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DEBATE TEÓRICO-NORMATIVO DAS POLÍTICAS DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

A formalização da política de defesa da concorrência tem origem na América do Norte, ainda no século XIX, com a promulgação do The Competition Act canadense, em 1889, e do Sherman Act norte-americano, aprovado em 1890, criados em função do surgimento das práticas anticompetitivas e dos movimentos de concentração de mercado experimentado por algumas empresas daqueles países. Em suma, os atos proibiam qualquer conduta ou criação de estrutura que pudesse potencialmente causar danos à competição, de modo a eliminar – ou ao menos reduzir – seus efeitos anticompetitivos.

Ao longo do tempo, a política de defesa da concorrência passou por um grande número de reformas, que acompanharam o desenvolvimento da teoria econômica, os objetivos de política e a percepção de seus efeitos sobre o bem-estar social.34 A maior parte dessas reformas ocorreu a partir da segunda metade do século passado, quando estavam sendo formadas duas grandes escolas – Harvard e Chicago –, que se ocuparam daquela política como problema teórico. Nesse período, o debate sobre as propostas de mudanças daquela política ganhou fôlego, e a eficiência econômica passou a obter destaque na sua formulação. Reconhecido o papel das eficiências, o debate se estendeu sobre a forma como elas deveriam ser conciliadas com os efeitos anticompetitivos derivados do aumento do poder de mercado das concentrações. Neste passo, foram desenvolvidas duas abordagens para o tratamento das eficiências econômicas – o critério do excedente total e o critério do excedente do consumidor.

O objetivo deste capítulo é apresentar o debate teórico-normativo das políticas de defesa da concorrência, com enfoque no papel das eficiências. Para fins didáticos, o estudo será separado em duas seções. A próxima seção será destinada a apresentar as análises e propostas das duas principais escolas em que a literatura

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Basicamente, toda a discussão teórico-normativa sobre essas reformas desenvolveu-se nos Estados Unidos, fonte principal da literatura econômica e do arranjo institucional da defesa da concorrência.

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antitruste se apoia – Harvard e Chicago –, a fim de derivar uma melhor compreensão dos avanços teóricos com relação às considerações sobre a eficiência econômica na implementação da política antitruste. Na seção seguinte serão abordados os dois principais critérios utilizados quando da análise de eficiências – o critério do excedente total e o critério do excedente do consumidor –, que constituem a base normativa da ação das políticas de defesa da concorrência.

3.1. As escolas econômicas e os seus papéis na incorporação das

eficiências

Basicamente, as políticas de defesa da concorrência se apoiam em duas grandes escolas. De um lado está a “Escola de Harvard”, que dominou a orientação da política antitruste norte-americana e de outros países entre os anos 50 e 70, apoiada no paradigma estrutura-conduta-desempenho (ECD) da teoria de organização industrial. De outro lado, a “Escola de Chicago”, que apareceu como protagonista da condução da política antitruste a partir do início dos anos 80, construída a partir dos pressupostos da teoria microeconômica neoclássica.

Como será visto, ambas as escolas procuravam defender o bem-estar social como objetivo de política, através do alcance da eficiência máxima dos mercados. No entanto, as escolas apresentavam diferentes propostas de ação, em virtude de suas percepções distintas acerca do processo concorrencial e seus efeitos sobre o excedente econômico. Como aponta SANTACRUZ (1998, p. 17), “enquanto o

mainstream estruturalista teria uma interpretação ampla dos objetivos da intervenção

antitruste, que englobaria a busca de eficiência alocativa, a distribuição de renda (eficiência distributiva) e até mesmo a desconcentração do poder econômico vista como uma finalidade em sim mesma, para a escola de Chicago a eficiência alocativa seria o único objetivo”.

A seguir será feita uma digressão da formação de ambas as escolas, destacando os seus papéis sobre as diferentes visões acerca da primazia da eficiência como centro da política antitruste.

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3.1.1. Escola de Havard

Tradicionalmente, a política de defesa da concorrência está apoiada na teoria da organização industrial, desenvolvida pela “Escola de Harvard”, através do que se convencionou chamar de paradigma estrutura-conduta-desempenho (ECD), que constituiu a principal base de sustentação teórica para a análise antitruste. Embora tenha suas raízes na década de 30 do século passado, o modelo ECD só passou a influenciar a política antitruste a partir dos anos 50, e tornou a Escola de Harvard hegemônica na orientação daquela política até meados da década de 70.

A abordagem estruturalista é baseada na proposição de que elementos estruturais de um mercado determinam seu desempenho através do comportamento das firmas. Portanto, estabelece uma relação entre a estrutura de mercado e o desempenho das firmas. De acordo com LARNER e MEEHAN (1989, p. 180-181), no coração do paradigma está o modelo de equilíbrio competitivo, utilizado como a estrutura teórica para avaliar o desempenho das empresas e indústrias. O modelo competitivo define as condições para as eficiências produtiva e alocativa no equilíbrio de longo prazo. Essas eficiências resultam de duas condições estruturais: um grande número de vendedores e compradores e a fácil entrada nos mercados. O paradigma também usa modelos de oligopólio para predizer as maneiras que os vários elementos da estrutura de mercado influenciam a conduta e o desempenho dos mercados. Em geral, os modelos predizem que conforme o número de firmas diminui e as barreiras à entrada aumentam, existirá uma grande oportunidade para a coordenação de comportamento das firmas e um aumento na probabilidade que o preço seja superior aos custos marginal e médio de longo prazo.

Basicamente, o modelo ECD demonstra que as condições básicas da economia estabelecem os fatores que determinam a competitividade no mercado (estrutura), que influenciam o comportamento das empresas (conduta) que, por sua vez, determina o desempenho da indústria. Nesse sentido, baseia-se na tese de que a partir da concentração do mercado podem-se inferir determinados tipos de

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comportamento entre firmas que afetam o desempenho do mercado. A figura a seguir mostra um esquema analítico dessa abordagem.

Figura 1 – O modelo ECD e a política antitruste

Oferta Demanda

disponibilidade de matérias-primas elasticidade-preço tecnologia presença de substitutos aspectos institucionais sistema financeiro caracterísitcas do produto distribuição de renda

relação com fornecedores, distribuidores e clientes

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