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PARTE 2 DEMOCRATIZAÇÃO E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL

3. A REDEMOCRATIZAÇÃO E OS OBSTÁCULOS PARA A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL

Esta segunda parte do estudo buscará, após toda a fundamentação teórica, definir e analisar em maior profundidade o modelo de democratização brasileiro e sua relação com a efetivação posterior de medidas de justiça transicional para, desta feita, identificar aquilo que classificaremos como o modelo transicional brasileiro.

Para tanto, seguirá com a metodologia que comungar esforços descritivos com a análise das dimensões normativas e aplicadas de modo a obter uma adequada compreensão do modelo que se esboça, bem como possibilitar a críticas a suas limitações. Ainda quanto a metodologia, cabe aqui uma nota: deixei para este capítulo a refutação de algumas teses de natureza teórica por duas razões. Primeiramente, pois são teses produzidas a partir da contraposição da busca por aplicação concreta dos mecanismos da justiça de transição no contexto brasileiro no período pós-transicional, não sendo, portanto, fora de lugar delas aqui tratar. Em segundo lugar, por serem teses de irão se opor, basicamente, àquilo que compõe o núcleo das teorias do direito e da justiça que este estudo busca fundamentar desde as ideias de Estado de Direito e de Democracia Constitucional, havendo sequenciamento lógico em apresentar e buscar refutar tais teses após a apresentação daquela que fundamenta este estudo.

Desta feita, este capítulo é aberto contraditando teorias produzidas no Brasil sobre a justiça de transição, sua dimensão normativa e modo de aplicação, de modo a seguir analisando os mecanismos transicionais utilizados para a consolidação democrática no Brasil e, posteriormente, o capítulo 04, analisando os mecanismos de justiça de transição, reproduzindo-se na analítica concreta a mesma subdivisão tida para a formulação teórica na primeira parte do estudo. É desse acervo complexo, que analisa a transição para a democracia e a justiça de transição, que parte-se para a formulação do que seja o “modelo brasileiro” de justiça de transicional, calcado na reparação, memória e reformas institucionais, encerrando- se com a afirmação das vantagens e crítica aos défices que este mesmo modelo produz,

fulcrada na ausência de verdade e justiça, e seu impacto em nossa concepção nacional, analítica e concreta, de Estado de Direito e Democracia Constitucional.

3.1. Democratização e Justiça: estabelecendo distinções e refutando oposições teoréticas à efetivação das dimensões da justiça transicional no Brasil

A argumentação até agora construída procurou demonstrar que existe uma distinção latente entre estudos que investigam a transição em si e estudos que investigam a justiça de transição. Essa distinção pode ser qualificada, grosso modo, numa distinção entre a leitura que a literatura da ciência política dá ao fenômeno transicional, enfocada na estabilização de um regime eleitoral equânime e eficiente, e a leitura que a literatura jurídica dá a este fenômeno, verificando como a transição enseja direitos e obrigações desde uma perspectiva específica adotada pelo Estado nacional, que no caso brasileiro será a de um Estado Constitucional de Direito, ou, ainda melhor, de uma democracia constitucional.

A justiça de transição, como antes posto no item 2.1 desde a citação de Bickford (2004: p. 1045), é um campo interdisciplinar de ação e estudo (i) umbilicarmente vinculado aos direitos humanos e (ii) cujo foco central são as vítimas. Ao iniciar um estudo estruturado do caso brasileiro importa destacar novamente esta questão, uma vez que um dos eixos de oposição a implementação das medidas transicionais no Brasil fundamentar-se-á na ideia de que o conceito de justiça transicional defendido pelas entidades, órgãos e agências promotoras de direitos humanos seria tão somente normativo-axiológico, não possuindo uma dimensão propriamente positivo-normativa no ordenamento jurídico o que poderia tornar a efetivação de suas dimensões eventualmente desejável, mas não compulsória, e, mais ainda, produto não de um debate jurídico, mas sim político (tese parcialmente esposada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Roberto Grau, em seu voto relator na ADPF n.º 153/2008, que será objeto de mais detida análise adiante).

