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4 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4.1 A Referenciação

4.1.6 Definitude e palavras fóricas

Para Neves (2006:86), “falar de referenciação textual implica falar de definitude”, “uma categoria que claramente pertence ao âmbito do discurso”. A autora pondera que “entidades da língua que são referenciadores textuais, como por exemplo, os artigos e alguns pronomes, têm de ser avaliadas no campo da definitude, o mesmo ocorrendo com sintagmas nominais fóricos”.

Tanto o artigo definido como os pronomes demonstrativos são pronominais, de acordo com Neves (2000:389), pois “têm a função particular de fazer referenciação, sem, entretanto, nomear ou denominar como os substantivos”. Dessa forma, tanto os artigos definidos como os pronomes demonstrativos são palavras fóricas, pois “remetem a algum outro elemento” do discurso, tendo como função, portanto, a remissão textual, na qual “o falante usa constantemente termos que fazem referência a outros termos do próprio texto para assim tecer a “teia” do texto” (p. 390).

Essas palavras que fazem referenciação textual são denominadas endofóricas, pois “fazem referência a elementos que estão dentro do texto”. “Quando a referência é feita a algum elemento que está na porção anterior do texto, ocorre a anáfora”, cuja função é “ recuperar semanticamente um elemento que já estava no texto, com todas as informações de que ele já se revestia”. “Quando a referência aponta para a frente no texto, ocorre a catáfora”, cuja função é “sinalizar um termo que ainda vai aparecer no texto” (p. 390). Como os exemplos abaixo, anáfora e catáfora respectivamente:

(21) Quero comer catchupa: a comida mais gostosa de Cabo Verde28.

(22) O dinheiro é todo meu, que ela roubou.29

Neves (2006:92) pondera que “quando o referente determinado – uma terceira pessoa – já foi introduzido no discurso, o falante freqüentemente o reapresenta, em outros pontos do enunciado, como elemento ‘dado’, e não apenas como elemento ‘conhecido’, e, assim, o termo que se refere a ele, além de implicar referenciação, implica correferenciação. Nesse caso, há a correferência absoluta, com identidade total entre o antecedente e a anáfora”, designada por Neves (2000:392) como referência direta, como é o caso do exemplo (21).

Neves (2006:114:115) também cita a recategorização, que ocorre quando um elemento já foi nomeado, ou categorizado, e posteriormente, sofre uma renomeação. Assim, a recategorização “representa uma operação sobre a própria categorização inicial”, e, nesse sentido, pode-se considerar que a recategorização é um tipo especial de correferenciação, pois implica em uma relação direta entre o antecedente e a anáfora, apesar de a autora não deixar essa questão clara. A seguir, um exemplo30 de recategorização:

(23) Estou procurando um remédio para o meu filho. O menino está doente!

Existe, também, “um tipo particular de anáfora nominal não-correferencial”, denominada por Neves (2006:106) como anáfora associativa. “Com ela, introduz-se como conhecido um referente que ainda não foi explicitamente mencionado no contexto anterior, mas que pode ser identificado com base em informação introduzida previamente no universo de discurso, configurada em um outro referente disponível no contexto”, designada por Neves (2000:392) como referência indireta, ou associada, como por exemplo:

(24) A igreja estava lotada: cheguei uma hora antes da missa e os fiéis já estavam lá.

1

28

Exemplo de minha autoria.

29

Exemplo retirado de Neves (2000:392).

30

Para Neves (2006:108), a anáfora associativa é diferente da correferência “em muitos pontos”, e, citando Charolles, afirma que “o sintagma nominal anafórico associativo, diferentemente do correferencial, é ‘novo’, isto é, até a sua ocorrência a entidade não tinha sido mencionada, e, conseqüentemente, não era parte do conjunto de entidades já introduzidas no modelo do discurso”, concluindo que a anáfora associativa “cria um referente textual” a partir de um referente já existente no discurso, o qual Hawkins denomina gatilho, ou detonador, segundo a autora, pois provocará associações que desencadearão a anáfora associativa. A saber, é “a introdução de um referente novo por uma expressão definida”, ou, para Charolles, citado pela autora, “é o discurso que, apresentando uma expressão definida em seguida a uma expressão antecedente, impõe a relação associativa e conduz à interpretação da expressão anafórica como associada a uma parte do antecedente” (p. 109).

De acordo com Neves (2006:112:113), para alguns estudiosos, como Kleiber e Conte, “o elemento anafórico associativo é necessariamente um sintagma com artigo definido”, “que carrega a pressuposição de unicidade existencial”. Para outros, como Aphothéloz e Reichler-Béguelin, tal anáfora também poderá ser um sintagma pronome demonstrativo.

Um outro tipo de referência é a referência situacional, ou exófora, “obtida no contexto extralingüístico”, que pode ser direta, na qual “o falante se refere a um elemento presente na situação da enunciação”, ou indireta, que “depende exclusivamente do conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte”, apesar de a entidade a que se faz referência não se encontrar na “situação de fala” (p. 391), como nos exemplos abaixo, respectivamente:

(25) O telefone está tocando!

(26) Você teve que esperar muito tempo no aeroporto para embarcar?

Sintetizando essas questões, Halliday e Hasan (1976:33) afirmam que os itens referenciais podem ser exofóricos ou endofóricos: quando endofóricos podem ser anafóricos ou catafóricos, propondo o seguinte esquema (livremente adaptado para esta Dissertação, inserindo-se conceitos extraídos de Neves (2000 e 2006)):

Referência:

[situacional] [textual] exófora endófora

direta indireta [referência precedente] [referência ulterior] anáfora catáfora

correferência anáfora associativa recategorização

São importantes essas questões para a análise que será empreendida nesta Dissertação, pois, como já mencionado, em CCV, cogita-se que os pronomes demonstrativos kel/kes funcionam, também, como artigos definidos, assim como será resgatado e aprofundado posteriormente esse assunto. Dessa forma, pretende-se verificar como ocorre o SN anafórico em CCVS, tanto do tipo correferencial como associativo: o nome, nesses sintagmas, seria sempre precedido por kel/kes, havendo uma regularidade do uso dessas formas nesses tipos de SN´s, ou outras formas seriam permitidas, como o pronome demonstrativo es, ou Ø?

Seria interessante verificar, em estudos posteriores, se haveria diferença quanto ao uso desses definidos/demonstrativos, kel/kes, em outros tipos de SN´s referenciais – exófora, direta e indireta, ou endófora, catáfora, em relação aos SN´s anafóricos? Assim, em quais desses tipos referenciais seria permitido o uso de Ø pelos falantes?