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DELAUNAY E A TORRE EIFFEL

No documento Um diálogo cultural: Tarsila do Amaral (páginas 95-100)

2.2.2 CONVERSANDO COM MEU PAI (II)

3. DIÁLOGO CULTURAL: VANGUARDA EUROPEIA E MODERNISMO BRASILEIRO

3.3. DELAUNAY E A TORRE EIFFEL

Dentre tantos nomes destacados por Tarsila, em suas memórias de Paris, escolhemos Delaunay para representar os pintores da vanguarda europeia, que participou do grupo de amizades da escritora, juntamente com sua esposa, enquanto residente na capital francesa. “Foram meus grandes amigos Robert Delaunay, o pintor das Torres Eiffel, que expunha cada ano, e Sonia, sua esposa, conhecida em Paris como grande decoradora” (AMARAL, T., 1952, p.736).

A ele, a cronista dedicou duas crônicas: “Delaunay e a Torre Eiffel”, de maio de 1936 e “Delaunay”, de junho de 1941. A análise se deterá na crônica de 1936 em

que Tarsila inicia seu texto destacando o quadro de Delaunay entre os demais de sua coleção:

ENTRE OS QUADROS DA minha coleção de pintores modernos, a

Torre Eiffel, de Robert Delaunay,é o mais discutido o que mais aviva

a curiosidade, o que provoca entre leigos discussões de cara feia, o que fornece temas para a gente de palavra preguiçosa e o que se impõe pelas grandes dimensões, pela execução dentro dos moldes cubistas, pela agressividade da composição, suplantando mesmo as pequenas telas de Picasso, fantásticas na criação e suaves no colorido (AMARAL, T., 1936, p.84).

Interrogações e conjecturas surgem sobre a visão que o pintor teve da torre para pintá-la dessa forma: “Será que o artista viu mesmo a Torre Eiffel desse jeito? Isso deve ser um terremoto... tudo está despencando... Quem sabe se ele pintou olhando da base?” (AMARAL, T., 1936, p.84).

Tarsila, pintora cubista, amadurecida em seu conhecimento sobre arte, é quem possui toda autoridade para explicar o quadro de Delaunay:

Nada disso, Delaunay integrou-se no movimento cubista e sentiu, como os seus colegas, a febre do dinamismo, o delírio do desenho hieroglífico criado pela recente estética, a ânsia de concretizar o novo estado de espírito em ebulição (AMARAL, T., 1936, p.84).

O quadro de Delaunay, sobre a Torre Eiffel (Figura 9), datado de 1911, tornou-se um símbolo do cubismo. Serviu de ilustração sobre a história do cubismo em várias revistas e livros de arte. Blaise Cendrars também o utilizou como exemplo em sua Conferência em São Paulo, quando proferiu a palestra sobre “As Tendências Gerais da Estética Contemporânea”, afirmando que:

São tantos os pontos de vista para se tratar do caso da Torre Eiffel. Mas Delaunay queria interpretá-la plasticamente. Finalmente ele conseguiu com a tela que vocês têm diante dos olhos: ele a desarticula para fazê-la entrar no seu quadro, ele a trunca e a inclina para dar-lhe seus trezentos 300 metros de vertigem, ele adota dez pontos de vista, quinze perspectivas, tal parte é vista de baixo, outra do alto: as casas que a circundam são pegas pela direita, pela esquerda, pelo alto e terra a terra. Acho que ficou bastante bom (apud EULÁLIO, 2001, p. 146).

Figura 9: Torre Eiffel, Delaunay – 1911.

A tela de 1911 é turbilhonante, a Torre dinâmica, fragmentada como se fosse vista de relance à passagem de um trem rapidíssimo, ou um aeroplano, aparece no meio do quadro. Imensa, dominando tudo, achatando os prédios de sete andares plantados em Paris na neutralidade do cinzento escuro (AMARAL, T., 1936, p.85).

Tarsila comenta a reação de Blaise Cendrars ao encontrar esse quadro de Delaunay entre as obras de sua coleção de pintores modernos:

O poeta Blaise Cendrars, ao encontrá-lo aqui em São Paulo, teve um gesto de alegria e de surpresa, a imaginação ferveu-lhe ao descobrir um rasgãozinho num canto da tela e descreveu a atitude indignada de Jean Cocteau diante das blasfêmias proferidas em nome do passado contra o símbolo do espírito moderno. Palavras quentes vão e vêm e, de repente, uma bengala estúpida atravessa o quadro. Protestos, vaias, correrias e a expulsão dos iconoclastas para fora do salão dos Indépendants. Até hoje não sei como se deu a tal perfuração. É tradicional a proibição de se entrar num museu ou num salão com bengala, guarda-chuva ou aparelho fotográfico. Enfim, foi essa a história contada por Cendrars... (AMARAL, T., 1936, p.85).

Realmente o cubismo causou reações e estranheza. Mesmo em Paris, onde tudo começou, foi motivo de escândalo para aqueles que não aceitavam mudanças. No entanto, modernizar-se é abrir-se para o novo!

