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Capítulo 1 – CONSTRUINDO A CIDADE, CRIANDO VALORES:

1.2 OS PASSOS DA COMISSÃO CONSTRUTORA DA NOVA CAPITAL

Organizada pelo Decreto n. 680, de 14 de fevereiro de 1894,86 a Comissão Construtora

da Nova Capital (CCNC) encarregou-se, durante o período de quatro anos, do planejamento e da construção inicial da nova capital do Estado de Minas Gerais. Instalada no Arraial Bello Horizonte, antes Curral del-Rei, a partir de 1o de março de 1894, conduziu os trabalhos necessários à construção da cidade até sua inauguração, com a transferência do Poder Público para a nova capital, em 12 de dezembro de 1897.

A sua missão era implantar os espaços necessários e suficientes para iniciar a cidade, para a instalação dos primeiros 30 mil habitantes, mas que pudesse comportar, no futuro, até 200 mil habitantes. A comissão foi extinta pelo Decreto n. 1.093, de 3 de janeiro de 189887

.

84 BELO Horizonte: bilhete... 1997.

85 Alguns desses engenheiros eram egressos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e da Escola de Minas em Ouro Preto, como também de escolas no exterior. Segundo Simon Schartzman, o que deu sentido à Escola Politécnica do Rio de Janeiro, como também à Escola de Minas e, de certa forma, à Politécnica de São Paulo, foi “o papel que desempenhou na criação de uma nova linhagem de intelectuais de elite, capazes de pôr em cheque a cultura estabelecida dos bacharéis e da Igreja, em nome da ciência moderna. A doutrina positivista deu aos engenheiros a certeza de que tinham o direito e a competência de gerir a sociedade, que se tornaria melhor e mais civilizada se o poder estivesse em suas mãos”. (SCHARTZMAN, 1987, p. 51.)

86 MINAS GERAIS. Decreto n. 690..., 1895, p. 118-129. 87 MINAS GERAIS. Decreto n. 1.093..., 1899, p. 1.

A instituição desse órgão específico, que possuía completa autonomia e era subordinado diretamente ao presidente da Província, representou, segundo Maria Chiavari, o fortalecimento do Poder Executivo, substituindo a ação parlamentar pela ação direta de um órgão técnico-administrativo, ficando o poder decisório concentrado nas mãos do presidente da Província:

Esse procedimento frisa, paralelamente, uma ruptura com a corrente liberal que combatia a intervenção do Estado e estabelece uma imposição do público sobre o privado, no papel atribuído ao Estado de árbitro capaz de garantir o funcionamento da sociedade capitalista.88

Essa forma escolhida teve como referência o modelo de organização com o qual Haussman assumira o comando das operações em Paris. A adoção de um esquema envelhecido e definido por uma realidade econômica diferente, na percepção de Chiavari, tinha, naquele contexto, a exigência de concentrar e reorganizar a estrutura do poder, para que, no tempo estipulado, pudessem realizar “uma obra urbana „moderna‟, de dimensão sem

precedentes”. Além do mais, o modelo francês apresentava uma solução possível para o

contexto específico de uma estrutura parlamentar administrativa e legislativa jovem e frágil, na qual a bagagem colonial ainda pesava muito.89

Os trabalhos da CCNC apresentaram duas fases distintas. A primeira, fase inicial de planejamento, foi organizada e chefiada pelo engenheiro Aarão Reis.90 A segunda, fase de

execução das obras de construção da cidade, teve à frente o engenheiro Francisco Bicalho.91

88 CHIAVARI, 1985, p. 584. 89

CHIAVARI, 1985, p. 584.

90 Na fase inicial, Aarão Reis concebeu a CCNC como um sistema organizado em seis divisões de serviço, com tarefas especificadas e separadas entre serviços técnicos, administrativos e contábeis. Nesse momento, a Planta Geral da Cidade já havia sido aprovada e as obras já haviam sido iniciadas, entre elas a construção do Ramal Férreo ligando o arraial à Estrada de Ferro Central do Brasil e a demarcação de avenidas, ruas e quarteirões. Aarão Reis permaneceu a frente da CCNC no período de fevereiro de 1894 a maio de 1895, tendo deixado a comissão por divergência com o governo do Estado, no mandato de Bias Fortes, iniciado em 7 de setembro de 1884. (BARRETO, 1995, v. 2.)