Nesse sentido, a mais complexa e elaborada refutação teórica à aplicação concreta da justiça de transição no Brasil, em especial no que concerne a verdade e a memória, e a efetivação de medidas de justiça, restou assentada na obra de Dimolius, Martins e Swensson Junior (orgs., 2010). Essa refutação assenta-se tanto em argumentos de ordem positiva, quanto

em argumentos de ordem filosófica. Os argumentos de ordem positiva serão objeto de análise individualizada quando da investigação analítico-descritiva das quatro dimensões de efetivação da justiça de transição no Brasil, porém os argumentos de ordem teórico- filosóficos devem desde já ser enfrentados, sob pena da teoria que fundamenta todo este estudo restar inviabilizada.

Dimoulis qualifica a visão que caracteriza o conceito globalmente mais aceito de justiça de transição, a qual este estudo se vincula, como normativo-axiológica – no que não deixa de possuir razão – sustentando, posteriormente, basear-se ela numa visão moralista da justiça (DIMOULIS:2010, p. 119) que busca a imposição retroativa de responsabilidade com fundamento em juízos que não seriam de ordem jurídica, mas sim de ordem política (ibiden: pp. 122-123), seguindo uma tradição argumentativa que, neste campo especifico, remonta as já aludidas teses de Herbert Hart (1958; 2001), e finda por apontar duas dificuldades concretas para sua implementação, no momento que a argumentação das possibilidades teóricas de aplicação do conceito conforme proposto defronta-se igualmente com dificuldades de natureza prático-políticas:

“Primeiro, os adeptos do anterior regime nunca se considerarão agressores dos direitos humanos e encarnações do Mal, como lhes apresentam seus adversários políticos. Bastaria conversar com um agente do regime anterior ou ouvir seu depoimento no tribunal para constatar que não só rejeita categoricamente as acusações e rótulos que lhe aplicam os adversários, mas que também apresenta justificativas racionais e plausíveis para a sua atuação.

[...]

Segundo, medidas de justiça de transição sempre são tomadas após mudanças radicais de regime, sendo qual for a orientação política. Atribuir esse título só às transições que nos agradam politicamente, fechando os olhos perante realidades com as quais não concordamos é uma postura que não condiz com as tarefas analíticas (e não apologéticas) do estudioso do direito. “Transição” significa não apenas mudança para regimes democráticos, mas também substituição de democracias por ditaduras.” (Ibiden: p. 119)

A crítica apontada pelo autor incide, se correta a argumentação em construção neste estudo, em pelo menos três equívocos que pretendo a seguir demonstrar. Para que seja funcional, um estudo sobre justiça de transição deve ter bem delineado um conceito de direito e um conceito de justiça, coisa que, evidentemente, qualifica os demais processos desde uma perspectiva axiológica sem que isso desvirtue o processo em arbítrio. Na esteira dos já aduzidos argumentos de Teitel, entendemos que em momentos de fluxo político o próprio conceito de Estado de Direito contém um núcleo normativo referencial, núcleo este que, de toda sorte, também é encontrado em “estados de direito estáveis”, como verificado desde a obra de Rosenfeld, sendo possível, portanto, encontrar desde este núcleo um conjunto de valores-princípio cuja carga normativa permite retirar da penumbra certos períodos da história em que o Direito foi francamente manipulado (como na ditadura), evitando que a manipulação técnica (seja ela tecnicamente própria ou completamente arbitrária) seja utilizada no sentido de volver o direito contra si mesmo, jogando o Estado de Direito num processo de contradição interna irresolúvel entre seus princípios.

