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Das relações entre o viajante e o nativo

No primeiro capítulo, foi observado que uma viagem não se define apenas como um deslocamento no espaço. Ela é também empreitada no tempo. Assim, a viagem acarreta uma transformação graças ao acúmulo de experiências por parte do viajante. Odisseu, o mais ilustre viajante da literatura ocidental, mostra que seu retorno a Ítaca é crivado por medos, perigos e angústias, adquiridos nos encontros com outras culturas. No trajeto da ilha de Calipso para os braços de Penélope, a aventura encadeia-se pelo contato com culturas. Assim, o viajante atua no desconhecido. Ele não apenas atravessa territórios distantes, mas, neles, convive, sobrevive, transforma-se. Os lugares mais longínquos fazem vibrar o lado humano do herói grego. Neles, desnuda-se a fragilidade do viajante, que necessita ser guiado pelo nativo. O desconhecido causa no herói dúvidas, conflitos e tensões que o fazem clamar por ajuda. Em contrapartida, um herói demonstra destreza e sapiência no trato com pessoas e mundos diferentes. Sua palavra o liberta e faz mover seu destino. Desse modo, Odisseu nunca está sozinho: torna-se narrador e ouvinte. Sua sobrevivência é permeada pela capacidade de interagir. Também por isso ele grassa fama; seus feitos memoráveis escapam do Letes e viram histórias dignas de ser entoadas pelos aedos.

A viagem em Odisséia, ou na maioria dos épicos, caracteriza-se, então, pelos desafios postos ao estrangeiro. Durante o deslocamento espaço-temporal, transcorrem provas em que o herói, muitas vezes encarnando uma identidade coletiva, deverá demonstrar suas virtudes. Nesse sentido, ela antecipa para o homem seus próprios dilemas: medo, desejo, sapiência, poder, enfim, tensões existenciais responsáveis também por chamar o ser humano para a ação, superando seus problemas e sobrevivendo aos perigos.

Mutatis mutantis, muito do que pulsa no périplo do herói em um poema épico encontra-se

também na literatura de viajantes. Não se pode negar que o viajante coloca muito de si no relato e, às vezes, há rompantes, situações de alegria e de tristeza, de contemplação, e momentos de profunda intimidade. Quando não, suas crenças animam as paisagens.

Um relato, mesmo quando nele aflora uma intenção etnográfica vazada pelo rigor metodológico e científico, não se estrutura por uma unilateralidade, não traz apenas a contemplação de um olhar do cientista sobre seu “objeto”, diga-se o sujeito investigado. Desenrola-se, tanto num caso como noutro, uma interação, um contato de culturas distintas, que acabam gerando olhares diferentes do (e sobre o) estrangeiro. A problematização de um relato de viagem deriva desta dupla perspectiva, do olhar do nativo sobre o viajante e a dele sobre o nativo, através das quais se abrem as lacunas discursivas na escritura. Por este viés, a escritura da viagem não é tão-somente uma organização de dados acerca de uma cultura, abordagem racional ou elaboração acadêmica, mas provém de um embate entre vozes.

Três questões podem ser examinadas nesse processo interativo. Uma diz respeito à interferência do viajante nas culturas visitadas, por meio da qual pode acontecer, por exemplo, uma guinada tecnológica em algumas tribos. A prática do escambo com instrumentos antes desconhecidos por civilizações xinguanas (como facas, enxadas e outros artefatos cujo fabrico os aborígines desconheciam, é um desses exemplos);28 ainda nesse aspecto, o viajante pode se tornar elemento de uma tradição oral tribal, figurando em narrativas míticas reveladoras desse contato. A título de exemplo, Anthony Seeger lembra que a visita de Karl von den Steinen, em 1884, encontra-se na tradição oral dos Suiá, sendo atualizada por poucos índios. Ainda dele, extrai-se o depoimento de uma nota de rodapé, no qual o olhar do nativo sobre o viajante é enfático:

Talvez minha própria visita, quando minha mulher e eu éramos convidados a cantar noite após noite, tenha seus paralelos no mito sobrevivente de índios inimigos, que viviam debaixo da terra. Ele é trazido à aldeia, e ensina suas canções às crianças e mais tarde aos adultos – canções que acompanham os ritos de passagem centrais à sociedade suiá por muitas décadas. Não há razão para que grupos nativos não tenham, em suas mitologias, um lugar que lhes permita compreender e usar antropólogos e exploradores, índios inimigos e agências do governo, tais como a FUNAI. (Seeger In: Coelho, 1993, p. 442)

Uma interferência se valida em razão do uso que o nativo pode ter da contribuição dada pelo viajante, seja ela material ou, como no trecho de Seeger, simbólica.