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Francisco de Paula Bicalho, natural de São João del-Rei (1847- 1919), era engenheiro civil, diplomado em 1871 pela Escola Central, mais tarde Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Antes de ingressar na CCNC, atuou na construção ferroviária (Estrada de Ferro D. Pedro II) e no serviço de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro. Bicalho ficou à frente da CCNC de maio de 1895 a janeiro de 1898, período em que a CCNC passou por uma reforma, reduzindo seu quadro de pessoal e reorganizando as divisões de serviço. Merece destaque a organização da 3a divisão, especificamente criada para cuidar dos serviços municipais, que seria o núcleo inicial da futura Prefeitura Municipal. Com essa divisão, aumentou o controle do Governo do Estado sobre a ocupação dos espaços da cidade. Responsável pela execução de inúmeras obras, o período de sua administração foi caracterizado pelo ritmo intenso de construções, com o assentamento da pedra fundamental de importantes edifícios públicos, como o Palácio da Liberdade e secretarias, e pela inauguração do Ramal Férreo. Em dezembro de 1897, logo após a instalação oficial da nova capital, Bicalho solicitou sua exoneração

Todo o trabalho da CCNC, baseado no saber técnico dos engenheiros, estava voltado para a busca da civilização e do progresso, e a cidade a ser construída deveria ser um monumento que representasse os valores da República que se consolidava. E a modernidade –

expressão artística e intelectual de um projeto histórico chamado “modernização” produzido

pela ordem burguesa capitalista92– deveria permear todas as ações, numa encenação repetida

de nouveauté. Com ela aparece a experiência histórica, individual e coletiva do viver em metrópole.

Para um entendimento sobre os pilares da modernidade, podemos aliá-lo a quatro eixos estruturantes de significados: o primeiro estaria ligado a uma forma específica de organização do poder – o Estado Moderno. O segundo é relativo ao mercado e as relações capitalistas de produção. O terceiro, considerado fundante da modernidade, parte da contribuição de Max Weber no sentido de que há na cultura ocidental, durante os séculos XIV, XV e XVI, uma autonomização das esferas da ética, da ciência e das artes, dos contingentes religiosos e metafísicos. O quarto seria a institucionalização de um critério de sociabilidade, na qual o sentido é dado pela liberdade individual. 93

Os valores da modernidade possibilitavam, assim, constante invenção, em que tudo poderia ser modificado, como os negócios, a política, o Estado e os indivíduos, nos quais a

consciência de “novo” e mudanças estética impunham-se a todo instante. Assim, a concepção

e a construção de Belo Horizonte foram permeadas de uma simbologia do moderno, por meio da qual a política e a técnica aspiravam a uma nova racionalidade.

As medidas indispensáveis às cidades modernas, como a salubridade, o saneamento e o embelezamento, foram evocadas salientando a necessidade de melhorias higiênicas e de conforto.

Angel Rama diz que “uma cidade, antes de aparecer na realidade, existe como representação simbólica”.94 Tendo a cidade sido planejada, produzida em representações,

antes mesmo da escolha do local, é importante ressaltar que, ao se decidirem por um pequeno arraial dos tempos coloniais, a postura da CCNC, seguindo as decisões do Congresso Mineiro, foi de destruir totalmente o lugar, desqualificando o que antes ali havia existido, para no espaço edificar a nova capital, que surgiu sobre as ruínas do velho Curral del-Rei.

do cargo de engenheiro-chefe, fato que ocorreu somente em janeiro de 1898, com a extinção da CCNC. (DICIONÁRIO, 1997; BARRETO, 1995, v. 2.)

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Conceito apresentado por Wille Bolle, numa leitura benjaminiana de cidade em Bolle (2000, p. 24). 93 Essas idéias são discutidas por Paula (2000).

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