É neste sentido que verificam-se na argumentação posta, (i) um equívoco de ordem histórico-teórico quanto a próprio conceito de Estado de Direito e os fundamentos de validade do ordenamento jurídico; (ii) um equívoco de enfoque quanto as expectativas presentes no processo transicional quanto às vítimas e os violadores e, por fim, (iii) um equívoco de objeto pela ausência de uma teoria clara da justiça, que no caso acaba subsumida numa teoria positiva do Direito, conduzindo a uma completa confusão entre “transição” e “justiça de transição”, na medida que resta implícita a hipótese de que exista a possibilidade material de uma “justiça” que conduza a um regime autoritário, enquanto o que poderia existir neste caso é uma “lei de transição” em uma asserção positivista mas que, do ponto de vista de uma teoria do direito e da justiça (no caso deste estudo fundada na ideia de um Estado Constitucional de Direito), careceria de qualquer legitimidade fundante e, portanto, para usar os termos positivistas, de qualquer validade jurídica, pois carente de procedimento. Passa-se a um mais detalhado desenvolvimento:

Primeiramente, para sustentar que a transição gera direitos, partiu este estudo de uma leitura substancial do que é o “Estado de Direito”. Apenas com esta leitura substancial é que se torna possível a localização do conjunto de processos produzidos pela transição política em uma moldura jurídica que permite valorar os procedimentos empregados desde a perspectiva

principiológica do constitucionalismo, clareando as indistinções entre direito e política produzidas pelo regime de exceção e, neste cenário mais claro, identificar os atos e as responsabilidades deles decorrentes frente a um contexto que não é de “justiça retroativa”, mas sim e simplesmente de “justiça”, haja vista que o período de exceção não substitui o Estado de Direito, mas sim vale-se da força para afastá-lo.

É com base nesta argumentação que exclui-se a ideia de uma justiça “retroativa”, pois o que se pretende não é voltar no tempo para aplicar novas normas, mas sim corrigir sua não- aplicação, produzida por um regime de força.

Para a sustentação da ideia de retroação, a tese concorrente vale-se duma tripartição das formas de responsabilização pelo Estado (ibiden: p. 109):

Inicialmente, existe a responsabilização normativa-esperada, onde “as autoridades estatais aplicam normas vigentes em casos nos quais a pessoa responsabilizada conta com a eventualidade de sua responsabilização e conhece aproximadamente a sanção”. Em segundo lugar, a responsabilização normativa-não esperada, onde “certa conduta poderia ser percebida como ilícita com base na literalidade de dispositivos vigentes. Mas o autor e a sociedade não pensam, no momento da realização da conduta, que ensejará responsabilidade jurídica”. E, por fim, a responsabilidade retroativa, que “baseia-se em normas posteriores à conduta” na qual “independentemente da situação legal no período da conduta e da opinião do autor e da sociedade considera-se, hoje, que sua conduta deve ensejar responsabilidade e para tanto são criadas novas normas” (ibiden: p. 109).

A conclusão do autor vem no sentido da existência de uma hipostasiação do debate entorno da justiça de transição, onde, para fundamentar a normatividade de determinadas dimensões da justiça de transição ocorre uma “interpretação extensiva de princípios constitucionais de baixíssima densidade normativa” (ibiden: p. 102, em alusão ao “direito à memória”) pois:

“[...] os doutrinadores e aplicadores do direito sentem-se mais seguros e conseguem melhor justificar sua atuação quando silenciam ou subvalorizam o momento volitivo na aplicação do direito, apresentando sua decisão como

necessária, obrigatória, até “automática”. Dizer que o

operador do direito deve punir um crime ou descobrir a verdade é uma estratégia retórica que causa menos reações do que reconhecer que ele imputa a alguém responsabilidade criminosa ou atribui “efeitos de verdade” a certo relato sobre acontecimentos políticos.

As hipostasiações de processos fluidos e incertos permitem apresentar decisões com forte carga volitiva como decorrência de necessidades conceituais ou fáticas. Por isso fazem parte do arsenal da argumentação retórica.” (ibiden: p. 119-120, grifos meus)

A argumentação bem fundamentada conduz a uma razoável nível de “segurança jurídica” para a tomada de decisões sobre dimensões menores da justiça de transição, como o debate sobre a validade ou não de uma lei de anistia – que motivou, em última análise, a formulação do autor. Inobstante, o conceito de justiça de transição conforme proposto neste estudo adentra de forma mais profunda e interdisciplinar na história, buscando a série de fatos que remete à ideia de responsabilização no rompimento do ordenamento jurídico pelo regime de exceção por meio de expedientes de força, e não no ordenamento jurídico imposto (de forma mais ou menos assentida) pelo próprio regime.

