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PARTE 2 DEMOCRATIZAÇÃO E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL

4. DECIFRANDO O MODELO TRANSICIONAL BRASILEIRO

Neste último capítulo do estudo, procurarei construir elementos de caracterização e leitura do modelo transicional brasileiro. Para tanto, partirei das constatações tidas sobre o processo de transição para a democracia para avaliar as políticas de justiça transicional do período democrático, tendo em especial conta como o formato de nossa democratização modula o próprio processo de justiça transicional. Chegando a definição do que seja o “modelo brasileiro”, podemos avaliar suas qualidades e défices em relação a outros processos e ao panorama global já construído na primeira parte do estudo. Este esforço permite verificar, entre outros, se o modelo brasileiro efetivamente é um “modelo” ou, do contrário, se é apenas um desvio padrão de modelos já preexistentes – como o modelo de accountability argentino ou o de memória sem justiça da Espanha – e, ainda, dele extrair inferências sobre o próprio conceito de direito e de estado de direito que vem sendo constituído no país.

A análise enfocar-se-á em quatro conjuntos de medidas, entendidos como representativos das quatro dimensões constitutivas de obrigações da justiça de transição, conforme apresentado no item 2.2: (i) a reforma das instituições para a democracia; (ii) a reparação às vítimas; (iii) as políticas de memória e verdade, e; (iv) a persecução de justiça em relação as violações contra o Estado de Direito e os Direitos Humanos.

Conforme entende-se demonstrar no decorrer do texto, o modelo brasileiro configurou-se desde um conjunto de reformas institucionais que primaram pelo amplo aperfeiçoamento democrático-institucional sem se preocupar, efetivamente, com a pauta transicional, consolidando a tese da “vitória de todos” e da imposição do esquecimento e não alterando, especificamente, os mecanismos eleitorais configurados na Constituição (a exceção da casuística inserção da possibilidade de re-eleição consecutiva para os cargos majoritários); ainda, as políticas de reparação passaram a estruturar toda a agenda transicional e, graças ao

impacto sócio-político de seu desenvolvimento, eclodiram de modo sistemático num período tardio potentes reivindicações sociais por memória, verdade e justiça. Destas demandas, as por verdade e memória estruturaram-se e as por justiça soçobraram, configurando um modelo onde a disputa semântica e política sobre o passado não se encerra (nem na sociedade, quanto menos no Estado, que segue como parte do conflito). Assim, a sociedade não consegue estabelecer uma narrativa democrática sobre o passado e, em última análise, a reparação se torna o meio de reconhecimento estatal de responsabilidade, ensejando a assunção por parte do Estado da criminalidade tida em seu nome e gerando mecanismos para a produção oficial e não-oficial de uma memória concorrente a do regime. Por fim, resta um ônus permanente para o Estado democrático, que resta administrando um conflito herdado entre vítimas e regime, uma vez que sem conseguir resolver ou afastar-se do problema, por meio de medidas de responsabilização ou de anistias fundadas em políticas do perdão, o Estado segue numa posição contraditória em que defende a bilateralidade do próprio “conflito” do qual fez parte, repara as vítimas por entender como sua esta responsabilidade e afasta a possibilidade de identificação efetiva dos crimes do período, mantendo-se como um “estado criminoso”.

Defender-se-á, finalmente, que o modelo transicional brasileiro assenta-se, portanto, numa assunção abstrata de responsabilidade do Estado pelos crimes do regime, configurada desde uma negação de descontinuidade entre ditadura e Estado de Direito. Essa assunção onera o Estado democrático com todo o espólio histórico da ditadura, tornando evidentes as contradições do processo de arranjo da reabertura e mantendo as agências estatais que promovem políticas relativas à transição em um permanente estado de conflito interno. Como conseqüência, a própria ideia de Estado de Direito no Brasil tem sua gênese em disputa e, portanto, a potência normativa do conceito de Estado de Direito, claramente identificável em uma democracia constitucional, resta sujeita a uma ampla instabilidade, uma vez que parte do história jurídico-constitucional da nação fica albergada em uma espécie de pacto pré- constitucional (notadamente ilegítimo) que exclui da esfera de aplicação do próprio Estado de Direito um conjunto de acontecimentos do passado.

