Muitos são os pedidos que ingressam na justiça, solicitando revisão das cláusulas abusivas praticadas nos contratos de adesão em benefício das empresas seguradoras de planos de saúde.
Com o objetivo de explicitar o que foi exposto até o momento, destaca-se apenas uma jurisprudência que evidencia os abusos cometidos nos contratos de
empresas seguradoras de planos de saúde, principalmente após o cidadão completar 60 anos de idade.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul se manifestou pelo provimento parcial do recurso à autora da ação, reduzindo o aumento estipulado de 100% para 30%, conforme se verifica:
PLANO DE SAÚDE. AUMENTO DA CONTRIBUIÇÃO EM RAZÃO DE
INGRESSO EM FAIXA ETÁRIA DIFERENCIADA. PREVISÃO
CONTRATUAL. AUMENTO DE 100%. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. APLICAÇÃO SIMULTÂNEA DA LEI 9.565/98 (sic) E DO CÓDIGO DE DE-
FESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL.
UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. A C Ó R D Ã O
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA.
R E L A T Ó R I O
Narra a parte autora que possui plano de saúde da empresa requerida há muitos anos. Alega que a mensalidade que costumava pagar sofreu um aumento repentino de 100%, ao completar 60 anos. Requer o reconhecimento da abusividade no reajuste da mensalidade, condenando a requerida a revisar o contrato, desconstituindo o aumento de 100%, bem como o pagamento de indenização pelos danos materiais, desde fevereiro de 2002 e pelos danos morais sofridos.
[...].
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial, declarando nulo o reajuste de 100% sobre o valor da mensalidade, determinado a devolução dos valores pagos em excesso, mantendo as parcelas no valor de R$157,05 Recorrem ambas as partes.
V O T O S
DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)
Primeiramente analiso o recurso da ré, adiantando desde já que será desprovido.
[...].
Justamente em razão da necessidade de tutela dos consumidores idosos é que o legislador ordinário editou algumas regras protetoras de seus interesses, como é o caso do parágrafo único do art. 15 da Lei 9.565/98 (Lei dos Planos de Saúde), em sua redação originária:
“Art. 15. É facultada a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos e seguros de saúde de que trata esta Lei em razão de idade do consumidor, desde que sejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme critérios e parâmetros gerais fixados pelo CNSP. Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, se já participarem do mesmo plano ou seguro, ou sucessor, há mais de dez anos”.
[...].
A jurisprudência gaúcha tem entendido que a previsão de aumento da contribuição, em razão de mudança de faixa etária, por si só não é ilegal ou abusiva, quando houver informação esclarecida a respeito. [...].
No caso em tela, ocorreu um aumento de 77,08% quando o contratante atingiu a idade de 66 anos. Tenho que o percentual de aumento é de todo despropositado, desarrazoado e desproporcional ao aumento dos riscos a que o contratante passou a estar sujeito, ao ingressar em outra faixa etária. [...].
A solução que se propõe, portanto, é o parcial provimento do recurso, a fim de se admitir o aumento na contribuição devida pela autora à ré, na ordem de 30% sobre o valor que vinha pagando antes de completar 60 anos. “ No tocante ao recurso da autora, tenho que merece parcial acolhimento. [...]
Assim, a solução que se propõe, portanto, é o desprovimento do recurso da ré e o parcial provimento do recurso da demandante, a fim de manter a sentença recorrida, tendo por indevida a majoração da mensalidade do plano de saúde em função da alteração da faixa etária do beneficiário e reconhecendo o prazo prescricional de 5 anos.
VOTO, pois, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA, a fim de reconhecer o prazo prescricional de 5 anos, mantendo a sentença quanto aos demais aspectos. "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA. UNÂNIME." (BRASIL, 2010, grifo do autor).
Observa-se no presente caso a cláusula extremamente abusiva em relação ao reajuste aplicado na mudança de faixa etária. Isso, além de ser considerado um abuso, é uma afronta ao direito do cidadão que tem na CF/88 a saúde como um direito social consolidado. Inviabiliza o pagamento das pessoas que não têm condições de pagar esse valor abusivo, tornando-se inadimplentes, e, conseqüentemente, excluídas do direito de ter um plano de saúde.
As jurisprudências têm dado parecer favorável ao consumidor, tomando por base várias legislações: a CF/88, o CDC, a Lei nº 9.656/98, o Estatuto dos Idosos, Medidas Provisórias, como também, o respaldo em outros processos, levando em consideração sempre o direito da parte mais fraca que está sendo lesada de um maior direito: o direito à saúde.
Por fim, é preciso ressaltar que está correto o Estado dar maior proteção ao indivíduo economicamente mais fraco, mas isso não pode ser justificativa para que excessos sejam cometidos, pois desestimulam a atividades que buscam atender as necessidades da coletividade. É preciso prevalecer sempre em qualquer relação jurídica o princípio da boa-fé.
CONCLUSÃO
Na sociedade capitalista impera a necessidade de se obter lucros a qualquer custo. Assim, evidenciam-se, cada vez mais, situações de abusos cometidas contra pessoas mais frágeis ou menos esclarecidas. São cidadãos destituídos de poder econômico e de conhecimento.
Nesse sentido, procurou-se expor com a presente monografia os abusos cometidos nos contratos firmados pelas empresas de planos de saúde, nos quais o consumidor é lesado por assinar um contrato de adesão firmado numa relação de consumo, em que prevalece os interesses apenas do fornecedor. Não havendo a participação do consumidor na feitura do contrato, a empresa coloca o que mais lhe convém ou interessa, infringindo os interesses da outra parte.
O Direito do Consumidor passou, então, a ser um elemento importante de afirmação da cidadania, estabelecendo o regime jurídico e legal das condições gerais dos contratos. O CDC é esse instrumento que protege a parte mais fraca e mais carente, mas é preciso também defender uma causa justa, pois, se assim não for, estar-se-á fazendo o mesmo que as empresas, abusando da legislação por saber que ela o protege. Portanto, é preciso exigir direitos que realmente são seus e que estão dispostos em leis.
A legislação existe para ser cumprida. Se assim as empresas não procederem, a justiça está à disposição para dirimir os conflitos existentes nas relações de consumo. Neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de proteger o consumidor das facetas do fornecedor, determina que se cumpra a igualdade contratual. Desta forma, deve prevalecer nas cláusulas
contratuais a boa-fé e, caso, exceda esse princípio, será abusiva e sem eficácia. Se imperar o que rege a lei nos contratos e o princípio da boa-fé muitos casos serão resolvidos, evitando-se o acúmulo de processos na justiça.
Entre os direitos que o CDC protege está a defesa do consumidor em relação aos planos de saúde que se apresentam muitas vezes permeados de cláusulas abusivas. É preciso que se tenha conhecimento disso para que, se lesado o direito do consumidor com cláusulas abusivas constantes nos contratos de adesão, possa recorrer, tendo em vista que a saúde é o direito mais importante de vida do cidadão positivado na Lei Maior. Por isso, a defesa do consumidor, além de estar assegurada pela CF/88, precisa ser efetivada com políticas públicas que atendam as necessidades da coletividade. Reside, portanto, numa responsabilização do Estado pela prestação de serviços que assegurem a saúde à população, bem como no controle e a imposição de fazer valer a lei quando do estabelecimento de contratos de planos de saúde para que não haja abusos e má-fé da empresas em relação à parte mais fraca, qual seja o consumidor.
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