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1. Os princípios do contraditório e da ampla defesa

1.4. Defesa

1.4.1. A defesa técnica e a súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal

Durante muito tempo se discutiu sobre a obrigatoriedade da presença de advogado na defesa do servidor acusado em processo disciplinar. Duas eram as principais correntes existentes sobre o tema, sendo que para a primeira a defesa do servidor deveria ser realizada necessariamente por profissional habilitado – o advogado -, sob pena de violação aos princípios do contraditório e ampla defesa e consequente nulidade do processo.

De acordo com a segunda corrente de entendimento, a defesa técnica não seria imprescindível no processo administrativo disciplinar, podendo o servidor defender-se por intermédio de advogado, ou não.

Assim, visando à uniformização da jurisprudência sobre o assunto, no ano de 2007 o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 343 preconizando ser obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

No entanto, menos de um ano após a edição da súmula do STJ, o Supremo Tribunal Federal adotou entendimento diametralmente oposto ao editar a súmula vinculante n. 5 que preceitua: ―A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não

ofende a Constituição”. Portanto, vige nos nossos Tribunais o entendimento vinculante segundo o qual a inexistência de nomeação de advogado dativo ao servidor citado por edital não culminaria de nulidade o processo disciplinar.

Com respeito aos argumentos expendidos pela Corte Suprema, entendemos que a defesa técnica é obrigatória no processo administrativo disciplinar, diante do caráter pessoal da pena imposta nesses processos, que aproximam o seu regime ao estabelecido no âmbito processual penal.

A indispensabilidade da defesa técnica nesse caso, é decorrente dos princípios do contraditório e ampla defesa e também do artigo 133 da Constituição da República, que estabelece ser o advogado instrumento indispensável à administração da Justiça.

Sobre o tema, concordamos com a posição adotada por Lucia Vale Figueiredo, no sentido de que:

O direito à defesa técnica está ínsito no direito de ampla defesa, inserido no processo penal.

Se a parte acusada da prática de infração administrativa ou disciplinar não se defender por advogado, deverá ser nomeado defensor.

Ainda, se defesa não houver, quer por revelia, quer porque entenda a parte de não se defender, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária, do mesmo modo que no processo penal, sob pena de nulidade. 181

No ano de 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representado por Romeu Felipe Bacellar Filho, ingressou no Supremo Tribunal Federal com pedido de cancelamento da súmula vinculante nº 5, amparando-se, justamente, nos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Alternativamente foi requerida a alteração do enunciado, para constar que ―se houver advogado constituído, a sua não intimação nulifica o processo‖. Recentemente,182 em março de 2011, o pedido foi reautuado como Projeto de Súmula Vinculante nº 58, encontrando-se no aguardo de julgamento pela Corte Suprema.

1.4.2. O direito ao silêncio

181 Curso de direito administrativo. 9. ed. rev. ampl. e atual.. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 439.

182 Notícia publicada no sitio do Supremo Tribunal Federal, em 24/03/2011 www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=175280

Outro desdobramento da ampla defesa encontra-se no direito ao silêncio, que abrange, além do direito de permanecer calado, o direito à não auto-incriminação, ou seja, de não declarar fato contra si próprio e de não se declarar culpado.

De acordo com o artigo 5º, LXIII, da Constituição da República, ninguém é obrigado a produzir prova contra si, sendo constitucionalmente garantido o direito ao silêncio diante de uma acusação. Apesar de o dispositivo constitucional referir-se a preso, essa garantia estende- se a todos os acusados, como desdobramento do princípio da ampla defesa. Portanto, nenhum acusado, em processo judicial ou administrativo, está obrigado a participar de qualquer ato processual que julgue contrário aos seus interesses.183

O Pacto de São José da Costa Rica, firmado pelo Brasil na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, e que já ingressou na ordem jurídica nacional, cumprindo o rito determinado pela Constituição da República, reafirmou o direito de ninguém ser obrigado a produzir prova contra si (artigo 8º, 2. ‗g‘).184

