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Capítulo 1 – CONSTRUINDO A CIDADE, CRIANDO VALORES:

1.1 DECISÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE BELO HORIZONTE

A mudança da capital mineira tem sido um tema recorrente em diversos estudos sobre Belo Horizonte. Nesses estudos, a cidade como problema e objeto de reflexão tem tido 70 RIBEIRO; CARDOSO, 1996, p. 59. 71 SILVA, 2003, p. 149. 72 DE LUCA, 1999. 73 SILVA, 1997, p. 23. 74 SILVA, 1997, p. 21.

diferentes interpretações que têm contribuído com elementos concorrentes na construção do seu imaginário. Não pretendo aqui fazer novas interpretações sobre a criação da cidade, mas, a partir de estudos realizados, procuro entender o que foi idealizado para a capital mineira, para, a partir daí, analisar o esporte como uma das práticas constitutivas de sua cultura.

Nesse sentido, o que se pode avaliar nesses estudos é que a idéia de mudar a capital de Minas Gerais foi revestida de forte conotação política, como também de fatores econômicos. Sonhada pelos inconfidentes, esse intento somente foi conseguido com o advento da República e a parcial autonomia adquirida pelos Estados, com o estabelecimento do regime federativo em 1891. As transformações econômicas advindas do desenvolvimento da cafeicultura também foram significativas.75

O projeto da nova capital foi gestado em meio a uma crise política interna, na qual facções diversas disputavam o poder. Era preciso, então, criar uma capital que fosse o centro político-administrativo capaz de congregar suas elites, garantindo a ordem interna e preservando a autonomia do Estado perante a nação.

A escolha da localidade foi feita com base em um estudo minucioso, realizado pela

Commissão d‟Estudo das Localidades indicadas para a nova capital..., sob a coordenação de

Aarão Leal de Carvalho Reis,76 em cinco lugares indicados pelo Congresso Mineiro: Belo

Horizonte, Paraúna, Barbacena, Várzea do Marçal e Juiz de Fora.77 Esse estudo abrangia

desde o levantamento da planta topográfica até a redação das regras a que as edificações particulares deveriam obedecer, sob o ponto de vista técnico, estético e higiênico.78 Esse

documento, que pode ser considerado inovador para o Brasil do final do século XIX,

75 CHIAVARI, 1985. 76

Aarão Leal de Carvalho Reis (1853-1936) era natural de Belém do Pará, filho de família ligada à política. Estudou na Escola Central do Rio de Janeiro, mais tarde Escola Politécnica, onde se habilitou como engenheiro-geógrafo (1872), bacharel em ciências físicas e matemáticas (1873), e engenheiro civil (1874). Foi professor nessa escola, na qual se tornou, em 1880, catedrático de Economia Política, Estatística e Direito Administrativo. Amigo pessoal de Afonso Pena, foi pessoa de sua absoluta confiança. (Cf. DICIONÁRIO, 1997, p. 222; BARRETO, 1995, v. 2, p. 29.)

77 Segundo Rezende (1974, p. 155), essas localidades foram escolhidas após uma seção extraordinária do Congresso Legislativo Mineiro, quando foi promulgada uma lei adicional à Constituição – Lei Adicional n.1, de 28 de outubro 1891. A duas primeiras situavam-se na zona central do Estado, no vale do rio das Velhas, sendo que a segunda se situava mais ao norte, aproximadamente no centro geométrico do Estado.

78REIS, 1893. Commissão d‟Estudos das Localidades indicadas para nova capital – janeiro a maio de 1893 –

Relatório apresentado a Dr. Affonso Pena (Presidente do Estado) pelo engenheiro Civil Aarão Reis. A

comissão foi composta por Aarão Reis, cinco engenheiros, quase todos egressos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, e um médico higienista – Dr. José Ricardo Pires. Cada engenheiro ficou responsável por fazer um minucioso levantamento sobre os locais que haviam sido indicados, pelo Congresso Mineiro, para a nova capital. Samuel Gomes Pereira foi para Belo Horizonte; Eugênio de Barros Raja Gabaglia para Juiz de Fora; Luiz Martinho de Morais para Paraúna, na região de Diamantina; José de Carvalho Almeida para Várzea do Marçal, nas proximidades de São João del-Rei, e Manuel da Silva Couto para Barbacena, local em que Aarão Reis instalou o escritório da Comissão.

apresentava um conhecimento técnico-científico com referência à cidade e o território, tendo como suporte o pensamento de mestres franceses.79

Das cinco localidades, a Várzea do Marçal, nas proximidades de São João del-Rei, foi

a indicada pelo estudo, por possuir “condições topographicas verdadeiramente excepcionaes para a fundação de vasto e importante centro de população”. Foi seguida pelo Arraial Belo

Horizonte, que também, sob o ponto de vista topográfico e localização geográfica, possuía boas condições técnicas para a edificação de uma grande cidade.80

No relatório de Samuel Pereira, engenheiro que analisou Belo Horizonte, os valores aliados ao sítio eram significativos por

apresentar a localidade, em seus principais lineamentos topographicos, a bella forma de um vasto e amplo amphiteatro, aberto para o oriente, como que para receber desde cedo os beneficos raios solares [...]. Esse bello amphitheatro offerece, sob forma de um dodecagno, superfície superior a 1.900 hectarios e sufficiente portanto para o estabelecimento, em boas condições hygienicas, de uma população de 190.000 habitantes a razão de 100m2 por habitante, média mais folgada, como ja dissemos, que as principais cidades européas e americanas edificadas em condições sanitárias vantajosas.81

Ao analisar a composição da representação que aprovou Belo Horizonte por pequena margem de votos, Maria Efigênia Resende afirma que, mesmo diante das polarizações de interesses regionais que se mantiveram inalteradas após o estudo e debates, os votos para Belo Horizonte vieram predominantemente da zona central e do norte do Estado, bem como de alguns aliados de outras zonas. Votaram contra os representantes da zona da Mata, do sul e do Triângulo, além de parte da zona dos Campos. O que pesou na escolha, segundo Efigênia, foi

a atuação de Afonso Penna, que parece ter desempenhado “papel decisivo na luta por Belo Horizonte”. Sua atuação teria sido motivada pela busca do equilíbrio econômico como

condição da unidade política do Estado, posição que ultrapassava os interesses regionais.82

Em diferentes estudos, mesmo apresentando posturas divergentes, os autores vêem a questão da localização da nova capital mineira como objeto de disputa das forças políticas ou como um projeto modernização da economia mineira.83

79 SALGUEIRO, 2001. 80 REIS, 1893, p. 19-21. 81 REIS, 1893, p. 20-21. 82 RESENDE, 1974, p. 149.

Assim, no dia 17 de dezembro de 1893, pela Lei n. 3, adicional à Constituição do Estado, foi escolhido o local para a nova capital, que passaria a se chamar Cidade de Minas. O nome Cidade de Minas não vingou. Em 1901, o Congresso estabeleceu o nome Bello Horizonte, dado ao arraial em 1890.84 A referida lei oficializava o recorte do arraial,

autorizando a divisão dos terrenos em lotes nas suas respectivas funções, a determinação de terrenos para edificações públicas, as questões de desapropriações, concessão de diversos serviços a particulares, bases para a construção de moradias para funcionários públicos, concessão de títulos de propriedade para ex-habitantes de Ouro Preto. Para a edificação da cidade, no prazo de quatro anos, foi constituída uma comissão de engenheiros85

e técnicos de reconhecido prestígio no País.

A derrubada do arraial para construir uma cidade moderna simbolizava a tradução da pretensão republicana: sair do atraso para o progresso.

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