De outro lado, o modelo brasileiro foi inequivocamente capaz de estruturar uma democracia eleitoral plena e, passados 20 anos da nova Constituição, pode-se verificar o avanço da consolidação democrática substantiva por meio de governos eleitos. Desta feita, é possível questionar como caracteres estruturantes de nossa cultura política interagiram com o

processo transicional propriamente dito fazendo com que a consolidação substantiva do Estado de Direito e seus preceitos (especialmente a igualdade perante a lei) fosse negada a um conjunto de cidadãos (os mais diretamente afetados pela Ditadura) sem que esses arranjos de impunidade afetassem o grosso da população, num processo que, desde uma perspectiva idealista, é falho justamente por não atender aqueles que mais dele dependiam mas, desde uma perspectiva pragmática – como a adotada por todos os governos democráticos do país até agora, sem exceção, para tratar do tema – é extremamente exitoso em alcançar, “para o futuro”, aquilo que nega para o passado e para a história.

Essas contradições eminentes passam a ser agora analisadas desde as quatro dimensões propostas, em suas peculiaridades.

4.1. Em busca do Estado de Direito: a reforma das instituições como fator autônomo à justiça de transição no Brasil

Um elemento-chave comum tanto para os processos de democratização quanto para a justiça de transição é que as instituições perpetradoras de crimes do antigo regime sejam reformadas. Em relatório própria ao tema, as Nações Unidas, sem excluir a possibilidade de intervenção para a realização de tal processo, destacam que “[...] nenhuma reforma do Estado de Direito, reconstrução da justiça ou iniciativa de justiça de transição pode esperar obter êxito e ser duradoura se vem imposta do exterior” (ONU: S/2004/616, p.328), razão pela qual a própria organização prioriza a resolução doméstica desta dimensão da justiça de transição em todos os casos em que a unidade estatal possua condições mínimas para tanto. Tal questão é central pois na medida em que o principal objetivo das reformas das instituições é a não repetição de violações ao império do direito e aos direitos humanos, apenas com o efetivo comprometimento social com as mesmas é que se obterão resultados sustentados.

No caso brasileiro, as reformas institucionais ocorreram sem qualquer interferências externa. Inobstante, foram sempre tratadas como reformas para a consolidação do Estado de Direito, e nunca como reformas que guardassem relação com a justiça de transição. Para uma constatação rápida e trivial desta afirmação, basta verificar que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 em nenhum momento vale-se de termos como “ditadura”

ou “ vítimas”, tratando de medidas atinentes aos “anistiados” apenas no disposto em seu artigo 8º. Tal fato é decorrência direta do modus operandi do processo de abertura, descrito no capítulo três.

Com a abertura sob controle e a manutenção discursiva da semântica da ditadura em relação aos resistentes e as vítimas, os setores conservadores a serviço do regime conseguiram garantir um nível razoável de consenso sobre a continuidade institucional entre ditadura e democracia e, mesmo sem obter um acordo socialmente pleno sobre a questão, garantiram que a divergência permanecesse em aberto, evitando assim que o Estado pudesse tratar da ditadura enquanto um não-Estado de Direito em um grande número de oportunidades (essa questão restará mais clara logo a seguir, ao tratarmos da constituinte). É em função desta capacidade de estabelecer continuidades oportunistas entre ditadura e democracia que as medidas de reforma passam a ser tratadas num âmbito muito mais “institucional” do que político, com a notável ressalva da constituinte.

Tomadas as principais reformas tidas, e a seguir melhor descritas, temos que boa parte delas foi adotada com clara orientação para a consolidação de um Estado de Direito mas sem aludir a especificidade transicional que possuem. Assim, mesmo reformas importantes, como a submissão dos poderes militares ao comando civil, com a criação de um Ministério da Defesa que submete as forças armadas, não foram tratadas como conquistas da transição, mas sim como ajustes de aprimoramento institucional da forma de governo.