A segunda questão explora melhor o uso desse poder simbólico pelo viajante, quando ele sobrepõe na paisagem, seja oral ou pictórica, seu imaginário europeu. É o caso,

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Karl von den Steinen, em conferência realizada na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, em 1888, gaba-se de sua expedição ter distribuído 1400 facas e facões entre os Bacairi, acabando com a “idade da pedra no Xingu”. Tal fato afetou diretamente as relações intertribais. (Thieme, In: Coelho, 1993, p. 67).

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entre inúmeros exemplos que poderiam ser requisitados, de mitos recorrentes na Europa medieval que passam a ser atualizados por viajantes do novo mundo. A lista de fenômenos e seres tipicamente europeus descritos como coisas da América é imensa, graças às várias visões do paraíso que os estrangeiros foram construindo neste continente.29 Grosso modo, o viajante renascentista torna o novo mundo um espaço para atualização do imaginário bíblico e medieval. Ele não somente retrata o local e o pitoresco, como deixa extravasar suas próprias fantasias e sonhos, observáveis em inúmeros relatos. Ou, como assevera Buarque de Holanda

A geografia fantástica do Brasil, como do restante da América, tem como fundamento, em grande parte, as narrativas que os conquistadores ouviram ou quiseram ouvir dos indígenas, e achou-se além disso contaminada, desde cedo, por determinados motivos que, sem grande exagero, se podem considerar arquetípicos. E foi constantemente por intermédio de tais motivos que se interpretaram e, muitas vezes, “traduziram” os discursos dos naturais da terra. (2000, p. 83)

Sendo que a percepção do novo se desenvolve com base num imaginário já moldado e em constante transformação, as narrações se apresentam com certa confusão para o leitor deste gênero, porque as fronteiras do ouvir e do contar ficam esmaecidas no relato. No processo de escritura, os viajantes podem crivar a paisagem oral de alteridade - no sentido de identificar o outro no eu. As conclusões a que chegam são suas, mas os fatos e acontecimentos contados pertencem primeiramente aos nativos. Casos dessa envergadura podem ser identificados, por exemplo, em cartas de José de Anchieta e outros jesuítas (cuja interpretação mítica dos relatos aborígines é feita à luz da Bíblia), ou nos relatos sobre o mito das Amazonas, das fontes da juventude ou das cidades de ouro, entre outros. Os fenômenos americanos que se apresentam ao viajante europeu tendem a vir sob forma de interrogações, diante das quais o espírito vai ruminar respostas, ou se constitui em receptáculo onde se depositam desejos de encontrar terras cheias de tesouros. O conteúdo dos relatos quinhentistas demonstra um olhar não tão distanciado, tomando-se como baliza o discurso cientificista do século XIX, pois neles se opera um jogo de crenças no qual se (re)criam, se complementam, se opõem ou se transformam mitos europeus e indígenas. Por isso, neles também se encontram as bases para a fermentação de uma cultura sincrética na América, desencadeada com o processo de conquista e ocupação européia.

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A este respeito é imprescindível considerar o estudo de Sérgio Buarque de Holanda (2000), Visões do Paraíso, sobre os viajantes e colonizadores no século XVI.

