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2 TRAJETÓRIAS E DESLOCAMENTOS QUE CONSTITUÍRAM UM CAMPO

3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES

1. Cartografia: Esta pesquisa foi realizada com base no “método da cartografia” segundo Passos et al - Pistas do Método da Cartografia vol I (2009) e vol II (2014). Estas obras reúnem um arcabouço teórico sobre o método do qual adotamos os seguintes referenciais:

a) Esta pesquisa é uma produção comum de participantes que optam livremente por realizar os encontros em grupo.

b) É um acompanhamento de processo, o que implica um trabalho de convivência regular numa duração;

c) Os participantes e pesquisadores são implicados no processo de produção. Não há isenção ou neutralidade. Todos são afetados e intervém no processo de pesquisa; d) Nos encontros cria-se um processo que valoriza a comunicação na diferença, o

convívio de pontos de vista díspares e da multiplicidade de experiências, favorecendo os deslocamentos e a dimensão transversal no processo do grupo; e) A pesquisa se atém a experiências e habita um território existencial em que estas

se processam, o que implica estar em convívio, fazer a pesquisa com o outro, em uma topologia de lateralidade, e não de interpelação, numa produção comum; f) As presenças, falas e discursos individuais entram em composição constituindo

no grupo um plano comum da experiência, um coletivo de forças e de conexões; g) A pesquisa não busca conhecer um estado de realidade, mas processos, linhas e

campos de força em ação;

h) Opera-se na direção da dissolução de um ponto de vista do observador exterior que toma o outro e o fenômeno por objeto dado;

28 i) A pesquisa desestabiliza os pressupostos e problemas pré-determinados, e convida para a abertura à emergência de problemas ou analisadores advindos das interações e forças em campo;

j) A pesquisa convida, e reitera o convite durante o processo, aos participantes e pesquisadores, a uma atenção ao presente, ao momento do grupo, aos gestos e movimentos, aberta para signos emergentes;

k) A pesquisa valoriza a expressividade e a narratividade como veículos da experiência, e busca evitar os discursos explicativos.

2. Pesquisadores: Nesta pesquisa todos os participantes foram convidados a se reconhecerem como pesquisadores. Esse convite foi reiterado ao longo da pesquisa na medida em que ganhava evidência a cogestão do grupo GAM e da pesquisa pelos participantes – a qual teremos oportunidade de discutir nos capítulos seguintes - bem como a noção de que os conhecimentos estavam sendo produzidos coletivamente. Durante o processo da pesquisa trabalhadores participaram da escritura coletiva de trabalhos que foram apresentados em congressos, ampliando a noção de participante- pesquisador.

Nos quatro grupos GAM em que a pesquisa foi realizada, trabalhadores e usuários puderam reconhecer a sua participação na pesquisa como pesquisadores e decidir a inclusão do seu nome como pesquisador voluntário desta pesquisa. O lugar do participante-pesquisador confirma a conduta cogestiva da pesquisa e do dispositivo GAM. Esse lugar diferencia-se do pesquisador acadêmico, o qual é vinculado à Faculdade de Saúde Pública–USP a quem deve apresentar relatórios da pesquisa e submeter uma tese à avaliação de uma banca examinadora, além de ser o Pesquisador Responsável perante o Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

29 3. Diário de Campo: Nesta pesquisa as falas ocupam grande parte do diário, o qual se constitui dos registros de cenas e trajetórias que as falas foram traçando na duração de cada encontro. Buscou-se registrar os indícios de signos e formas de expressão que favoreceram momentos analíticos nos encontros.

4. Processamento e análise: Como iremos discutir adiante, na medida da capacidade limitada do grupo, durante os encontros aconteceram “momentos analíticos”; momentos em que a emergência de signos e problemas postos pela comunicação de pontos de vista e experiências, muitas vezes díspares, colocam perguntas e novas formas de ver e dizer. Certos eventos, focos de experiência, certas falas, se tornam “analisadores”. Então, a cada encontro ocorrem processos analíticos: é uma forma de conduta “analítica” do grupo sobre o seu processo no ato do encontro. Não se trata da coleta de dados para análise a posteriori. Trata-se de uma “análise da experiência”, em que o que está em questão não é desvendar significados pela análise de conteúdos, mas se defrontar com “analisadores” que chamam atenção e, ao serem vistos, produzem deslocamentos de ponto de vista, ou outros olhares.

5. Escritura e discussão de narrativas e avaliação do processo da pesquisa: O pesquisador- acadêmico escreveu narrativas sobre o processo da pesquisa, as quais foram discutidas pelos respectivos grupos GAM com usuários e trabalhadores. No CAPS Adulto o grupo GAM realizou a discussão dessas narrativas em dois momentos de avaliação do processo durante a pesquisa e um após o seu término. Nas UBS e no CAPS Álcool e Drogas essas narrativas foram apresentadas e discutidas ao final da pesquisa pelos usuários participantes e pelos trabalhadores moderadores da GAM. Do ponto de vista do método da cartografia podemos analisar esse momento de submissão das narrativas à discussão no coletivo, como um momento de validação da pesquisa.

30 6. Nomenclatura: Durante o processo da pesquisa, os participantes discutiram, sob vários pontos de vista, o nome pelo qual, nesta pesquisa, deveriam ser chamados ou designados os participantes que tem necessidade de serviços de saúde mental e/ou fazem uso de medicação psicotrópica. Coletivamente os grupos escolheram o termo “usuário”, “usuário de serviços saúde mental” ou “usuário de medicamento controlado” ou “usuário de medicação psicotrópica”.

7. Nomes fictícios: No sentido de salvaguardar a privacidade dos participantes, estes decidiram que os textos e documentos públicos – tese, artigos e comunicações – devem usar nomes fictícios quando mencionarem as falas dos usuários.

8. Linguagem falocêntrica: Por força da norma da língua portuguesa manteve-se o uso do gênero masculino para designar categorias ou coletivos que incluem participação feminina como, por exemplo, o termo “usuários” e categorias profissionais.

3.2 O DISPOSITIVO GAM - GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO - COMO

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