É como produto deste conjunto de fatores que aquela que é considerada a mais notável medida de reforma das instituições não foi jamais aplicada no Brasil:

“A mais óbvia conexão entre a justiça de transição e a reforma das instituições é o procedimento de veto/ depuração (“vetting”). Este é um mecanismo que objetiva garantir que servidores públicos pessoalmente responsáveis em violações flagrantes contra os direitos humanos, particularmente o pessoal das forças armadas, dos serviços de polícia e segurança, e dos serviços judiciais e de inteligência, devem ser impedidos de

trabalhar em instituições governamentais.” (ONU: UNHRC, Info Note 8 - tradução livre101)

O processo de anistia com a “vitória de todos” consolidou um discurso oficial de esquecimento das graves violações praticadas não pelo Estado brasileiro, mas por agentes em seu nome, o que criminalizou ao longo do tempo o próprio Estado, e não seus agentes. Desta feita, restou impossível pretender afastar os criminosos da própria estrutura do Estado, uma vez que este próprio não os reconhecia enquanto criminosos.

Esse fator é determinante para compreender por que, no Brasil, ao falarmos de reforma das instituições tratamos muito mais de uma pauta de democratização do que de uma pauta de justiça de transição e ajuda-nos a compreender por que, aqui, os três grupos centrais de reformas serão (i) a constituinte de 1987/1988, (ii) a submissão das forças armadas ao poder civil e, finalmente, uma série de (iii) pequenas e pontuais reformas nas instituições de segurança e justiça. Visto globalmente, o processo será lido como extremamente exitoso, e realmente o é, mas em boa parte do tempo suas características históricas o circunscrevem fora da dimensão transicional propriamente dita, o que terá conseqüências, especialmente quanto a sua duração no tempo, uma vez que muitos agentes do regime seguirão atuando no Estado até o esgotamento de seu ciclo profissional ordinário, com a morte ou a aposentadoria, influindo diretamente na formulação e consolidação das práticas que deveriam ser novas e democráticas.

Dentre os três conjuntos de reformas apontados, não resta dúvida de que a feitura de uma nova constituição tratou-se da central, tanto pelo resultado de redesenho institucional que promoveu, quanto pelo processo que a levou a tanto. Para tratar desta questão, valerei-me basicamente de dois textos, cuja leitura é muito mais esclarecedora que a síntese que aqui se promove, com vistas a contextualização histórica. Primeiramente, o clássico texto de Raymundo Faoro, “A Assembléia Constituinte: a legitimidade resgatada” cuja publicação original data de 1981 (FAORO: 2007), ainda, a tese de doutoramento de Leonardo Augusto de Andrade Barbosa, “Mudança constitucional, autoritarismo e democracia no Brasil pós-1964”, cuja reconstrução documental do processo da constituinte é excelente

101 “The most obvious link between transitional justice and institutional reform is the vetting procedure. This is a

mechanism that aims to ensure that government workers who are personally responsible for flagrant human rights violations, particularly personnel in the army, the security services the police, the intelligence services and the judicial system, must be prevented from working in the government institutions.”

(BARBOSA: 2009, pp. 121-212). Evidentemente, uma simples leitura da constituição, considerando o até aqui já desenvolvido, permite a gradação do espectro de mudanças, outra razão para menores delongas no tema.

Ainda em 1981, a Ordem dos Advogados do Brasil já defendia o chamamento de uma constituinte, por entender que as constituições de 1967 e 1969 eram, de fato, produtos não de um poder constituinte, mas de um poder usurpador. Na síntese de Faoro:

“Na sua origem há uma camada que, em nome de um movimento, de uma revolução ou contra-revolução, sempre com o esfacelamento da ordem constitucional, tomou e se assenhorou do Poder Constituinte, só pelo fato de dispor, em dado momento, da força. Todo o ordenamento de leis, reformas, emendas e constituições – na verdade, duas, a de 1967 e 1969 – alicerçou-se “no exercício do Poder Constituinte”, usurpado por obra e audácia das armas.” (2007, p. 248)

Faoro argumenta corretamente que a base de suposta legitimação dos atos legiferantes do regime, em especial a mudança constitucional, repousam em uma alteração de matriz institucional esdrúxula, cujo defeito é insanável:

“A mudança institucional especificava-se, desde logo, por um traço característico: o deslocamento do Poder Constituinte do povo (“todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido” – Constituição de 1946, art. 1º) para a revolução, denominação que adotou o movimento para se identificar, distinguindo-se das intervenções golpistas anteriores”. (ibidem: p. 180)

Disso decorre que, ao iniciar uma nova constituinte, como entendia necessário a OAB, mesmo sem aprovar qualquer novo texto, avançava-se radicalmente na reforma do sistema, na medida em que voltava-se a contar com a soberania popular como pedra angular de orientação do Estado, afastando o arbítrio dos generais que tomaram a presidência e modificaram o ordenamento positivo na expectativa de legitimarem-se.