Os viajantes marcam a cultura oral dos aborígines, tanto por meio de suas interpretações ao modo europeu e dos decalques, como pelo registro escrito. No tocante ao que se denomina hoje Pantanal brasileiro, os primeiros viajantes a pisarem neste território foram os espanhóis. Cabeza de Vaca, Ulrico Schmidl e Dias Guzmán, no século XVI e na sua virada, apresentam um rico material para o estudo do imaginário europeu no “novo mundo”. Sobretudo, é recorrente nesses viajantes trechos sobre um lendário lugar de nome Xarayes, onde o ouro, como acreditavam, abundava.30 Mais tarde, com a chegada dos portugueses no século XVIII, Xarayes viria a se tornar Pantanal. Os relatos de sertanistas e monçoeiros que evidenciam o processo de colonização portuguesa no Pantanal apresentam muito menos uma preocupação etnológica e, por conseguinte, em relação às representações míticas, do que informações geográficas para o acesso à região. No entanto, ao tomar o século XVIII como ponto de partida, não se exime de vez a alteridade, enfatizada no contato do europeu com o novo mundo. O imaginário do conquistador se repete em vários momentos da história.31 As lendas sobre os Martírios, as montanhas onde o ouro fora apanhado à flor da terra pelas mãos de Bartolomeu Dias Bueno, é um caso típico. Ainda na primeira metade do século XIX, encontram-se relatos que tocam esta questão, como

Memória sobre usos, costumes e linguagem dos Apiácas: “Para conveniência dos povos, e

benefício público do Império do Brasil, devem-se buscar estas minas [dos Martírios] com ardor...” (Guimarães, 1844, p. 317). Esse trecho faz pensar que o olhar do viajante mira na paisagem seus próprios sonhos. Porém, a questão é muito mais complexa que isso, pois, no século XIX, não se tem como norte apenas o motivo do encontro, mas o da fixação e, portanto, relatos como o dos Martírios encontram-se numa oralidade alicerçada sobre diferentes representações culturais. As relações de poder simbólico na interpretação do outro ficam relativizadas.

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“Xarayes”, a designação espanhola para a região que hoje se conhece por Pantanal, bem como os mitos e lendas em torno dela foram estudados por Maria de Fátima Costa (1999) e por Sérgio Buarque de Holanda (2000). Segundo Costa, o imaginário em torno de Xarayes é povoado de histórias sobre muito ouro e prata, o que se finda com a chegada das Monções. “Nos seus caminhos os monçoeiros determinam uma nova geografia. Neste particular, anunciam, em suas viagens e descrições, o fim do maravilhoso espaço de Xarayes. Com elas se rompe a tradição fantástica. No lugar de Xarayes inscrevem, então, Pantanais” (1999, p. 180).

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O sargento-mor Ricardo Franco de Almeida Serra, num relatório de 1798, assinala que “A conseqüência de navegar pelo rio Tapajós para os atuais estabelecimentos da Capitania de Mato Grosso pode concorrer para seu argumento por novas descobertas que se fariam nos dilatados sertões deste rio, até entestarem os campos dos parecis, e conhecer neles os muitos efeitos que fazem a primitiva riqueza do país do Amazonas” (Serra, 1844, p.162). Estaria aí presente o imaginário europeu das terras cobertas de ouro? Ao que tudo indica, sim.

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Já a terceira questão, que se deseja examinar mais de perto, trata do embate discursivo entre o narrador e o ouvinte, no momento em que o nativo começa a atualizar um mito. Logo, não se objetiva discutir os usos das crenças e de seu simbolismo na dominação ou transformação de uma cultura, mas examinar o feixe discursivo, apontando como se processa a performance do narrador, indicativa da paisagem oral. O ponto a ser investigado é formado pelas histórias contadas nos pousos e paradas e por relações estabelecidas entre viajantes e camaradas, os guias da comitiva.

Entende-se que o viajante está sempre interagindo, como Odisseu, pois disso depende sua sobrevivência em territórios desconhecidos. As relações estabelecidas com o narrador vão indicar um comportamento de ouvinte ativo, isto é, aquele que não apenas escuta, mas também questiona, julga e interage com o narrador. Sem perder de vista a proposta de recortar e de estudar paisagens orais, remeto-me às circunstâncias nas quais vão transcorrer os diálogos entre o viajante e o camarada, bem como de que modo o primeiro, ao tornar-se um ouvinte ativo, atende ou rompe com as expectativas do narrador. A poesia oral, nesse sentido, fica dependente da interação, do contato entre pessoas que a moldam a determinadas circunstâncias. O viajante, ao interagir com o narrador, preenche os vazios textuais com sentidos próprios e colabora para tornar o texto inacabado, isto é, fruto apenas de uma performance.

