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4. MARCOS REFERÊNCIAIS

4.1. Eixo Profissional

4.1.2. Definição de Cuidado à Saúde à luz das Diretrizes do SUS

A atenção à saúde está presente nos diversos cenários e sistemas de saúde em cada região, de acordo com as necessidades, características, bem como, as peculiaridades decorrentes de variadas questões sociais, econômicas,

3 Segundo Merhy ( 2005), a tecnologia leve é entendida como processo das relações, diálogo,

culturais, psicológicas, demográficas, bem como, a situação de saúde em cada contexto (OPAS-OMS, 2011). Assim, “os sistemas de atenção à saúde são respostas sociais para as necessidades de saúde da população” (BRASIL, 2010, p, 18).

Considerando isso, os modelos de atenção à saúde são influenciados, formados e estabelecidos de acordo com as organizações de uma dada sociedade, ou seja, as mudanças sociais, tecnológicas, econômicas, políticas, culturais e conjunturais, dentre outros vários aspectos humanos no processo saúde/doença terão relação direta e indiretamente no desenvolvimento destes modelos.

Paim defende que:

[...] modelo de atenção à saúde não significa algo exemplar e único, tal como apresentado em alguns documentos e discursos, como “o modelo de atenção do SUS deve ser a saúde da família” ou “o modelo assistencial do Brasil é hospitalocêntrico”. Entendo o termo modelo como uma representação da realidade de saúde (PAIM, 2008a, p. 549).

Já Ayres (2009, p. 12) compreende o modelo de atenção à saúde como “a convergência de horizontes entre os diversos discursos acerca de modos de operar e gerir as tecnologias de atenção à saúde de indivíduos e populações”.

Para Merhy, o modelo de atenção à saúde é compreendido como:

[...] referência não a programas específicos, mas ao modo como se constrói a gestão de processos políticos, organizacionais e de trabalho que estejam comprometidos com a produção dos atos de cuidar: do individual, do coletivo, do social, dos meios, das coisas e dos lugares, na promessa de construir a saúde (MERHY, 2003, p. 16).

Cabe destacar dois modelos de atenção à saúde que se constroem e se estabelecem conforme a realidade social, aos interesses econômicos, político, cultural, bem como a de poder. Sendo estes modelos, o médico e o sanitarista, os quais são contraditórios e predominantes. O primeiro tem as seguintes características: individualismo, saúde/doença como mercadoria; ênfase somente na parte biológica; a-histórico; medicalização dos problemas; privilégio da medicina curativa; estímulo ao consumismo médico; participação passiva e subordinada dos que são atendidos (PAIM, 2002).

Já o segundo modelo em conformidade com a Organização Mundial de Saúde (OMS)4 reconhece o indivíduo não somente baseado em sua doença, mas, em sua totalidade. Considerando os aspectos bio-psico-social-culturais, dentre outros fatores e determinantes sociais que afetam a saúde geral do sujeito (PAIM, 2002).

Para se chegar até este modelo de saúde o movimento da reforma sanitária foi primordial para todo este processo de mudanças, pois trata-se de:

[...] um conjunto articulado de princípios e proposições políticas, elaborado pelo movimento de democratização da saúde que tomou corpo, na sociedade brasileira, nas lutas de resistência contra o autoritarismo. Esta reformulação profunda do setor saúde, que vai além de uma reforma administrativa e financeira, apresenta componentes políticos, jurídicos, organizacionais e comportamentais. Significa a revisão crítica de concepções, de paradigmas, de técnicas, mas também mudanças no relacionamento do Estado e de seus aparelhos com a sociedade e dos funcionários com seus cidadãos. (PAIM, 2002, p. 121).

Em consonância, a reforma sanitária tem o objetivo de transformação das ações de saúde, visando mudanças nas relações, modos de produção e valor atribuído à vida humana (PAIM, 2008b).

Dessa forma, essa dimensão de cuidado em saúde está diretamente ligada à humanização, bem como, a integralidade das práticas assistenciais. Segundo Ballarin et al. (2009), o ato de cuidar para o SUS nos últimos anos tem-se modificado, para uma vertente ampliada e integral.

Neste sentido:

A categoria saúde como fenômeno amplo e complexo, evidencia que já existe um esforço por parte de alguns profissionais no sentido de ampliar o conceito de saúde em relação aos determinantes da saúde. Isso fica evidente quando acenam para a promoção da saúde, a integralidade, a singularidade, a humanização, a integralidade, a singularidade, a humanização, a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e completo bem-estar, considerando, também a importância do diálogo, da escuta, do carinho, do amor e da qualidade de vida (DALMOLIN, 2011, p. 392).

