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De sintagma possessivo a sintagma pronominal: a gramaticalização de

Como demonstrado nos capítulos 3 e 4 desta Tese, o português dos séculos XIV ao XVI, período aqui considerado para análise, conta com duas formas homófonas que apresentam comportamento sintático distinto: o sintagma possessivo Vossa Mercê e o sintagma pronominal Vossa Mercê. Em termos cronológicos, a primeira forma precede a segunda.

De modo a enquadrar a mudança linguística pela qual passa o sintagma Vossa

Mercê como um caso de gramaticalização (cf. ROBERTS e ROUSSOU 2003), o objetivo

deste capítulo é demonstrar como se dá o processo de redução estrutural, tarefa a ser desenvolvida na seção 5.1, e entender a obscuridade / ambiguidade das evidências linguísticas responsáveis pela reanálise, assim como formalizar a mudança paramétrica em foco (seção 5.2).

5.1 – Redução estrutural

Com o intuito de facilitar a exposição, esta seção focalizará, em um primeiro momento, a configuração sintática do sintagma possessivo Vossa Mercê (subseção 5.1.1). Posteriormente, apresento uma proposta para a configuração do sintagma pronominal

Vossa Mercê e confronto as duas estruturas com o objetivo de explicitar a redução

estrutural presente no processo de gramaticalização do sintagma Vossa Mercê (seção 5.1.2).

Antes de dar início à exposição, uma nota sobre a estrutura dos sintagmas nominais se faz necessária. Na abordagem tradicional de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY 1981), os sintagmas nominais (NPs) são tratados como projeções máximas de um núcleo lexical N°. Um sintagma nominal seria derivado da seguinte forma: (i) o nome se combina com o complemento, formando uma projeção intermediária N’; (ii) essa projeção

intermediária poderia se combinar a adjuntos como um adjetivo, por exemplo; (iii) a projeção intermediária N’ mais alta, por sua vez, se combinaria com uma posição de especificador, formando a projeção máxima NP. Nesse modelo, o lugar dos determinantes, como os artigos definidos, por exemplo, seria em [Spec,NP] como pode ser visto na configuração sintática do sintagma nominal a casa:

(503) NP 3 a N’ 3 casa

A partir da ideia postulada por Chomsky (1970), de que o domínio nominal tem uma estrutural paralela à estrutura da sentença, diversos trabalhos como Szabolcsi (1983, 1987) e Abney (1987) argumentam – através da hipótese de DP – que o sintagma nominal NP está inserido em uma estrutura funcional cujo núcleo é identificado como D(eterminante). A vantagem dessa proposta é a de que, a partir das evidências linguísticas que apontam para uma complexidade na estrutura do sintagma nominal, se pode propor posições funcionais entre os núcleos D° e N°, da mesma forma como ocorre no âmbito da sentença em que categorias como v, T e C são propostas. Assim, a categoria N° passa a responder somente como núcleo lexical, ao passo que a categoria D° seria o núcleo categorial de todo o sintagma:

(504) DP 3 D’ 3 a NP 3 N’ 3 casa

Diversos estudos têm utilizado argumentos para sustentar a hipótese de DP. Para exemplificar, tomemos os exemplos disponíveis em Longobardi (1996):

(505) a. La mia casa è più bella della tua a minha casa é mais bonita que.a tua

b. Casa mia è più bella della tua casa minha é mais bonita que.a tua c. *Mia casa è più bella della tua minha casa é mais bonita que.a tua

Em (505a), o sintagma nominal é composto por um núcleo nominal casa e por dois elementos que o antecedem: o artigo definido la e o possessivo mia. Assumir a estrutura simplificada do sintagma nominal pressupõe que tanto o artigo quanto o possessivo deveriam ocupar a mesma posição em [Spec,NP]. Esse não seria um problema se o possessivo pré-nominal em italiano for considerado um clítico, uma vez que poderia ser adjungido ao determinante. Entretanto, em (505b), o nome casa antecede o possessivo mia, o que implica dizer que N se move para uma posição superior de núcleo, sendo este o núcleo D. Se se assume que o possessivo pós-nominal não é núcleo e está em uma posição de [Spec,NP], por exemplo, tem-se a seguinte representação:

(506) DP 3 D’ 3 casa NP 3 mia N’ 3 casa

Somente essa evidência já seria suficiente para se postular a existência de ao menos uma projeção superior ao NP capaz de abrigar o nome casa após o movimento de subida de N. Como se observa em (505c), quando o possessivo está em posição pré-nominal, é necessário que haja um artigo definido, como em (505a), caso contrário, a construção será agramatical. Nesse sentido, o possessivo não pode ocupar a posição de D, sendo esta ocupada pelo artigo definido, para os casos de possessivos pré-nominais, ou pelo nome, quando o possessivo está pós-nominal, devendo ocupar uma posição intermediária entre o núcleo N e o núcleo D.

Não é meu objetivo, no entanto, pormenorizar as propostas que postulam a existência de categorias distintas entre o núcleo N e o núcleo D. Por ora, cabe dizer que,

nesta Tese, de modo a dar conta das relações mais complexas existentes na configuração sintática do sintagma possessivo e da configuração do sintagma pronominal, assumo a

hipótese de DP (cf. ABNEY 1987). Assim, farei referência, neste capítulo, ao sintagma

possessivo Vossa Mercê como DP possessivo Vossa Mercê e ao sintagma pronominal Vossa

Mercê como DP pronominal Vossa Mercê.

5.1.1 – O DP possessivo Vossa Mercê

Em um DP possessivo, existe uma relação estabelecida entre o possuidor e o nome possuído. De acordo com o tipo de nome, essa relação pode ser de natureza distinta. Tomemos o seguinte conjunto de dados:

(507) a. O João ofertou o livro à Maria b. a sua oferta do livro à Maria c. a sua oferta à Maria pelo João (508) o teu carro

Seguindo a ideia central do paralelismo entre a estrutura da sentença e a estrutura do sintagma nominal encontrada em Chomsky (1970), Szabolcsi (1983) e Abney (1987), autores como Giorgi e Longobardi (1991) defendem que existe uma simetria semântica e estrutural entre a predicação verbal e a predicação nominal. Assim, a predicação não é uma propriedade restrita aos verbos. No domínio nominal, os nomes também podem selecionar argumentos e atribuir papeis temáticos a sintagmas genitivos ou possessivos. No sintagma possessivo, mais especificamente, a relação entre o possessivo e o nome possuído pode ser estruturada internamente como um caso de predicação.

Em (507b), a interpretação do possessivo pré-nominal é de agente da ação de

ofertar e em (507c) o possessivo apresenta papel temático de tema. Note-se que quando se

trata de um nome deverbal, os papeis temáticos dos argumentos do nome (510 – 511) são os mesmos encontrados no domínio verbal (509):

(509) [O João]A.E. agente ofertou [o livro] A.I. tema à Maria.

(510) a [sua] A.E. agente oferta do livro à Maria

Esse exemplo representa o grupo de nomes que apresenta um correspondente verbal e a relação estabelecida entre o nome e o possessivo será da mesma natureza da relação estabelecida entre o verbo e os constituintes por ele selecionados. Nomes como destruição, considerados nomes deverbais por serem produtos de nominalizações, compartilham com o verbo com o qual estão relacionados sua estrutura argumental68. Assim, esses nomes apresentam a propriedade de selecionar argumentos.

O sintagma em (508), por outro lado, parece não demonstrar a mesma relação de (507b-c). O nome carro não é um predicado e, assim, não apresenta a propriedade de selecionar argumentos. A interpretação que mais comumente se atribui aos possessivos que acompanham esses nomes é a de possuidor.

Como pôde ser observado, são três as interpretações que os possessivos podem ter: (i) agente: o possessivo é o argumento externo de um nome deverbal; (ii) tema: o possessivo é o argumento interno de um nome deverbal; (iii) possuidor: o possessivo não é selecionado pelo nome.