Camarada, pouso e parada: poesia e interação na viagem Sem querer torná-la uma regra e uma condição para abordar qualquer relato, valho- me mais uma vez da diferença, já assinalada, entre as descrições de paisagens orais do viajante quando em trânsito e dos lugares onde as capta pela permanência mais ou menos duradoura, como procede Moutinho em Notícia e Itinerário. A transitividade é um traço marcante das literaturas de viajantes. No caso da “paisagem imagética”,32 Maretti observa, sobre a Campanha de Mato Grosso, que: “As visões fugidias e entrecortadas apresentadas por Taunay neste livro vão, desse modo, se acumulando numa sucessividade permanente, inserindo no espaço o trabalho da duração e do movimento, apreensível pela multiplicidade e pela rapidez das mudanças de enquadramento” (1996, p.185). É o olhar em trânsito que

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Emprego propositalmente esta redundância para diferenciar as descrições da natureza (paisagem como retrato do espaço) das da cultura oral (paisagem oral) que o viajante também registra.

engendra o enunciado e permite visualizar no texto do viajante o acúmulo de inserções e de diferenciações espaciais e temporais. A sucessão de imagens é, segundo Maretti, responsável ainda pelo dinamismo narrativo, por provocar um efeito plástico ou por demonstrar um “atordoamento do narrador diante da paisagem com a qual se defronta” (idem).

No caso da paisagem oral, quando se leva em conta a situação de trânsito, os dados sobre o narrador são recheados com mais pormenores. Deve-se a isso acrescentar o fato de que o viajante convive na sua travessia com um guia, geralmente um detentor da cultura local. Aparecem nos relatos duas personagens em trânsito, com traços pouco comuns: o camarada e o hospedeiro. O camarada é quem acompanha o viajante, e por isso apresenta uma relação mais intensa, permeada pela desconfiança ou pela gratidão; ele também é de enorme valia para os viajantes na identificação de marcos geográficos, animais e plantas, e às vezes o ajuda na comunicação com outras etnias. Os camaradas geralmente são mestiços de descendência indígena, ou mesmo, índios, conforme observam Saint-Hilaire (guiado pelo botocudo Firmino), Boggiani (com o chamacoco Felipe e o cadiuéu Sabino) e o próprio Karl von den Steinen (com o bacairi Antônio), o que facilitava a localização de certos territórios e informava sobre tribos inimigas, antropófagas ou hospedeiras.33

Para Taunay, o camarada é uma garantia de sossego e comodidade durante a viagem. Na homenagem que presta a Floriano dos Santos, camarada que o acompanhou por mais de três anos, o visconde ressalta as inúmeras funções e outras habilidades que um bom camarada pode prestar. Nas suas palavras:

É ele quem marca com antecedência o pouso e o prepara, desbastando-o logo das ervas mais altas e incômodas; quem levanta a barraca ou arma o toldo e suspende a rede; quem acende o lume; vai ao córrego buscar água; trata da comida; cuida dos animais; pensa-lhes as feridas; ata-lhes as cangalhas; arreia os cargueiros, os tange por diante, os socorre nos atoleiros; quem nos tremedais derruba a carga; torna a levantá-la, e tudo isso que representa interessante atividade nos inesperados episódios de um dia inteiro,

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A denominação “camarada”, como índio ou mestiço, aparece nos relatos a partir do século XIX. Há que se levar em conta também o trabalho do escravo negro nessas viagens, que é mais evidenciado nos relatos de viagem dos sertanistas e monçoeiros do século XVIII (Camello, 1843 e 1976; Araújo, 1976, Valmaseda, 1976, Rebello, 1976, e outros), o qual desempenha algumas funções que viriam a ser as do camarada. Todavia, o negro via nestas viagens uma grande chance de fuga e de liberdade, o que punha em risco a expedição. A título de exemplo, no relato do capitão João Antônio Cabral Camello, de 1727, isso fica bem claro: “[...] as cargas vão à cabeça dos negros, e se gastam nesta passagem quinze ou vinte dias; é porém precisa toda a vigilância nela, porque os Caiapós não perdem toda a boa ocasião que se lhe oferece como com efeito experimentam uns de S. Paulo, que foram na mesma tropa, por nomes Luiz Rodrigues Vilares, e Gregório de Castro, que no meio da fileira dos negros que lhe conduziam as cargas, e seriam sessenta ou mais, lhes ataram três ou quatro, retirando-se tão velozmente, que quando os mais levaram as espingardas à cara, já os não viram” (1843, p. 491).

