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P RINCIPAIS FATORES DE CONSTRUÇÃO DO TEMPO AMBIENTAL

No documento A razoável duração do processo ambiental (páginas 195-200)

CAPÍTULO 5 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E O TEMPO DO

5.6 P RINCIPAIS FATORES DE CONSTRUÇÃO DO TEMPO AMBIENTAL

O tempo é percebido pela perspectiva do antes e do depois, tendo um sentido instituidor, com um papel construtivo, fomentando a idéia da origem de novas estruturas.282 Mas, é capaz de também ter um desempenho negativo.

Nesse momento em que falamos do tempo do meio ambiente, devemos levar em maior conta o tempo futuro, eis que a justificativa de proteção desse bem visa à garantia de melhor qualidade de vida, principalmente para as gerações adiante. O tempo vindouro é um fenômeno temporal em aberto, que abre espaço para novas construções, novos desafios e realizações. Porém, é um tempo incerto, que dá abertura, também, para providências destrutivas.

A falta de determinadas medidas que são necessárias no presente e, da mesma forma, a ação humana predatória podem comprometer o porvir. Muitas vezes, não há como corrigir as ações ou omissões do tempo que foi presente e já é passado, porque o tempo, no plano de projeção do antes e do depois, caminha num só sentido, não tendo retorno. Na advertência de WHITEHEAD,283 “os instantes do tempo que passaram são passado e jamais podem tornar a ser”.

Essa projeção dos efeitos futuros do tempo, principalmente na perspectiva de danificação e da impossibilidade de retorno ao tempo passado, é de muita importância para o Direito Ambiental, que tem por objetivo primordial a ação preventiva e garantidora do ambiente intacto, agindo contra as intervenções devastadoras que comprometam seu equilíbrio.

282

PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Modernidade, tempo e direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 106.

283

WHITEHEAD, Alfred North. O conceito de natureza. Trad. Júlio B. Ficher. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 44.

O Direito do Ambiente, diferentemente dos demais ramos do saber jurídico, muito dificilmente opera seus efeitos pela ótica da reparação dos danos. Ele é, por natureza, um Direito que, para ser efetivo, deve se antecipar aos fatos que busca combater. É um ramo da ciência jurídica notadamente acautelatório, que se pauta pela prevenção aos danos ambientais, afastando, antecipadamente, o ilícito, ou fazendo-o imediatamente cessar.

A vivência com os problemas ambientais e com tentativas muitas vezes frustradas de evitar os danos, ou de reparar os resultados danosos que são impostos ao direito de todos a uma vida num ambiente saudável e sem poluição leva-nos a identificar, claramente, que o fator tempo é de especial relevância para as atividades de garantia e proteção do meio ambiente.

As dificuldades de fazer valer o direito fundamental do homem ao meio ambiente protegido, não apenas para as gerações presentes, mas também para as gerações vindouras, e a sensação de impotência diante das forças poderosas do progresso econômico, que, baseado na idéia de que tempo é dinheiro e de que tudo move, faz-nos sentir, de forma evidente, que a proteção do meio ambiente requer considerações de um tempo ambiental específico, de antecipação efetiva aos fatos que o degradam.

Dois fatores são muito relevantes para a consolidação da idéia de uma escala especial de tempo ambiental, que é um tempo de antecipação: (1) a irreversibilidade ou a difícil reparação dos danos ocasionados ao bem jurídico ambiental; (2) e os princípios da prevenção e da precaução, os quais são estruturantes do Direito do Ambiente.

5.6.1 A natureza irreversível ou de difícil reparação dos danos ambientais

Os animais irracionais vivem um presente contínuo, não cultivando, na memória, a visão de tempo passado nem projetando ou planejando um tempo futuro. O homem, ao contrário, como ser pensante, reflete conscientemente sobre a própria situação, tendo um histórico formado na memória do passado e um destino projetado no futuro.

Porém, o ser humano tem o instinto natural próprio dos animais de viver um presente intenso e contínuo.284 Mas, por ser dotado de inteligência e da capacidade de discernimento, realiza os esforços necessários para vencer tal predisposição e considerar, nas suas relações com os planos da realidade e da idealidade, os três tempos: presente, passado e futuro.

A articulação entre o passado e o futuro é indispensável à vida humana. Um dos fortes diferenciais do homem em relação aos seres irracionais – como já dito - é que aquele tem memória e projetos, não se fixando numa sobrevalorização do presente, num modo de vida marcado pelo instante.285

Todavia, o testemunho de determinados comportamentos predatórios e irresponsáveis do homem em relação à natureza, os quais são deflagrados por desejos egoísticos e incontrolados pelo lucro fácil e a qualquer custo, a exemplo, dentre vários outros que podem ser citados, do desmatamento da Amazônia, faz-nos crer que os esforços para superar a tendência de viver como animais – que é o viver apenas voltado para o presente – muitas vezes, não são suficientes.

284

WHITROW, G. J. O que é o tempo? Trad. Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 18-19.

