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10 de setembro é o dia mundial de prevenção do Suicídio

No documento IJF: histórias despercebidas de um hospital (páginas 139-143)

Rotina do Ceatox

Todos os dias, uma equipe de estagiários de medicina e farmácia do Ceatox percorre os leitos dos pacientes internados no Centro em busca de queixas. É um acompanhamento, uma rotina proissional, um ciclo. Ah, mas por que esse paciente não está com carvão ativado? são problemas inerentes de ordem administrativa, alineta Joaquim.

Se o paciente chega ao IJF e um farmacêutico do Ceatox indica uso do carvão ativado, a orientação pode ser refutada. Se o médico responsável pelo atendimento descartar o carvão, argumentando ser dele a conduta proissional – o que assegura a tomada de decisões in- dependente – o fato se conigura negligência, na opinião de Joaquim. Além dessa situação, outro caso que incomoda os proissionais do Ceatox é quando um farmacêutico indica o uso de determinada am- pola de medicação ao paciente, e o remédio está em falta no hospital.

No caso do chumbinho, nós fazemos uma ampola de medicação, que é chamada atropina, que custa R$ 1. Custa R$ 1! E vamos supor que o hospital não tenha aquela ampola. Não faz. Aí o paciente morre. Quem tem juízo se sente até culpado por aquilo. Culpado entre aspas. Porque, às vezes, a culpa é muito mais, assim, do sistema. Porque aqui você trabalha, faz a sua parte, outro faz aquela parte. Num trabalho sequencial, em conjunto, mas sequencial. Mas você há de convir que num hospital deste tamanho, às vezes, para uma enfermeira cuidar de 50, 100 pacientes, é humanamente impossível. Por vezes, você ica imaginando: ‘Será que esse paciente não sairia se a gente tivesse dado um suporte de UTI?’

Grande parte dos pacientes hoje entra no Ceatox do IJF com into- xicação por chumbinho. O tempo decorrido do envenenamento até a aplicação do carvão ativado ou mesmo da lavagem gástrica é crucial para a recuperação, bem como a qualidade, dos primeiros atendimentos.

Por que foi tirado o carvão? Ele está fazendo direitinho?, perguntam os proissionais durante as visitas, examinando as informações dos prontuários e agindo com o intuito de desafogar leitos.

O grupo do Ceatox interage com os médicos plantonistas, e todos são liderados pelo mesmo chefe. O Centro funciona como um apên- dice da emergência.

Na prática, essa relação signiica que a lei de um vale para o outro. Por exemplo: um paciente intoxicado por chumbinho chega ao IJF. Se ele tem entre 15 e 18 anos, o empenho dos funcionários do Ceatox em torno de garantir uma vaga na UTI é, sem comparações, superior ao que seria caso a idade do paciente fosse superior a 50 anos. A regra é clara:

Ah, muita gente não concorda, mas depende muito da idade. Se o paciente já é mais velho, pode ter certeza de que ele é mais suscetível a icar aqui. Mas quando chega um paciente jovem, nos seus 15, 16, 17, 18 anos, que toma chumbinho, esse paciente ou essa paciente nós nos esmeramos muito mais para que ele chegue na UTI. Nós buscamos a UTI para esse paciente (o jovem) a todo custo. Mesmo que nós te- nhamos que tirar algum paciente menos grave e colocar esse paciente, detalha o farmacêutico.

Se em hospitais particulares, a UTI é regalia de poucos – não só pelo preço, quanto pelo espaço por vezes limitado -, a do IJF é luxo. Por ser apertada, requer seleção criteriosa dos ocupantes dos leitos. Com aparato adequado e de ponta, além de equipe treinada, a UTI é onde ocorre o que Joaquim chama de seleção dos doentes, com direi- to a esse ica ou esse sai a qualquer hora.

Em hospital público, leito é tão caro que, entre os proissionais de saúde, há o controle do tempo médio aceitável do paciente por leito. Assim, se um doente normalmente for curado em dois dias e o médico passar a curá-lo em oito, os cálculos apontam perda de seis leitos/dia.

dos leitos. Não há um número de leitos ixos para intoxicados à dis- posição. É a equipe médica que avalia para qual setor o paciente será encaminhado.

Aborto forçado e a incerteza do coma

As suposições acerca das prováveis razões para a tentativa de sui- cídio, por chumbinho, de Vanessa, são muitas. Ela certamente icou ragilizada, mas nem tanto por pressão por pai. Às vezes aqui, eu acho, é mais por pressão digamos assim a desilusão amorosa. Às vezes, o parceiro chega e diz: “Ah, já que você icou grávida, tchau!”, palpita Joaquim, após apanhar uma icha de registro, que descansa em meio à pilha de papéis, de determinado paciente.

O caso é grave. Ela ingeriu um frasco inteiro de chumbinho. Pelas informações e descrições do farmacêutico, Vanessa, 20 anos, deu en- trada no dia 7 de agosto de 2012 por transferência de outro hospital - onde, segundo Joaquim, o carvão ativado foi negligenciado.

Quando (o paciente) chega aqui, a gente seda. Porque o organismo em stand by trabalha melhor para expurgar o veneno, detalha com co- nhecimento de causa. O tratamento inicial com lavagem gástrica foi feito. A entrada na UTI, entretanto, era inevitável. O peril da pacien- te atingia o maior dos requisitos: jovem. Se fosse um paciente velho como eu, tinha icado aqui e já estava era no céu, brinca o farmacêutico. Um mês após a entrada no IJF, Vanessa continua internada na UTI com quadro de coma induzido. Sem o anestésico e o estado do coma, a morte era destino certo. Grávida de poucos meses – não se soube precisar quantos -, a paciente abortou o bebê após o envenenamento. Infelizmente, ela perdeu muito tempo. Por desinformação. Acontece tanto por causa do paciente, da família do paciente e da equipe de saúde.

Entre comentários de suposição e de lamento a respeito da si- tuação da moça, Joaquim silencia e arrisca, num sussurro: Tenho a

No documento IJF: histórias despercebidas de um hospital (páginas 139-143)

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