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A DEFINIÇÃO DE RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO : CAMINHOS PARA UMA

No documento A razoável duração do processo ambiental (páginas 154-158)

CAPÍTULO 4 RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E PROTEÇÃO DO

4.3 A DEFINIÇÃO DE RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO : CAMINHOS PARA UMA

Um dos poucos pontos não muito controversos na metodologia do Direito concerne à aceitação de que a aplicação das normas jurídicas não se resume a um mero exercício lógico-formal, de subsunção dos fatos à previsão normativa. Como já afirmado, as normas costumam ser genéricas, e assim o são pela necessidade de abarcarem, o mais amplamente possível, os diferenciados fatos verificáveis no contexto das relações humanas. Além do mais, a linguagem, não poucas vezes, é imprecisa em seus termos e alcance, o que agrava a situação.

220

RECASÉNS SICHES, Luis. Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y lógica “razonable”. México: Fondo de Cultura Económica, 1971. p. 499-522.

Dissemos também que o método de definição de significados jurídicos e de aplicação das normas de conteúdo indeterminado é orientado pela lógica do

razoável, o que permite ao intérprete/aplicador conferir, ele próprio, um sentido ao

texto legal, dotando-o do atributo da aplicabilidade aos casos específicos.

É um necessário modelo de realização do Direito que embute o risco de interferência de forte carga subjetiva, ao ponto até de levar o ato de decidir às raias da irracionalidade.

A contenção dessas possíveis interferências de elevado grau de vontade própria nas definições de termos de significados imprecisos passa pelo estabelecimento de balizas de conceituação dos vocábulos de sentido jurídico indeterminado, como é o caso da razoável duração do processo. Uma forma de fazer isso é através da implantação de um modelo metodológico de controle de subjetividades conceituais o qual viabilize um nível mínimo de objetividade na compreensão de expressões jurídicas menos definidas.

Tal paradigma de gerenciamento de significados indeterminados e, conseqüentemente, de aclaramento de direção, deve ser capaz de minimizar as cargas de subjetividades indesejáveis, apontando caminhos que restrinjam a vontade e a percepção individualizadas, reduzindo-as a um patamar racionalmente tolerável pelo sistema jurídico.

O estabelecimento de um parâmetro de objetividade mínima para os preceitos jurídicos de sentidos obscuros, com a delimitação de um raio de significados possíveis, é fundamental a uma das características básicas do sistema jurídico, que diz respeito a sua capacidade de estabilização de expectativas e pacificação social. É que a fixação de um certo grau de certeza e segurança em

relação aos institutos reguladores de condutas é imprescindível à afirmação do Direito como sistema dotado de legitimidade e força.

Cada indivíduo pensante tem, a partir de sua formação social, intelectual, ideológica e de outros fatores relacionados a sua própria existência, uma compreensão particularizada dos termos de significados abertos que se referem aos fatos e atos da vida, como é o caso da expressão razoável duração do processo. Não é menos verdade, portanto, que o conjunto de indivíduos, em sua convivência coletiva, em regime de sociedade organizada, naturalmente estabelece e consolida padrões comportamentais e axiológicos ou pontos de vista comuns a respeito de muitos aspectos de interesse geral e de cada um.

Esse instinto humano de fixação de significados, em processo de interação e reação com as posições individualizadas dos demais integrantes do meio de convivência, constrói uma certa concepção geral e objetiva a respeito dos eventos sensíveis ao homem, de maneira que deixam de ser noções apenas dos sujeitos singularmente considerados e passam a ser percepções e compreensões de todos, como algo que satisfaz a plenitude da pessoa, de acordo com a sua própria essência. 221

Tal consenso na delimitação de preceitos imprecisos funciona como espécies de verdades parciais naturalmente reconhecidas ou súmulas de proposição

de justiça, que haverão de ser levadas em conta pelo juiz no processo racional de

tomada de decisão.222

Porém, por mais que existam esforços na execução dessas valorações reconhecidas, não haverá em relação aos preceitos polissêmicos uma única

221

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 175.

222

resposta correta. No máximo, estabelecer-se-á uma trilha a ser seguida, com diminuição significativa de interferências irracionais, de maneira que as respostas dadas, embora não se cuidem de conceitos herméticos, serão racionalmente motivadas.

Conduzindo-se por esses caminhos, é possível o controle de subjetividades, com a redução, ao aceitável, da incidência de vontades e de percepções meramente individuais. Dificultam-se, dessa forma, a manipulação indevida de conceitos jurídicos indeterminados e, como adverte LARENZ,223 a tentação de substituição das pautas legais pela idéia meramente pessoal e arbitrária do juiz.

Ao falar sobre o princípio da razoabilidade, GUSTAVO SANTOS224 adverte que a subjetividade, que pode operar na compreensão e conceituação da palavra razoável, é passível de troca por uma aplicação cuidadosa das noções de equilíbrio e moderação, as quais, amadurecidas por reiteradas aplicações, conduzirão à descoberta das características de objetividade de que ela necessita.

É importante também lembrar que o processo de compreensão dos fatos jurídicos, no modelo positivista dogmático, segue por um procedimento próprio de interpretação e de conferência de significados. Um dos pontos marcantes consiste no fato de que a interpretação, no Direito positivo dogmático, deve sempre partir de uma norma estabelecida pelo Estado, de maneira que o significado jurídico há de ser procurado “primeiramente no trilho da lei, na sua interpretação e

223

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 494.

224

SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo

desenvolvimento conforme ao seu sentido”, eis que a lei define as balizas e as referências para a correta compreensão da norma.225

Essas são, portanto, algumas rotas a serem percorridas na atividade de compreensão do Direito, em especial de expressões marcadas pela imprecisão nos significados, como é o caso da razoável duração do processo. Por tais trilhas, o Direito obscuro, sem deixar de ser abrangente, revela-se de forma mais segura, expressando idéias resultantes de um certo consenso geral social, como produto da vontade de todos que agem com racionalidade e conhecimento suficiente do assunto.

No documento A razoável duração do processo ambiental (páginas 154-158)