No âmbito da sentença, o argumento externo é concatenado na posição de [Spec,vP] e o argumento interno como complemento de V. Paralelamente, no âmbito do domínio nominal, o possessivo argumento externo, com papel temático de agente, será projetado em [Spec,nP]. O possessivo argumento interno, com papel temático de tema, será projetado como complemento de N (cf. GIORGI e LONGOBARDI 1991; SCHOORLEMMER 1998; CARDINALETTI 1998).

Em relação ao possuidor, não há consenso na literatura em tratá-lo como argumento ou não. Assim, a questão que se coloca é a de que posição o possuidor ocuparia na estrutura do DP. Sobre essa questão, Alexiadou (2003) apresenta uma revisão da literatura sobre o assunto e considera que são duas as principais visões para definir o estatuto sintático do possessivo “possuidor”. Por um lado, o possuidor apresentaria propriedades de

68 Ainda que os nomes deverbais apresentem a mesma grade temática dos verbos correspondentes, existe a

diferença sintática de que os verbos podem também atribuir caso (acusativo) aos argumentos, ao passo que os nomes não. Uma possível solução para esse problema seria assumir que os nomes atribuem caso genitivo inerente aos seus argumentos. A questão que se coloca é a de que se os nomes realmente herdam a estrutura argumental de seus correspondentes verbais. Talvez, os fenômenos sintáticos observados não resultam de operações sintáticas, mas somente refletem informações lexicais. Para uma discussão sobre as abordagens sintática e lexicalista de nomes deverbais, ver Miguel (2004) e Alexiadou, Haegeman e Stavrou (2007). Nesta Tese, não entrarei na discussão se as nominalizações são derivadas por operações sintáticas ou se restringem a operações no léxico. Independentemente dessa discussão, sigo Chomsky (1970) na ideia de que nomes deverbais e respectivos verbos compartilham a mesma estrutura lexical, o que implica dizer que ambos apresentam sujeitos e objetos e atribuem papeis temáticos a esses constituintes.

sujeito e se comportaria como argumento externo do nome possuído. Em línguas como o húngaro (cf. SZABOLCSI 1994), da mesma forma que um sujeito estabelece uma operação de concordância com o verbo e há marcas morfológicas no verbo como resultado dessa operação de concordância (512a), o nome possuído pode concordar em pessoa e número com o possuidor (512b):

(512) a. Mi irunk 1.PL.NOM escrever-1.PL “nós escrevemos” b. Mi titkunk 1.PL.NOM segredo.SG-1.PL “nosso segredo” (Alexiadou 2003:169)

O possessivo com papel temático de possuidor poderia estar em [Spec,nP] (ou [Spec,NP]) (cf. CINQUE 1980, SZABOLCSI 1983, ABNEY 1987, GIORGI e LONGOBARDI 1991) da mesma forma que os argumentos externos de nomes deverbais.

Por outro lado, a posse seria vista como uma relação de predicação entre o possuidor e o elemento possuído. Nesse caso, o nome possuído funcionaria como um predicado nominal e o possuidor como sujeito da predicação, estando os dois elementos em uma relação local de uma estrutura de mini-oração (small clause) [SC N Poss] (cf. LYONS 1967, FREEZE 1992, KAYNE 1993)69.

De modo a propor uma derivação para o DP possessivo Vossa Mercê, assumo aqui a proposta de que o possessivo vossa é concatenado na posição de sujeito do DP, isto é, [Spec,nP] (cf. PICALLO 1994; SCHOORLEMMER 1998; CARDINALETTI 1998; ALEXIADOU 2003, 2005):

69 Vale lembrar que, ainda que apresente esse panorama geral da posição da literatura a respeito da inserção

do possessivo com papel temático de possuidor, Alexiadou (2003), a partir de dados do grego, propõe derivações distintas para as construções de posse alienável e inalienável. Para os casos de posse alienável, o possessivo seria concatenado na posição de [Spec,nP] que também poderia ser denominado [Spec,PossP]. Os casos de posse inalienável seriam derivados como small clauses. Aqui, não vou considerar essa proposta mas manter a assunção de que, independentemente do tipo de posse, o possessivo é concatenado na estrutura do DP na mesma posição dos sujeitos argumentos externos de nomes deverbais.