É nesse sentido que, sem fugir a classificação apresentada, o que busca-se é a responsabilização normativo-esperada dos agentes do regime anterior pela ruptura com a ordem e estabelecimento de um regime de arbítrio. Essa responsabilização remonta ao golpe que implicou na quebra do regime constitucional de direito previsto pela Constituição então vigente, evitando que o reconhecimento de um estado de fato como Estado de Direito torne o próprio Estado de Direito incapaz de efetivar qualquer de seus princípios, independentemente de densidades normativas.

Todos os demais fatos e atos jurídicos decorrentes da ruptura com o ordenamento jurídico são, portanto, mais ou menos conectados a um fato gerador inicial cuja responsabilização não é nem não-esperada, pois a esperança em não ser punido pelo rompimento da ordem constitucional não é legitimável frente ao Estado de Direito, constituindo-se meramente em expectativa de impunidade (novamente mediante a força) e, quanto menos, retroativa, pois seja sob uma égide substancial, como a defendida por este estudo, seja por uma égide formal-procedimentalista ou mesmo positivista, não há

fundamento válido para a ruptura da ordem que enseja a mudança no ordenamento que permite, consequentemente, o afastamento da ilicitude e da responsabilidade dos agentes de Estado por determinadas condutas. Na primeira hipótese, considerando-se um ideia minimamente substancialista do direito, temos a completa ausência de legitimidade em si do movimento que afasta a ordem constitucional por meio da força para impor valores anti- democráticos, com violação latente de liberdades fundamentais, no segundo, de viés positivista, como sói de ser evidente, não existia no ordenamento jurídico brasileiro qualquer previsão normativa a autorizar a tomada do poder civil pelos militares nos meios postos, quanto menos para iniciar a alteração do ordenamento por expediente de de atos institucionais que abririam espaço para outras dezenas de mecanismos de arbítrio.

É assim que o argumento da retroatividade só faz sentido se eqüivalermos formalmente o golpe de 1964 a uma espécie de “poder constituinte”, como em certa medida tentaram fazer os próprio militares ao tomarem o poder (sobre esta tentativa, confira-se: BARBOSA, 2009: pp. 38-120) porém, avançando nesta seara, o procedimento formal de equivalência que garantiria a validade dos atos de exceção remontaria ao problema da legitimidade, devolvendo a questão a um campo mais substancial onde, como demonstrado, o golpe não tem guarida.

Portanto, o procedimento analítico que viabiliza esta tese necessariamente depende de um fechamento analítico do campo do Direito cujo cariz faz lembrar a crítica feita, já em 1988, por José Ribas Vieira as metodologias em aplicação pelos estudiosos do Direito que, ao isolarem-se em saberes autônomos e tautológicos, terminavam por gerar explicações que não eram satisfatórias nem do ponto de vista jurídico, nem do ponto de vista político (aqui em sentido lato): “[...] houve [nesse sentido] um visível empobrecimento do campo do Direito no sentido de sua própria capacidade de responder adequadamente as questões básicas, tais como a da existência do fato jurídico nas sociedades e sobre o fenômeno estatal” (RIBAS VIEIRA: 1988, pp. 04-05).

Aceitar a tese de que a propositura de imputação de responsabilidades que impliquem em revisão formal de dispositivos do ordenamento positivo do regime anterior implica em privilegiamento da vontade política dos agentes do novo regime significa, em última análise, dizer que a vontade do antigo regime, por qualquer razão, é juridicamente superior a vontade

do atual, uma vez que tal regime impôs-se por meio da força, e não do direito. É por isso que defende-se, ao contrário disto, que a justiça de transição é mecanismo restitutivo do Estado de Direito, uma vez que efetiva-se não pela vontade política dos vencedores, mas sim pela vontade política da maioria limitada por mecanismos do Estado de Direito, destacando-se que a ruptura por meio da força com este mesmo Estado de Direito não é causa excludente da aplicação de seus princípios no tempo passado.