De acordo com um significado simplista da palavra, cuidado, pode-se compreender como:

[...] prestar atenção ou dirigir intervenções a um indivíduo ou a um grupo de maneira a envolver um conjunto de procedimentos tecnicamente orientados para o bom êxito de um determinado tratamento (BALLARIN et al., 2009, p. 445).

Ademais, o cuidado de acordo com Ayres em seu sentido filosófico é:

[...] uma atitude prática frente ao sentido que as ações de saúde adquirem nas diversas situações em que se reclama uma ação terapêutica, isto é, uma interação entre dois ou mais sujeitos visando o alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar, sempre mediada por saberes especificamente voltados para essa finalidade (AYRES, 2004, p. 74).

Considerando os fundamentos Heideggerianos5, que enfatizam o ser no mundo, com o ato de cuidar faz parte de todo este processo de relacionamento das pessoas, esta é a essência humana. Enquanto um fenômeno ontológico, o cuidado é uma parte inerente do homem (BALLARIN et al., 2009).

Conforme um sentido mais prático:

O cuidado de forma idealizada, recebido/vivido pelo paciente, é somatório de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital. Assim, uma complexa trama de atos, procedimentos, fluxos, rotinas e saberes, num processo dialético de complementação, mas também de disputa, compõe o que entendemos como cuidado em saúde (Cecílio; Merhy, 2003, p. 2).

Em suma, o cuidado é um conjunto de ações, saberes e competências profissionais que vão de encontro às necessidades biopsicossociais dos usuários, sendo inerente a este cuidado o estabelecimento de vínculos, por meio do acolhimento, da escuta e da horizontalidade do atendimento (GRABOIS, 2011).

Para Pinheiro e Mattos (2004), o cuidado deve ser aplicado em sua integralidade, dando sentidos, afetividade e significados para as ações, apreendendo a saúde como o direito de ser, de existência. Dessa forma, o tratar, o respeitar, o acolher, o atender o ser humano em seu sofrimento, em grande medida é fruto da fragilidade social.

Neste processo de relação em meio ao ato de cuidar, é possível que o trabalhador do SUS e o usuário criem,

5 Martin Heidegger foi um filósofo alemão. Um dos pensadores fundamentais do século XX, ao

lado deRussel,Wittgenstein, Adorno, Poper e Foucault, quer pela recolocação do problema do ser e pela refundação da Ontologia, quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e cultural. Influenciou muitos outros filósofos, dentre os quais Jean-Paul Sartre (HEIDEGGER, 1997).

[...] momentos de falas, escutas e interpretações, no qual há uma produção de uma acolhida ou não das intenções que as pessoas colocam nesse encontro; momentos de cumplicidade, nos quais há produção de uma responsabilização em torno do problema que vai ser enfrentado; momentos de confiabilidade e esperança, nos quais se produzem relações de vínculo e aceitação (MERHY, 2000 apud GUIZARDI; PINHEIRO, 2004, p. 38).

Nesta linha horizontal do cuidado que, a integralidade se faz presente em interações entre os sujeitos, profissionais, política e serviços. Fundamentados pela democracia, respeito, autonomia, em busca da qualidade deste cuidado, na perspectiva da garantia dos direitos sociais (VIEGAS, 2013).

Assim, a integralidade:

Pode ser percebida como um conjunto de noções pertinentes a uma assistência ampliada, com articulação das ações dos profissionais, em uma visão abrangente do ser humano dotado de sentimentos, desejos, aflições e racionalidades (VIEGAS, 2013, p. 134).

Nesta ótica, o trabalho em equipe para o “cuidar” é imprescindível, a compilação de olhares dos profissionais envolvidos na linha de cuidado do indivíduo e/ou família favorece a construção das ações, em busca de proporcionar uma assistência integral e equânime na saúde. O desenvolvimento da comunicação, respeito, ética profissional, a interdependência das ações e o sigilo são essenciais para realizar um trabalho integral e também resolutivo (VIEGAS, 2013).

Como foram expostos, muitos aspectos são importantes para que, o cuidado na saúde seja aplicado de forma concreta, fundamentados na integralidade e na universalidade. Ou seja, as práticas de cuidado estão relacionadas com a perspectiva da totalidade, em que, o sujeito não é identificado apenas pelo seu diagnóstico e sim, por toda a sua história de vida. Portanto, as “práticas de cuidado são ações que se direcionam para sujeitos com histórias e condições de vida, e não apenas para históricos de doenças” (BERNARDES, 2012, p. 188-189).