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2 O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA CORTE IDH: CASO

2.5. A DECISÃO DA CORTE

Diante de todas as provas apresentadas, a Corte IDH concluiu que no caso havia “existência de um mecanismo de aliciamento por meio de fraudes e enganos, criação de dívidas impagáveis, submissão a jornadas exaustivas, sob ameaças e violência, e condições de degradantes, além do fato de não ter perspectiva de sair dessa situação” (CORTE IDH, 2016, p. 79). Assim, a Corte considerou que a situação na qual os trabalhadores se encontravam cumpria os elementos para que se configurasse a escravidão.

Além disso, também considerou que os trabalhadores resgatados na Fazenda Brasil Verde foram vítimas de tráfico de pessoas, levando em conta todo “contexto de aliciamento e captação por fraude, engano e falsa promessa, os detalhes do funcionamento do tráfico contemporâneo de pessoa para fins de exploração no Brasil e o conceito da violação adotado pela Corte” (CORTE IDH, 2016, p. 80).

No que diz respeito às violações à personalidade jurídica, integridade pessoal, liberdade pessoal, honra e dignidade e circulação e residência, a Corte IDH considerou que a escravidão tem do caráter pluriofensivo, e, portanto, a análise do artigo 6 da CADH já abarca os elementos inseridos nesses direitos, não sendo necessário analisa- los de forma individual, sendo eles considerados na determinação da responsabilidade estatal e das reparações (CORTE IDH, 2016, p. 80).

A sentença reforçou que como a escravidão “representa uma das violações mais fundamentais à dignidade e vários outros direitos, por seu caráter pluriofensivo” (CORTE IDH, 2016, p. 83), os Estados devem agir no sentido de criar condições para que elas não se repitam. Ademais, vale ressaltar que essas obrigações são reforçadas por

se tratar de norma jus cogens e, pela gravidade e intensidade da violação causada por essa prática (CORTE IDH, 2016, p. 83-84).

A Corte IDH ressaltou ainda que mesmo sendo o dever de prevenção meio e não de resultado, o Estado falhou em demonstrar que as políticas públicas implementadas, desde o ano do reconhecimento por ele da existência de trabalho em condições análogas à de escravo em território brasileiro foram suficientes e efetivas para prevenir a perpetuação dessa prática, além de indicar que não houve a diligência necessária em face da gravidade dos fatos, da vulnerabilidade das vítimas e da obrigação internacional do Estado de prevenir a escravidão (CORTE IDH, 2016, p. 85-86). Conforme destaca esse trecho da decisão:

(...) uma série de falhas e negligência por parte do Estado no sentido de prevenir a ocorrência de servidão, tráfico de pessoas e escravidão em seu território antes do ano 2000. Além disso, o fato da polícia não ter atendido de pronto e imediato os dois trabalhadores que tinham conseguido fugir da fazenda, demonstrou violação à obrigação de devida diligência, principalmente quando os fatos denunciados se remetem a um delito grave como a escravidão (CORTE IDH, 2016, p. 85).

Ao final, a Corte IDH considerou que o Estado brasileiro violou o direito a não ser submetido à escravidão e ao tráfico de pessoas, do artigo 6.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1, 3, 5, 7, 11 e 22 do mesmo instrumento, em prejuízo dos 85 trabalhadores resgatados em 15 de março de 2000. Violou ainda o artigo 6.1, em relação ao artigo 19 da CADH em relação ao senhor Antônio Francisco da Silva, por ser criança no momento dos fatos. Violou o artigo 6.1 em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, produzido no marco de uma situação de discriminação estrutural histórica, em razão da posição econômica dos trabalhadores (CORTE IDH, 2016, p. 90), culminando na condenação do Brasil no caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde.

Assim, como medidas de investigação, satisfação e garantias de não repetição, bem como de indenização compensatória, a Corte IDH dispôs que o Estado deve retomar os processos penais para processar e, se for o caso, punir os responsáveis pelas violações, deve ainda publicar a sentença a fim de torna-la de conhecimento geral, adotando ainda medida que apliquem a imprescritibilidade aos delitos de escravidão pelo fato de ser norma jus cogens, pagar indenização às vítimas e após um ano da sentença apresentar um relatório informando o cumprimento das medidas importas. Proferiu, então, sua decisão nos seguintes termos:

O Estado deve reiniciar, com a devida diligência, as investigações e/ou processos penais relacionados aos fatos constatados em março de 2000 no presente caso para, em um prazo razoável, identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis, de acordo com o estabelecido nos parágrafos 444 a 446 da presente Sentença. Se for o caso, o Estado deve restabelecer (ou reconstruir) o processo penal 2001.39.01.000270-0, iniciado em 2001, perante a 2ª Vara de Justiça Federal de Marabá, Estado do Pará, de acordo com o estabelecido nos parágrafos 444 a 446 da presente Sentença.

O Estado deve realizar, no prazo de seis meses a partir da notificação da presente Sentença, as publicações indicadas no parágrafo 450 da Sentença, nos termos dispostos na mesma.

O Estado deve, dentro de um prazo razoável a partir da notificação da presente Sentença, adotar as medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão e suas formas análogas, no sentido disposto nos parágrafos 454 e 455 da presente Sentença.

O Estado deve pagar os montantes fixados no parágrafo 487 da presente Sentença, a título de indenizações por dano imaterial e de reembolso de custas e gastos, nos termos do parágrafo 495 da presente Sentença.

O Estado deve, dentro do prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença, apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para dar cumprimento à mesma, sem prejuízo do estabelecido no parágrafo 451 da presente Sentença. (CORTE IDH, 2016, p. 124)

Percebe-se, assim, que apesar da sentença trazer características relevantes para o combate ao trabalho em condições análogas à escravidão no Brasil, como a questão da imprescritibilidade é uma norma jus cogens, ela não trata da obrigatoriedade de continuar e melhorar os serviços de fiscalização ou sobre as medidas necessárias para enfrentar a questão da desigualdade estrutural em razão da pobreza.

Neste sentido, vale ressaltar que o combate à pobreza deve ser direcionado para a pobreza real, ou seja, a pobreza de capacidades, e não a pobreza de renda. Uma política pública deve ser pensada buscando atingir o fim, e não os meios para cessar um problema social. É com esta lógica que Sen (2000, p. 114) se manifesta nos seguintes termos:

É perigoso ver a pobreza segundo a perspectiva limitada da privação de renda e a partir daí justificar investimentos em educação, serviços de saúde, etc. com o argumento de que são bons meios para atingir o fim da redução da pobreza de renda. Isso seria confundir os fins com os meios.

Assim, ao enfrentar a questão da pobreza, que está intrinsecamente relacionada à escravidão contemporânea, pois configura como um fator que possibilita a

superexploração das vítimas, importa entende-la como privação das capacidades individuais, sendo necessário um conjunto de investimentos para que essas capacidades sejam desenvolvidas, diminuindo as privações humanas e aumentando a produtividade e, consequentemente o poder de auferir renda.