(513) nP 3 vossa n’ 3 mercê NP 3 N’ 3 mercê

O núcleo nominal, por sua vez, também sofre movimento para um núcleo funcional localizado entre N° e D°, mas que estaria abaixo da posição para onde se movem os possessivos pré-nominais. Esse núcleo funcional poderia ser Num° (RITTER 1991, CINQUE 1994) e o movimento seria motivado por exigências do traço de número do nome: (514) NumP 3 Num’ 3 mercê nP 3 vossa n’ 3 mercê NP 3 N’ 3 mercê

Como o possessivo vossa, que no sintagma Vossa Mercê ocupa a posição pré- nominal, o possessivo também precisa ser alçado para uma posição superior. Disso implica dizer que as posições pré e pós-nominais dos possessivos são derivacionalmente relacionadas (cf. GIORGI e LONGOBARDI 1991; PICALLO 1994; BRITO 1996; CARDINALETTI 1998; SCHOORLEMMER 1998; MIGUEL 2004): a posição pós- nominal do possessivo é a posição de concatenação do possessivo na estrutura do DP e a posição pré-nominal do possessivo seria resultado de uma operação de movimento.

O movimento vai ser desencadeado por um requerimento de licenciamento formal. Sobre essa posição, a literatura linguística não é consensual em relação ao rótulo das categorias funcionais postuladas. De uma forma geral, podemos dizer que é uma posição [Spec, XP], que corresponde à posição de sujeitos sentenciais no domínio da oração, em

que XP pode ser NumP (PICALLO 1991), PosP (CINQUE 1994, SCHOORLEMMER 1998, BRITO 1999), AgrSNP (CARDINALETTI 1998, MIGUEL 2002), IP (ZRIBI- HERTZ 1998), ConcP (=AgrP) (BRITO 2001, 2003), PossP (ALEXIADOU 2003). Essas siglas correspondem a uma mesma categoria funcional responsável pelo licenciamento dos possessivos pré-nominais. Considerando que o possessivo, dentro da estrutura do sintamga nominal, funciona da mesma forma que o sujeito no domínio da sentença, esse movimento seria motivado para a checagem de um traço “EPP” no domínio nominal. Uma vez em [Spec,XP], os possessivos pré-nominais são licenciados.

Em virtude do grande número de rótulos, vou aqui assumir a proposta de Rinke (2010) e Kupisch e Rinke (2011) de que a posição de licenciamento formal do possessivo pré-nominal é uma posição FP, sendo F um núcleo funcional responsável pelo licenciamento do possessivo pré-nominal:

(515) FP 3 vossa F’ 3 F° NumP 3 Num’ 3 mercê nP 3 vossa n’ 3 mercê NP 3 N’ 3 mercê

Dependendo do seu estatuto categorial, o possessivo poderia ainda realizar mais um movimento, sendo alojado no núcleo D°. Essa possibilidade, no entanto, está restrita às línguas que apresentam possessivos pré-nominais como formas clíticas. Essas formas, como no inglês (516) e no espanhol (517), não permitem a presença de artigo diante do possessivo:

(516) a. my car meu carro

b. *the my car o meu carro (517) a. mi coche meu carro b. *el mi coche o meu carro

Considerando os dados do PE, em que se observa a obrigatoriedade do artigo definido diante de possessivos pré-nominais, ao menos em posições argumentais70, pode-se supor, em princípio, que o possessivo ocupa a posição de [Spec,FP], estando o artigo alocado em D° (518), da mesma forma como ocorre com o italiano (519):

(518) a. o meu carro b. *meu carro (519) a. la mia casa a minha casa b. *mia casa minha casa

Por outro lado, os dados do PB seriam um problema a essa proposta, uma vez que o artigo definido pode ser omitido diante de possessivo pré-nominal:

(520) a. meu carro b. o meu carro

A questão central por trás dessa discussão é a do estatuto categorial que o possessivo tem em cada língua. Isso influencia se o possessivo pré-nominal ocupará uma posição de [Spec] ou uma posição de núcleo. Para ocupar essas duas posições, o possessivo precisa ter um estatuto categorial distinto, sendo uma forma XP para o primeiro caso e um núcleo X° para o segundo.

