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CAPÍTULO III – DEFICIÊNCIA E EDUCAÇÃO ESPECIAL

III.1. Deficiência e Educação Especial: um olhar a partir de alguns

O conceito de deficiência tem assumido significados diferentes ao longo dos tempos, sendo a forma como as pessoas com deficiência têm vindo a ser tratadas em cada época influenciada por fatores sociais, políticos económicos e culturais (Bairrão, 1998).

Para Carvalho (2007), a evolução concetual da deficiência pode dividir-se em três fases: uma primeira fase, designada de “inspiração mágico-religiosa” (p.75) e que se mantém até finais do século XVIII. Neste período, a pessoa com deficiência era vista como detentora de uma mensagem que podia ser interpretada como um castigo ou como forma de alcançar a salvação. Uma segunda fase, que perdura do século XIX até meados do século XX, na qual o tratamento e a recuperação da pessoa com deficiência já eram possíveis “mediante

26 intervenções setoriais especiais para ela, mas raramente com ela” (p.75). A terceira e última fase, com início em meados do século XX e que se estende até à atualidade, prevê uma “afirmativa (…) participação e plena cidadania da pessoa com deficiência, como sujeito de direitos e deveres” (p.75).

Paralelamente, foi-se verificando também uma mudança no modo como foi sendo perspetivada a educação das pessoas com deficiência. Jiménez (1997) identifica três épocas na história da Educação Especial (EE): a primeira, que se mantém até finais do século XVIII, é considerada a “pré-história da educação especial” (p.21). Com um caráter essencialmente asilar, ignorava e rejeitava o indivíduo com deficiência, sendo este internado em orfanatos, prisões, manicómios, juntamente com delinquentes, pobres, idosos, de forma indiscriminada. A segunda época, que perdura dos finais do século XVIII até meados do século XX, vista como a “era das instituições” (p.22), apresentava um forte cariz assistencial, revelando contudo já algumas preocupações educativas. Assim, é nesta altura que surge a Educação Especial, com a institucionalização das pessoas com deficiência. Contudo, mantinha-se a ideia de que era necessário proteger as pessoas normais das pessoas com deficiência, pelo que a educação destas últimas deveria ocorrer em ambientes segregados. A terceira fase, a partir de meados do século XX, assume uma “nova abordagem do conceito e da prática da educação especial” (p.22) e abre caminho a uma nova perspetiva que defende a integração e mais recentemente, sobretudo a partir da Declaração de

Salamanca (1994), a inclusão das pessoas com deficiência.

Com efeito, a evolução histórica e concetual da deficiência e da EE tem-se apoiado em leis, conferências e declarações mundiais que mudaram o rumo da educação das pessoas com deficiência, que se foi “deslocando” no sentido da inclusão (Baptista, 2011).

Tendo por base estas ideias, focar-nos-emos de seguida em alguns marcos históricos que desempenharam um papel fulcral nesta evolução, entre o século XX e a atualidade.

Assim, o primeiro grande avanço é impulsionado pela Declaração Universal dos Direitos

Humanos, adotada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas que, pela 1ª vez,

em matéria de educação, proclama o direito de todos à educação: “Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório” (artigo 26º).

Esta declaração foi determinante na história da educação. Como sublinha Baptista (2011), trata-se de um documento que apresenta três ideias principais: 1) a dignidade humana e a vida em sociedade apoiam-se nos valores da liberdade, da justiça e da paz; 2) a aprendizagem destes valores deve acontecer na escola; 3) a escola é vista como o local privilegiado para a apropriação e transmissão da mensagem universal dos direitos humanos, pelo que deve ser obrigatória em qualquer parte do mundo, para todos os cidadãos.

27 Em 1975 é publicada nos Estados Unidos da América (EUA) a Public Law 94-142

Education for All Handicapped Children Act, que consagra a igualdade de direitos para todos

os cidadãos, propondo o ensino universal e gratuito das crianças com deficiência com os seus pares, no ambiente menos restritivo possível (Carvalho, 2007). Esta lei vem assimpôr um fim aos paradigmas da segregação e da institucionalização, marcando a viragem para o paradigma da integração (Baptista, 2011). Na opinião do autor,

“A importância desta lei é enorme porque é a primeira vez que a Educação Especial é regulamentada de forma exaustiva, rompendo com preconceitos e tabus relativos às pessoas diferentes, depois pelo impacto que teve em todo o mundo e pelos reflexos que produziu de imediato, sobretudo no mundo ocidental”(p.51).

Em 1978, em consonância com o que vinha acontecendo nos EUA, e complementando o enunciado na Public Law 94-142 Education for All Handicapped Children Act (1975) é publicado, no Reino Unido, o Warnock Report, que introduz o conceito de Necessidades Educativas Especiais (NEE). Trata-se de um relatório que tem um impacto decisivo na EE (Bairrão, 1998). Também Carvalho (2007) reconhece essa importância, considerando que o

Warnock Report apresenta duas recomendações chave. Uma, prende-se com a introdução

da noção de NEE, que põe de parte a categorização das deficiências dos alunos. A segunda, diz respeito ao alargamento do espetro das NEE, que passam a abranger também os alunos com dificuldades de aprendizagem. Na esteira deste autor,

“… a situação de deficiência é agora concebida como um contínuo de necessidades, não como um conjunto de complexos diagnósticos do foro médico e psicológico, com as consequentes categorizações daí resultantes, e a educação especial entendida como o conjunto de processos utilizados para dar respostas a essas mesmas necessidades” (p.160).

Já em 1990, é aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação

das necessidades básicas de aprendizagem, durante a Conferência Mundial sobre

Educação para Todos, que decorreu em Jomtien, na Tailândia. Trata-se de mais um marco importante na consolidação do princípio de Educação para Todos. Como salienta Batista (2011) embora “A palavra inclusão não apareça no texto da Declaração sobre Educação para Todos. (…) Em termos globais, todos estão dentro por direito próprio, ninguém é excluído, logo, todos estão naturalmente incluídos.” (p.63).

No entanto, é em 1994, em Salamanca, durante a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, que é aprovada a Declaração de

Salamanca sobre Princípios, Política e Práticas na área das Necessidades Educativas Especiais, documento fulcral na evolução e implementação dos princípios e políticas nesta

área. A Declaração de Salamanca propõe um novo entendimento da escola regular no que diz respeito à educação dos alunos com NEE. Preconiza, assim, uma conceção de escola inclusiva justificando que,

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”as escolas regulares, seguindo (uma) orientação inclusiva, constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo”(p.ix).

Concomitantemente, incentiva-se a participação dos pais, comunidades e organizações ligadas à deficiência nas tomadas de decisão na área das NEE e estimula-se o investimento na intervenção precoce e nos aspetos vocacionais da educação inclusiva. Também se apela à organização de programas de formação dos professores que contemplem respostas às NEE (Baptista, 2011).

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