Não mais subsistem dúvidas a respeito da aplicabilidade do direito ao silêncio e seus desdobramentos ao processo administrativo sancionador, como se verifica dos julgados do Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Celso de Mello:

183 Nessa esteira é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: ―Recurso ordinário - mandado de segurança - processo administrativo disciplinar - embriaguez habitual no serviço - coação do servidor de produzir prova contra si mesmo, mediante a coleta de sangue, na companhia de policiais militares – princípio do ‗nemo tenetur se detegere‟ - vício formal do processo administrativo - cerceamento de defesa - direito do servidor à licença para tratamento de saúde e, inclusive, à aposentadoria por invalidez - recurso provido. 1. É inconstitucional qualquer decisão contrária ao princípio ‗nemo tenetur se detegere‟, o que decorre da inteligência do art. 5º, LXIII, da Constituição da República e art. 8º, § 2º, g, do Pacto de São José da Costa Rica. Precedentes. 2. Ocorre vício formal no processo administrativo disciplinar, por cerceamento de defesa, quando o servidor é obrigado a fazer prova contra si mesmo, implicando a possibilidade de invalidação da penalidade aplicada pelo Poder Judiciário, por meio de mandado de segurança. 3. A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o servidor. 4. O servidor acometido de dependência crônica de alcoolismo deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso, aposentado, por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito subjetivo à saúde e vitima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado. 5. Recurso provido‖ (STJ,Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 18.017/SP, T 6, relator Min. Paulo Medina, j. 09/02/2006, DJ 02/05/2006 p. 390).

184 É flagrante a afronta à garantia de não produzir prova contra si perpetrada pela Lei n.º 11.705/08, que alterou a redação do Código de Trânsito Brasileiro e impôs a obrigatoriedade de os condutores sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool submeterem-se a exames que medem o nível de álcool no organismo, por meio de coleta de sangue ou utilização do aparelho de ar alveolar pulmonar (bafômetro), sob pena de aplicação de sanção, conforme artigo 277 da referida Lei. Se o descumprimento do mandamento da norma primária (submeter-se ao exame) enseja aplicação de sanção (penalidades e medidas administrativas) é porque se está diante de uma norma jurídica, neste caso prescritiva de uma obrigação, sendo exigível do administrado a conduta descrita pela lei, ou, diante da negativa, sendo-lhe imposta a respectiva sanção. Não há como deixar de reconhecer, a nosso juízo, a ofensa cometida pela Lei 11.705/2008 ao princípio da ampla defesa.

Entendemos ser também carente de sustentação a afirmação de que a simples recusa em submeter-se ao exame de sangue ou realizar o teste do bafômetro para comprovar o estado de embriaguez e a respectiva dosagem de álcool no organismo configura crime de desobediência ou de desacato, tipificados, respectivamente, pelos artigos 330 e 331 do Código Penal, porquanto a ordem do agente público padece de vício de inconstitucionalidade, por afrontar o princípio da ampla defesa.

Tem, dentre as várias prerrogativas eu lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calada. Nemo tenetur se detegere. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal185

Esse direito é plenamente oponível ao Estado e aos seus agentes [...]. O direito de o indiciado/acusado permanecer em silêncio [...] insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. Em suma: o direito ao silêncio constitui prerrogativa individual que não pode ser desconsiderada por qualquer dos Poderes da República, notadamente por seus juízes e Tribunais.186

No mesmo sentido está o julgado doo Superior Tribunal de Justiça:

1. é inconstitucional qualquer decisão contrária ao princípio nemo tenetur se detegere, o que decorre da inteligência do artigo 5º, LXIII, da Consituição da República e art. 8º, parágrafo 2º, g, do Pacto de San José da Costa Rica. Precedentes. 2. Ocorre vício formal no processo administrativo disciplinar, por cerceamento de defesa, quando o servidor é obrigado a fazer prova contra si mesmo, implicando a possibilidade de invalidação da penalidade aplicada pelo Poder Judiciário, por meio de Mandado de Segurança.187