1995, p.192). E porque essa “posição dominante na ordem do gênero propicia vantagens materiais bem como vantagens psicológicas” (CONNEL, 1995, p.192), a “masculinidade hegemônica” não está para uma posição fixa. Ela pode ser contestada e se transformar com o tempo, segundo Connell (1995, p.193). Sustentar a posição de super-homem requer um preço, e os homens uma vez conscientes da opressão e do sofrimento psíquico em sustentar essa posição repensam suas atitudes (NOLASCO, 1993, p.39).

25 Connell diz que masculinidades são por excelência frutos de construção e de reconstrução. Hoje ele entende que um padrão frequente é a chamada “masculinidade tradicional” o qual possui vínculo com a “família tradicional”, segundo ele, um desdobramento do mundo moderno. Ver em: CONNELL, 1995, p. 191.

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