Para a configuração sintática do possessivo em português, Castro (2001, 2006), para o português moderno, traz evidências de que o possessivo pré-nominal mostra comportamento de formas nucleares X°. Essa mesma análise é compartilhada por Floripi

70 Como mencionado anteriormente, de acordo com Longobardi (1994), todo sintagma nominal em posição

(2008) para o português dos séculos XVI ao XIX. Miguel (2001, 2002, 2004), no entanto, argumenta que o estatuto do possessivo pré-nominal não foi sempre de núcleo na história do português. Para a autora, o português arcaico conta com um sistema de possessivos pré- nominais de formas XP. Essa forma teria sido reanalisada em estágios posteriores da língua até alcançar o estatuto de núcleo.

O que embasa essas propostas de configuração sintática do possessivo em português é a proposta de Cardinaletti (1998) para a análise dos possessivos71. Cardinaletti (1998) estende ao sistema dos possessivos a proposta elaborada por Cardinaletti e Starke (1994 [1999]) para a oposição encontrada no sistema pronominal para formas fortes e formas deficientes (fracas e clíticas). Essa extensão é possível, uma vez que as propriedades sintáticas, semânticas e morfológicas dos possessivos são comparáveis às dos pronomes. Para tanto, a autora utiliza dados de línguas românicas e germânicas.

De acordo com Cardinaletti (1998), o possessivo pré-nominal é uma forma deficiente (podendo ser fraca ou clítica a depender da língua) e o possessivo pós-nominal é uma forma forte. De modo a sustentar sua análise, a autora propõe uma série de testes que são capazes de diferenciar o comportamento das formas. Os possessivos pós-nominais, como formas fortes, podem ocorrer em contextos de foco / contraste (521), podem ser coordenados (522), modificados (523), são restritos a referentes humanos (524) e podem introduzir um novo referente no discurso (525):

(521) la casa SUA, non tua a casa dele(a), não tua

(522) la casa sua e tua / sua e di Maria a casa dele(a) e tua / dele(a) e de Maria (523) la casa solo / proprio sua

a casa só / própria dele(a)

71 Cardinaletti (1998) propõe uma classificação para os possessivos de uma língua entre formas fortes ou

deficientes (fracas e clíticas). Por outro lado, existem propostas tipológicas que classificam as línguas de acordo com o estatuto que o possessivo pode ter, se determinante, se adjetivo (cf. LYONS 1985; GIORGI e LONGOBARDI 1991; SCHOORLEMMER 1998). Essas propostas utilizam, sobretudo, um critério distribucional para a diferenciação das línguas. Em línguas de possessivos adjetivos, este pode coocorrer com determinantes, como o artigo definido. Por outro lado, em línguas de possessivo determinante, o possessivo não pode coocorrer com outros determinantes. Por essas propostas, tendo como base os exemplos (518) e (520), o PE seria classificado como uma língua de possessivos adjetivos e o PB como uma língua mista, em que ora o possessivo funciona como adjetivo ora como determinante. Essas propostas, no entanto, não serão discutidas aqui. Para o português, encontramos, de um lado, a análise de Brito (2003), em defesa do estatuto adjetival dos possessivos pré-nominais; por outro, as análises de Miguel (2001) e Castro (2006) que argumentam que não há evidências para o estatuto adjetivo do possessivo em português.

(Cardinaletti 1998:19) (524) Il coperchio suoi è molto pratico. (Joãoi / *frigideirai)

A tampa dele(a) é muito prática

(Cardinaletti 1998:20) (525) A: La macchina di chi ti ha investito?

O carro de quem você investiu “No carro de quem você investiu?”