285

OST, François. O tempo do direito. Trad. Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto PIAGET, 1999, p. 17.

BOBBIO286 aponta a degradação ambiental como um dos grandes problemas que despertam preocupação com o futuro da humanidade. A postura do homem em relação ao meio ambiente é motivo de perturbação, o que reclama consideráveis mudanças no grau de conscientização ambiental. Os movimentos de lutas ecológicas e de conscientização ambiental estabelecidos a partir da segunda metade do século passado, por mais importantes que tenham sido, ainda não foram suficientes para fomentar a necessária mudança de postura em relação a esse bem jurídico da coletividade. Ainda há muito que fazer, e, certamente, muito será feito no sentido de cultivar a mentalidade de que o meio ambiente é um bem geral e coletivo indispensável às nossas vidas e, principalmente, às existências dos nossos descendentes.

Parece que o grande entrave nessa permanente caminhada relaciona-se com a concepção equivocada de que a problemática ambiental é apenas um fato distante, porque diz respeito não a um problema individualizado e próximo ao sujeito, mas a um embaraço de todos. É necessário, então, que seja mostrada a proximidade dos males ambientais; que seja incutida na mente do homem a idéia de que um dano ambiental é um dano ao direito individual à saúde e à dignidade de cada ser. Por esse caminho, é possível fazer compreender que o direito ao ambiente deve ser considerado como relevante nas relações de confronto com direitos mais particularizados, como, por exemplo, o direito à liberdade e o direito à propriedade. Quando essa mentalidade se tornar mais factível, será possível contar com maiores esforços de cada um e de todos.287

286

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 49.

287

TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 38.

O meio ambiente é um direito de todos e, como tal, deve ser levado em consideração. A liberdade do homem em buscar o desenvolvimento científico, econômico e social não se deve dar à custa da natureza e do sacrifício das gerações futuras. O desenvolvimento há de ser racionalmente sustentável, compatível com a proteção do meio ambiente. Segundo Acórdão da lavra do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,288 “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.

Os esforços com vistas a sua garantia, para serem dotados do atributo da efetividade e satisfação, devem ser orientados pela postura de antecipação aos fatos, de forma a evitar a ocorrência dos danos, ou de fazê-los cessar imediatamente. É que os danos ao meio ambiente, geralmente, comprometem-no de maneira irremediável, porque as intervenções negativas que lhe são imprimidas, não raro, produzem resultados danosos para sempre, não passíveis de reversibilidade. Em outros casos, os danos até são passíveis de reversão, mas com muita dificuldade e lentidão. Na advertência de MORATO LEITE,289 “o meio ambiente lesado é, na maioria das vezes, impossível de ser recuperado ou recomposto, insusceptível de retorno ao status quo ante e, assim, há uma premente necessidade de conservação e manutenção deste”.

A essencial indispensabilidade de antecipação aos fatos, antes que os danos venham a se consolidar, indica a necessidade de consideração de uma escala temporal própria para o meio ambiente, em que sejam levados em conta não

288

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n° 532493/PR. Processo n° 200070080011848. Terceira Turma. Relatora: Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler. Porto Alegre, RS, 22 abril 2003. Diário da Justiça da União, de 07 abril 2003. p. 666. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br>. Acesso em: 12 dez. 2005.

289

LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 216.

apenas espaços marcados por dias, meses, anos etc., mas também a dinâmica dos eventos e os resultados que vão-se consolidando. O passado, para o meio ambiente, não poucas vezes, indica ser um passado que jaz irremediavelmente atrás

de nós.290

Os danos ambientais não condizem com a idéia jurídica tradicional de dano/reparação. Eles têm efeitos cumulativos e sinergéticos, podendo ser catastróficos. Na maioria das vezes, somente são percebidos muito tempo após sua ocorrência. Alguns deles, apenas pelas gerações seguintes. Têm dimensão tanto subjetiva, na medida em que atingem o direito do particular a uma vida saudável e com qualidade, como objetiva, eis que alcançam um direito objetivamente considerado como bem geral, de uso comum do povo e essencial à espécie humana da geração em curso e das seguintes. São danos com um quadro característico próprio, que atingem um bem incorpóreo, imaterial, indivisível, insusceptível de apropriação exclusiva, de toda a humanidade. 291

A sua reparação, portanto, dá-se por uma concepção diversa da clássica, que aceita a condenação em pecúnia como uma forma eficaz de reparar um mal. O modelo individualista tradicional de responsabilização não é um meio adequado para recompor o meio ambiente de um ilícito que lhe é infligido. O dano em geral tem irreversibilidade apenas relativa, sendo passível de resolução futura, porque encontra solução no plano da indenização em dinheiro. O dano ambiental é

290

Essa expressão em itálico, que estamos utilizando para fazer um paralelo com o tempo do meio ambiente, é da autoria de Peter Coveney e Roger Highfield, em A flecha do tempo, Trad. J. E. Smith Caldas, São Paulo, Siciliano, 1993, p. 262.

291

LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 103.

No documento A razoável duração do processo ambiental (páginas 195-200)