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CAPÍTULO III – DEFICIÊNCIA E EDUCAÇÃO ESPECIAL

III.2. O percurso da Educação Especial em Portugal

A Educação Especial (EE) em Portugal tem vindo a desenhar um percurso semelhante aos restantes países ocidentais, todavia, numa fase inicial, com um desfasamento temporal marcante (Rodrigues, 2007). Em 1984, peritos da Organização Comunitária de Desenvolvimento Económico (OCDE) propuseram uma divisão histórica da organização de recursos para crianças e jovens com deficiência em Portugal, que contemplou três fases (Secretariado Nacional de Reabilitação, 1984). A primeira fase abrangeu a segunda metade do século XIX, período em que entidades privadas, com fundos próprios, criaram as primeiras instituições (asilos) para cegos e surdos, com objetivos essencialmente de cariz assistencial (Secretariado Nacional de Reabilitação, 1984). Nos anos 60 do século XX teve início a segunda fase, marcada pela criação de centros de EE e centros de observação e pelo início dos programas de formação especializada para professores, com o Ministério dos Assuntos Sociais a liderar todo este processo (Secretariado Nacional de Reabilitação, 1984). A terceira fase, teve início na década de 70, com a criação das Divisões de Ensino Especial dos Ensinos Básico e Secundário por parte do Ministério da Educação, que passa a assumir um papel preponderante nesta área. Inicia-se assim a integração escolar, que dará posteriormente lugar à inclusão (Bairrão, 1998). Como constata este autor, estas três fases descritas pela OCDE, vão de encontro ao que se passava na Europa Ocidental, passando da perspetiva assistencial para a educacional e da segregação à integração.

Apoiando-se nas políticas integrativas proclamadas em documentos internacionais como a Public Law (1975) e o Warnock Report (1978), anteriormente referidos, Portugal abre portas aos ideais da integração. Após as reformulações políticas e sociais decorrentes do 25 de Abril de 1974, são criadas, em 1975, por parte do Ministério da Educação, as primeiras Equipas de Ensino Especial (Rodrigues, 2007). Segundo o autor, as Equipas de Ensino Especial “… tinham como objectivo promover a integração familiar, social e escolar das

29 crianças e jovens portadores de deficiências sensoriais ou motoras, com capacidade para acompanhar os currículos escolares” (p.41). Contudo, como refere Correia (2008), apesar desta medida, um grupo significativo de crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) não usufruíam dos serviços de apoio especializado. O mesmo autor salienta ainda que,

“A maioria das crianças e adolescentes com Necessidades Educativas Especiais significativas, em idade escolar, de cariz moderado ou severo, tinha como recurso educativo a classe especial, a escola especial ou a IPSS” (p.14).

Só mais tarde, é que as crianças com deficiências mentais integradas nas escolas de ensino regular, começaram a usufruir do apoio à integração por parte das equipas (Rodrigues, 2007). É ainda de referir que, apesar da sua importância, o reconhecimento legal das Equipas de Ensino Especial, só acontece em 1988, com a publicação do Despacho-Conjunto nº36/SEAM/SERE/88, que define também, pela primeira vez, as normas da Educação Especial (Rodrigues, 2007).

Em 1986 é publicada a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), lei nº46/86 de 14 de Outubro, que marca um ponto de viragem na conceção da educação integrada, definindo um enquadramento normativo e suporte legal à educação e à Educação Especial (EE) em particular (Carvalho, 2007). A LBSE proclama nos seus princípios gerais que “Todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República” (artigo 2º), atribuindo ao Estado a responsabilidade de “… promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares” (artigo 2º). No que respeita às crianças com deficiência, são referidos, entre outros aspetos, como objetivos da EE, os seguintes: “ …a recuperação e integração sócio-educativas dos indivíduos com necessidades educativas específicas devidas a deficiências físicas e mentais”(artigo 17º – nº1) bem como a integração de “…atividades dirigidas aos educandos e acções dirigidas às famílias, aos educadores e às comunidades” (artigo 17º – ponto nº2).

A integração das crianças/jovens com deficiência em estabelecimentos regulares de ensino, apresenta-se como a modalidade preferencial de educação. Todavia, é enunciado que, quando o tipo e grau de deficiência do aluno comprovadamente o exijam, a EE poderá também ter lugar em instituições específicas (artigo 18º – nºs 1 e 2). É ainda de ressaltar o ponto 4 do artigo 18º que determina que, de acordo com cada tipo e grau de deficiência, devem ser definidos currículos, programas específicos e formas de avaliação moldados às necessidades de cada aluno.