Por outro lado, se há um fechamento tautológico do campo do Direito na interpretação que nega a responsabilidade, é importante destacar que, na argumentação hipotética sobre os efeitos práticos do processo de justiça quanto aos perpetradores empreendida pela tese que procuro refutar, ocorre uma consideração de ordem política, que conduz àquilo que considera- se o segundo equívoco da argumentação: se há um golpe de Estado que fundamenta um discurso político que o justifica, é legítimo a seus agentes seguirem defendendo tal discurso, seja por nele acreditarem, seja por dele dependerem, mas disso não decorre a não- legitimidade do Estado para a responsabilização dos atos aos quais este discurso se refere.

Embora um dos objetivos da justiça de transição seja a reconciliação nacional, não faz parte de seu escopo a ilusão de que, ao final de um processo de responsabilização, os agentes violadores venham a reconhecer sua eventual culpa e aderir ao discurso democrático. Pesquisas etnográficas apontam, no mesmo sentido do exemplo apresentado na citação que apresenta a tese que contesto, a tendência ao uso de formas de negação da legitimidade do julgamento, com a utilização dos depoimentos por parte de antigos perpetradores de crimes como mecanismos de re-engajar e re-construir a história do regime, permitindo-lhes angariar algum capital político com o processo judicial. Nesse sentido, afirma Payne:

“[...] o curso confessional permite aos perpetradores reinventar seu passado através da narrativa. Os perpetradores não recontam seu passado como ele ocorreu naquele tempo, nem necessariamente possuem uma “pretensão de veracidade ou exatidão”. As histórias que eles contam podem ser moldadas, consciente ou inconscientemente, para ajustarem-se a um momento político de especial necessidade pessoal. [...] Rendições de contas ou reinvenções do passado por parte dos perpetradores incluem remorso, heroísmo, negação,

sadismo, silêncio, mentiras e ficções, amnésia e traição.” (2008, p.19 - tradução livre90)

O fato de relevância central aqui é dever do Estado de Direito identificar os responsáveis por violações de qualquer natureza e que isso não implica em neles identificar o “Mal absoluto”, mas apenas suas parcelas individuais de responsabilidade por atos praticados em flagrante violação ao Estado de Direito ou para dar sustentação a seus violadores. Assim como não é necessário que um estelionatário identifique-se enquanto tal e sinta-se culpado ao chegar ao banco dos réus, o papel do Estado na justiça de transição não é o de tornar um defensor do regime em um crítico, mas sim de devolver ao processo judicial sua normalidade, tornando investigáveis e puníveis as condutas praticadas e remediando, por meios individuais ou coletivos, os males que tenham sido cometidos em nome do próprio Estado durante o período de exceção. A postura do perpetrador da violação, seja sincera ou estratégica (como as apresentas por Payne), é algo com que o Estado de Direito deve lidar procedimentalmente, separando o sentimento que o próprio tem em relação a seus atos da classificação que o direito democrático dá aquela mesma conduta no plano genérico, abstrato e universalizável da lei, respeitadas todas as garantias fundamentais.

A consideração de que “um agente do regime anterior [...] não só rejeita categoricamente as acusações e rótulos que lhe aplicam os adversários, mas [...] também apresenta justificativas racionais e plausíveis para a sua atuação” é bastante equivocada, ao fazer parecer que existe a intenção de usar o direito durante o processo transicional para reabrir um debate sobre quem estava correto e quem estava errado num dado momento de conflagração social, enquanto o debate que interessa à justiça de transição é outro: quem é responsável e em que medida por graves violações ao Estado de Direito e aos Direitos Humanos. Não faz parte do escopo da justiça de transição debater se os defensores do regime soviético estavam corretos ao defender o comunismo, ou se correto estava o regime militar brasileiro ao lutar contra os comunistas, seu objetivo é a consecução de um Estado de Direito e, portanto, a responsabilização por violações a este, sem que para tanto adentre-se em

90 “[...] confessional scripts allow perpetrators to reinvent their past through narrative. Perpetrator do not recount

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