B: La macchina sua. O carro dele(a) “No carro dele(a)”

(Cardinaletti 1998:21)

Os possessivos pré-nominais, como formas deficientes, não podem ocorrer em contextos de foco / contraste (526), não podem ser coordenados (527), modificados (528), podem fazer referência tanto a referentes humanos quanto [-animados] (529) e não podem introduzir um novo referente no discurso (530):

(526) *la SUA casa, non tua a dele(a) casa, não tua “a casa dele(a), não a tua”

(527) *la sua e tua / sua e di Maria casa a dele(a) e tua / dele(a) e de Maria casa “a casa dele(a) e tua / dele(a) e da Maria” (528) *la solo / proprio sua casa

a só / própria dele(a) casa

“a casa só dele(a) / dele(a) próprio(a)”

(Cardinaletti 1998:19) (529) Il suoi coperchio è molto pratico. (Joãoi / frigideirai)

A dele(a) tampa é muito prática “a tampa dele(a) é muito prática”

(Cardinaletti 1998:20) (530) A: La macchina di chi ti ha investito?

O carro de quem você investiu “No carro de quem você investiu?”

B: *La sua macchina. O dele(a) carro. “No carro dele(a)”

Em línguas que apresentam duas séries morfológicas para os possessivos, a diferença de estatuto categorial se torna mais visível. Em espanhol, por exemplo, a forma do possessivo pré-nominal (531) difere da forma do possessivo em posição pós-nominal (532) e em contextos de isolamento (533):

(531) mi libro meu livro

(532) el / este libro mío o / este livro meu

(Cardinaletti 1998:21) (533) a. Este libro es mío.

Este livro é meu

b. A: De quién es este libro? De quem é este livro B: Mío.

Meu

(Cardinaletti 1998:22) c. Tu libro es rojo pero el mío es amarillo.

Teu livro é vermelho mas o meu é amarelo

Outra diferença entre as formas está em sua estrutura. As formas fortes, por um lado, seriam formas XP. As formas deficientes seriam XP, se fracas, ainda que a natureza dessa categoria não esteja bem definida, ou X°, se formas clíticas. Assim, as formas fracas pré-nominais podem coocorrer com determinantes. As formas clíticas, por sua vez, como são núcleos X° alocados em D° não podem coocorrer com determinantes, uma vez que não há posição para os determinantes.

Para concluir, Cardinaletti (1998) defende que as línguas podem ter: (i) clíticos possessivos pré-nominais; (ii) possessivos pré-nominais fracos; e (iii) possessivos pós- nominais fortes. É a posição em relação ao núcleo N que distingue entre possessivo forte ou deficiente, não sendo a morfologia do possessivo um critério adotado para a distinção das formas, já que em algumas línguas, como o italiano e o português, por exemplo, os possessivos pré e pós-nominais podem ser idênticos, isto é, homófonos.

Tendo em conta a distinção dos possessivos entre formas fortes ou deficientes (fracas ou clíticas) e do fato de os possessivos pré-nominais serem formas deficientes e os possessivos pós-nominais serem formas fortes, pode-se dizer que, uma vez projetados em sua posição temática, o possessivo tem duas opções: (i) se o possessivo for uma forma

forte, ele permanecerá na posição de base; (ii) se o possessivo for uma forma deficiente, ele se move para uma posição de [Spec,XP] para ser licenciado. Se a forma for fraca, permanecerá nessa posição. Os clíticos, por sua vez, precisam fazer um movimento extra para alcançarem a posição de núcleo e, assim, são movidos da projeção máxima deficiente XP para o núcleo D° (cf. CARDINALETTI 1998). Vejamos abaixo como se daria a derivação de formas fortes (possessivo pós-nominal, XP) (534), formas fracas (possessivo pré-nominal, XP) (535) e formas clíticas (possessivo pré-nominal, X°) (536):

(534) DP 3 D’ 3 D NumP 3 Num’ 3 N nP 3 XP n’ 3 N NP 3 N’ 3 N

(535) DP 3 D’ 3 D FP 3 XP F’ 3 F° NumP 3 Num’ 3 N nP 3 XP n’ 3 N NP 3 N’ 3 N (536) DP 3 D’ 3 X° FP 3 XP F’ 3 F° NumP 3 Num’ 3 N nP 3 XP n’ 3 N NP 3 N’ 3 N

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