Posteriormente, em 1991 é publicado o Decreto-Lei 319/91 de 23 de Agosto, legislando de forma mais exaustiva e detalhada a EE (Correia, 2008). Este Decreto prevê: a introdução do conceito “Necessidades Educativas Especiais” com base em critérios pedagógicos,

30 eliminando a classificação categorial baseada em critérios médicos; a responsabilização da escola na procura de respostas educativas adequadas para os alunos com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem e a sua abertura numa perspetiva de escola para todos; um maior envolvimento parental no processo educativo dos seus filhos; a definição de um conjunto de medidas diversificadas que devem ser aplicadas de acordo com as necessidades educativas específicas de cada aluno no meio menos restritivo possível (preâmbulo). O Decreto–Lei 319/91 preconiza também a individualização da intervenção educativa através do Plano Educativo Individual (PEI) (artigo 15º) e do Programa Educativo (artigo 16º), com vista a responder às necessidades educativas específicas de cada aluno. Neste Decreto-Lei transparecem influências do Warnock Report e da Public–Law 94-142, sendo visível o desfasamento temporal no que diz respeito à implementação das mesmas.

Já na viragem do milénio, no âmbito da reorganização curricular do ensino básico, é publicado o Decreto-Lei nº6/2001 de 18 de Janeiro, que define os princípios orientadores da organização e da gestão curricular do ensino básico e da avaliação das aprendizagens. No artigo 10º, respeitante à EE, é utilizado pela primeira vez o conceito de Necessidades Educativas Especiais de Caráter Prolongado (NEECP) referindo-se aos “… alunos que apresentem incapacidade ou incapacidades que se reflitam numa ou mais áreas de realização de aprendizagens, resultantes de deficiências de ordem sensorial, motora ou mental, de perturbações da fala e da linguagem, de perturbações graves da personalidade ou do comportamento ou graves problemas de saúde” (artigo 10º). Para Rodrigues (2007), a introdução deste novo conceito tem como objetivo a criação de dois subgrupos de alunos com NEE: um, denominado por “outras NEE” (p.45), que usufruirá de apoio dentro das estratégias educativas e recursos do ensino comum; e um outro, que abrangerá os casos mais complexos e que, por isso, beneficiará dos recursos de EE. Ainda na opinião do mesmo autor, esta divisão “… carece, no entanto, de clarificação quanto aos critérios de elegibilidade, o que (…) criou uma situação de indefinição e ambiguidade” (p. 45).

Em 2008 é publicado o Decreto-Lei 3/200821 de 7 de Janeiro, que introduz alterações ao legislado no Decreto-Lei 319/91 sobre EE. Este decreto proclama “a promoção de uma escola democrática e inclusiva, orientada para o sucesso educativo de todos os alunos” (preâmbulo). Um outro ponto importante deste documento é referente à impossibilidade de se rejeitar a matrícula ou a inscrição de qualquer aluno baseando-se nas suas necessidades ou incapacidades, sendo que, os alunos com Necessidades Educativas Especiais de Carácter Prolongado (NEECP) gozam de prioridade na matrícula (artigo 2º).

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31 Na sequência daquele Decreto-Lei é criada uma rede de Escolas de Referência de Ensino Bilingue para Alunos Surdos e para a Educação de Alunos Cegos e com Baixa Visão e estabelece-se a possibilidade de os Agrupamentos de escolas desenvolverem respostas específicas diferenciadas através da criação de Unidades de Ensino Estruturado para a Educação de Alunos com Perturbações do Espetro do Autismo e de Unidades de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência e Surdocegueira Congénita (artigo 4º). No que diz respeito à avaliação, o artigo 6º estabelece a elaboração de um relatório técnico-pedagógico por todos os elementos envolvidos no processo educativo, onde constam os resultados decorrentes da avaliação, obtidos por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), e que servirão de base à elaboração do PEI. Este último, deverá ser o documento único onde se encontram devidamente definidas e fundamentadas as respostas educativas e respetivas formas de avaliação (artigo 8º) e onde se contemplam os indicadores de funcionalidade, bem como os fatores ambientais (uma outra inovação deste Decreto-Lei) que funcionam como facilitadores e barreiras à atividade e participação do aluno na vida escolar, obtidos por referência à CIF (artº 9º). Determina ainda a realização de um Plano Individual de Transição (PIT) que deve complementar o PEI, no caso de jovens cujas necessidades educativas os impeçam de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo comum, e que visa promover a transição para a vida pós-escolar (artigo 14º).

Face às ideias até agora expostas, podemos constatar que o percurso da legislação quer a nível internacional quer nacional, andou sempre a par da evolução concetual das NEE e da deficiência e concomitantemente acompanhou o movimento evolutivo do paradigma da integração para o paradigma da inclusão. A fim de compreendermos um pouco melhor esta mudança de paradigmas, o ponto seguinte é dedicado aos conceitos de integração e de inclusão.

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