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de sol a sol, sem a menor demonstração de impaciência, sem o mais leve vislumbre de aborrecimento ou de fadiga. (Taunay, 1930, p.30)

A descrição plana feita por Taunay, na qual o personagem camarada age sem a “menor demonstração de impaciência”, “vislumbre” ou “aborrecimento” não esconde a prática servil pela qual ele se relaciona com seu “patrão”, diga-se, o viajante. Nesse sentido, o camarada torna-se facilitador do trânsito e, indiretamente, responsável pelas cenas de viagem ao optar pelos caminhos e lugares para pouso durante a condução do viajante sertão adentro. Ainda, pode-se afirmar que o conhecimento prático e as simpatias do camarada auxiliavam o viajante a lidar com vários incômodos das matas. Florence (1948, p. 112) relata que aprendeu a se livrar da dor causada pela ferroada de arraia, queimando pólvora sobre o “ponto ofendido”, receita ensinada por seus camaradas. Karl von den Steinen (1939, n.58, p.107) afirma que a simpatia do camarada Januário da Costa curou a dor de dente de Peter Vogel, físico e geógrafo da expedição, ao traçar com a faca na areia uma circunferência com um homem dentro, ao passo que esfaqueava o coração do homem desenhado e entoando rezas. Além de ser guia, uma de suas principais funções era a da obtenção de alimentos. Sendo ele um bom coletor de frutos, mel e palmitos das matas, caçador e/ou pescador, a viagem ficava menos dispendiosa, o que também afastava o risco da fome, durante os vários meses em que o viajante atravessava o país.

A paisagem oral, decorrente do diálogo com o camarada, passa-se nas “paradas”. Esta denominação é incerta, mas a emprego, ad hoc, para designar os acampamentos levantados às margens das estradas e dos rios, ou em retiros de acomodação precária. A intenção, então, é diferenciá-las dos pousos, onde o viajante recebe abrigo, geralmente sob o mesmo teto do proprietário. A figura do hospedeiro está associada, nesse caso, ao pouso, sendo, na maioria das vezes, descrita como uma pessoa acolhedora, que conta histórias e também troca notícias e outras informações com os viajantes e tropeiros.

Além da experiência de Moutinho, os pousos são bastante descritos nas viagens de Alfredo Taunay pelo Pantanal. Cito, a título de exemplo, apontamentos sobre o pouso de 20 de dezembro de 1865, na região de Aquidauna, hoje Mato Grosso do Sul, em que transcorreram conversas entre Taunay e o capitão de aldeia, o terena José Pedro:

À noite passou-se em narrar a José Pedro os acontecimentos que haviam precedido a guerra com o Paraguai, os sucessos do sul e os nossos triunfos, que muito o entusiasmaram.

Falou-me ele, com verdadeiro sentimento respeitoso, do Imperador, de suas altas atribuições e mostrou-se conhecedor reconhecido da benevolência que o monarca brasileiro nutre pelos índios de seu Império.

Narrou-nos com cores vivas e expressivas a invasão, suas fases; elogiou o comportamento de vários indivíduos de sua tribo, nunca falou de si, e, mostrando sempre os princípios de boa educação esboçada deu-nos provas de inteligência clara e capaz de desenvolvimento. (1923, p. 82)

Pouso de uma Tropa: Joahan Moritz Rugendas

O discurso indireto, sob o qual o relato se constitui, elide várias circunstâncias que enriqueceriam a abordagem da voz de João Pedro. Entretanto, o trecho elucida bastante o cotidiano dos pousos. À parte os posicionamentos ideológicos, decorrentes do contexto da Guerra com o Paraguai, o que se evidencia entre Taunay e o capitão João Pedro é uma troca de informações. A relação entre viajante e hospedeiro ocorre por um dia apenas, tempo suficiente para trocarem notícias e falarem dos aspectos da região. Nesse ínterim, pode, ou não, manifestar-se a poesia oral. 34

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Ainda sobre as conversas entabuladas nos pousos, chamaram-me muito a atenção as descrições de Hermano Ribeiro Silva (1954), rumo aos garimpos do Rio das Garças, em Mato Grosso. Nele, a relação entre