Provocados pela não aceitação de suas obras, muitos artistas saíram de Paris tristes e inconformados com a desumanização dos avanços tecnológicos, que crescia paralelamente à incompreensão e à insensibilidade dos citadinos para com as tendências artísticasdaquela época, tanto na pintura como na literatura.

Delaunay, pelo contrário, permaneceu em Paris, acompanhando as tendências que a cidade ditava:

Delaunay, apesar da teimosia em pintar sempre a mesma Torre, não deixou de ser um artista inquieto, não se contentou com o êxito que o colocou entre os grandes pintores cubistas e continua ainda na tarefa de melhorar a técnica (AMARAL, T., 1936, p.85).

Gustave Eiffel (1832-1923) foi o famoso engenheiro que projetou a célebre Torre Eiffel. A torre foi construída com ferro fundido, utilizado com as vantagens de ser mais econômico, mais resistente a incêndios e possibilitar aos engenheiros plantas de arquitetura com dimensões de altura maiores.

A autora, dando sequência à crônica “Delaunay e Torre Eiffel”, discorre sobre a torre como símbolo de Paris e a relaciona com o Pão de Açúcar, que também é uma referência ao se falar em Rio de Janeiro.

Cada cidade se sintetiza num monumento, numa obra de arte ou numa particularidade da natureza. [...]

Delaunay quis fixar a sua época no auge da inquietação e pintou Paris filtrando-a através de sua Torre. Essa ideia se tornou nele uma obsessão (AMARAL, T., 1936, p.84).

Com o passar dos anos, Delaunay foi “intensificando a cor e acalmando o desenho” conforme a descrição da pintora:

Suas tintas, antes frias e neutras, hoje cantam na alegria das cores limpas e sadias. Influência, talvez, de Sonia Delaunay, sua esposa, que traz nas veias o idealismo do povo russo traduzido na beleza do colorido aplicado em decorações elogiadas pelos críticos (AMARAL, T., 1936, p.85).

Sonia Delaunay era “das bandas de Volga”, país da Rússia, e sua carreira de decoradora estava caminhando com sucesso. Tarsila teve contato com a criatividade de Sonia Delaunay:

E frequenta as quintas-feiras do casal Robert e Sonia Delaunay. Desta, adquire modelos de vestidos desenhados de acordo com a nova arte: formas geométricas jogadas num mesmo plano, por vezes com “círculos órficos”, em que faixas coloridas se sucediam, traduzindo movimento, energia, dinamismo, em profusão de cores fortes. São os vestidos “simultaneístas”, assim como havia a prática

dessa arte em outros objetos de design artístico: tecidos, bijuterias, automóveis, cenários para peças de teatro, cartazes e convites (GOTLIB, 1988, p. 73).

Tarsila conclui a crônica contando que o pintor Delaunay tinha costume de sair da metrópole aos domingos com os amigos que estavam inseridos em um projeto chamado “Cidade dos Artistas”.

Os domingos de Robert Delaunay eram divididos entre amigos, com um déjeuner sur l‟herbe13 nos terrenos da cidade do futuro, onde já se viam, pela palavra encantadora do artista, moradias felizes, cercadas de jardins floridos – acessórios da imensa oficina povoada de sonhos na alegria do trabalho eficiente (AMARAL, T., 1936, p.86). Esse hábito entre os parisienses é relatado com mais detalhes na crônica “Essencialmente agrícola...” de março de 1943.

Sabe-se que o Europeu adora o campo, venera uma árvore e manifesta o seu culto à natureza com exclamações admirativas diante de um cantinho de folhagens por entre as casas de uma cidade. Lembro-me dos passeios aos domingos nos arredores de Paris em companhia do pintor Robert Delaunay, de sua esposa, Sonia Delaunay – uma notável decoradora – e outros amigos. Íamos almoçar no campo, levávamos as nossas provisões no automóvel de Delaunay e ficávamos horas inteiras a falar da paisagem verde que nos cercava (AMARAL, T., 1943, p.525).

E tudo isso porque a paisagem verde na França é “pobre e raquítica” comparada à nossa, como diz a cronista:

Na realidade, eu achava aquelas paisagens bem pobres e raquíticas ao lembrar-me da nossa natureza tropical e exuberante. Mas com que amor eles olhavam aquele simulacro de floresta, tão bem feitinha e civilizada! Se não vemos as belezas naturais que nos cercam, pelo fato de as vermos todos os dias, é somente porque não refletimos, não meditamos um instante sobre a maravilha que se processa da semente minúscula caída ao solo à árvore generosa que nos dá sombra, flores e frutos (Ibidem).

Eis a razão por que os franceses ao visitarem o Brasil se encantam pela nossa floresta Atlântica e pela Amazônia. Um destes franceses que ficou deslumbrado com o nosso país foi o poeta vanguardista Blaise Cendrars. Tão

grande foi a sua fascinação pelas nossas paisagens, que escreveu vários poemas sobre ela.

No documento Um diálogo cultural: Tarsila do Amaral (páginas 95-100)