O processo de reivindicação desta nova constituição, que ao originar um novo sistema de direito reforma as instituições postas, como apontado no desenvolvimento deste estudo,

caracteriza um segundo momento do processo transicional brasileiro, com as forças democráticas migrando da causa da anistia para a causa da redemocratização. É neste sentido que Barbosa afirma que:

“[...] não há como falar do processo histórico que culminou com a convocação da constituinte de 1987-1988 sem mencionar outros dois movimentos que, desde o primeiro momento, estiveram presentes no debate sobre a nova Constituição brasileira e, de certa forma, mesclaram- se a ele: a luta pela anistia e pelo restabelecimento das eleições diretas. Ambos demonstraram uma capacidade de mobilização popular superior até a do próprio movimento pró-constituinte.” (2009, pp. 147-148)

O processo social pró-constituinte, assim, caracteriza o momento máximo de conexão entre as pautas democráticas lato senso e as pautas stricto senso da justiça de transição, num grande período de reformas globais do Estado:

“Além da anistia, outro objetivo central do movimento pró-constituinte era a redemocratização do país, isto é, o restabelecimento de eleições diretas em todos os níveis de governo, em especial para Presidente da República. O movimento em prol das “Diretas” ganhou bastante força a partir de 1983, quando ocupou por mais de um ano o centro da cena política brasileira. Em abril daquele ano foi apresentada a emenda constitucional que ficou conhecida como “Emenda Dante de Oliveira”, em homenagem a seu primeiro signatário. Em torno do debate deflagrado pela emendo o Brasil conheceu o maior movimento cívico de sua história. Possivelmente, em nenhum outra oportunidade a sociedade civil aplicou tamanha pressão sobre o Congresso Nacional.” (ibiden: p.151)

O processo constitucional de 1987 e 1988 foi absolutamente ímpar na história nacional, com amplíssima participação social. A gênese deste processo e o reconhecimento de seus principais atores é fundamental tanto para a compreensão do conteúdo de reforma democratizante do Estado que a nova Constituição viria a promover, quanto para a compreensão da expansão de pauta que faria com que a característica transicional do processo fosse negada. Considerando as considerações de caráter histórico contidas no capítulo anterior, bem como a citação acima sobre a confluência das lutas pela anistia e pelas diretas

com o movimento pró-constituinte, parece suficiente agora dar especial atenção as instituições sociais chave do processo, sem demérito dos referidos movimentos.

Barbosa nos dá notícia, em sua pesquisa documental, de que “a ideia de que a superação da ordem autoritária passava pela construção de uma nova constituição para o Brasil iniciou sua trajetória de forma clandestina, nas teses de um encontro do Partido Comunista”, ainda na no final da década de 1970 (op. cit.: p. 157). Entre 1981 e 1983 a OAB passou a discutir fortemente o tema, tendo realizado nesta última data um Congresso Nacional específico para tanto, na cidade de São Paulo, aberto por Presidente Mario Sérgio Duarte Garcia, que asseverou que:

“A Ordem dos Advogados do Brasil, desde o “pacote de abril”, vem, intransigentemente, lutando pelo reordenamento constitucional brasileiro, convicta de que, sem uma nova Constituição, fundamentada em princípios democráticos e diretrizes ajustadas à realidade nacional, não é possível a estabilidade da vida político-institucional. Para essa finalidade, torna-se indispensável a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, sem a qual o diploma constitucional existente receberá apenas novas emendas, não se removendo o vício de ilegitimidade.” A participação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no processo pró-constituinte torna-se decisiva, especialmente após 1986. Novamente valendo-me da pesquisa histórica de Barbosa:

“O envolvimento da Igreja no processo de transição e, mais especificamente, no próprio processo Constituinte é intenso. Uma boa síntese das expectativas da CNBB em relação à elaboração da nova Constituição pode ser encontrada no documento intitulado “Por uma nova ordem constitucional”, adotado pela XXIV Assembléia Gera da Conferência, realizada em Itaici, em abril de 1986. O documento enfatiza a necessidade de adoção de procedimentos que estimulassem a participação no debate constituinte. A ideia central era, com a nova Constituição, “inverter a posição tradicional, que dá ao Estado toda a primazia da iniciativa social. A sociedade deverá ganhar condição de sujeito coletivo da transformação”. Para tanto, a CNBB apostava no desenvolvimento de instrumentos de

exercício da democracia capazes de colocar a ação do Estado a serviço da sociedade.” (op.cit.: p. 147)

Assim, como posto, a simples existência de uma constituinte já implicava, de si, em reforma radical do sistema político, na medida em que implicava em algum grau de abertura à participação e à cidadania. O problema que surgiria a seguir seria, inobstante, o de como chamar esta constituinte.

Os teóricos do direito que alinharam-se ao regime, como Miguel Reale e Manoel Gonçalves Ferreira Filho, defendiam não apenas que o texto constitucional deveria ser redigido por uma elite de juristas, sob pena de prejuízo de sua sistematicidade, organicidade e coerência como que o chamamento da nova constituinte deveria ser feito com base na própria constituição de 1969, garantindo a não-descontinuidade da ordem jurídica antiga com a nova (cf.: FERREIRA FILHO: 1985; REALE: 1985). Esta tese, da continuidade, era a mais interessante ao regime, pois coadunava com o processo que já vinha se desenhando com a abertura pela via eleitoral, onde os novos processos catalizam a migração do autoritarismo para a democracia emprestando legitimidade do novo regime para o antigo e ilegítimo, que, desta feita, “capitaliza-se” democraticamente por meio do procedimento formal, num falseamento jurídico evidente.

Procedimentalmente falando, a tese dos conservadores restou vitoriosa, se não por qualquer outra razão que aquela que caracteriza boa parte da transição brasileira: esta era a tese mais vantajosa e desejada pelo regime. Assim, em 27 de novembro de 1985, a Câmara e o Senado, conjuntamente, nos termos do artigo 49 da ilegítima Constituição de 1967, promulgaram à Emenda n.º 26 à Constituição, chamando a constituinte.

De toda sorte, a derrota do chamamento originário da constituinte não implicou em desprestígio de seus trabalhos. Ao enviar a proposta de emenda à constituição que viria a ser aprovada, o então Presidente José Sarney, antigo aliado do regime, registra que esperava que “[...] de agora, a sociedade se mobilize para criar a mística da Constituição, que é o caminho do Estado de Direito” (In: Congresso Nacional: 1985, p.1283). Tal afirmação muito provavelmente seja mais um exercício de retórica do que uma manifestação sincera, mas o que tem-se por certo é que o processo social da constituinte efetivamente se afastou por

completo de um processo “técnico”, a ser conduzido por um conjunto de “especialistas”, levando Barbosa a registrar que:

“A experiência de 1987-1988 rompeu com esse paradigma de processo constituinte, [engessado por uma comissão de notáveis e] restrito às instituições e pautado pelos técnicos do governo. A atuação de um conjunto de deputados e senadores, nem todos (quiçá uma pequena minoria) de perfil técnico, associado à intensa interferência da opinião pública, a mecanismos institucionais de participação popular e a uma dinâmica descentralizada em mais de duas dezenas de subcomissões temáticas sem a orientação de qualquer anteprojeto de Constituição, poderia resultar em qualquer coisa, menos em um texto dotado de “harmonioso sendo unitário de equilíbrio”.” (op. cit.: p. 122)

Para além do marco que constitui “em si”, a Constituição de 1988 restabeleceu de modo formal a separação entre os poderes que o regime militar havia, na prática, sepultado, garantiu ao Ministério Público a prerrogativa de defender o regime democrático, a ordem

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