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Um grupo que não pode ser desconsiderado na história do rap underground65 no Brasil é a dupla fluminense Speedfreaks, formada pelo músico e MC carioca Speed, codinome de Cláudio Márcio de Souza Santos, assassinado em 2010, e por Gustavo Ribeiro, codinome de Black Alien, MC niteroiense que integrou a banda de rap e rock Planet Hemp, e que hoje atua como artista solo. Ambos exerceram grande influência na cena carioca e em rappers de vários lugares do país, que se dispuseram a fazer rap fora dos moldes predominantes instituídos pelo rap paulista de nomes como Racionais MCs e Facção Central.

A fita demo (gravação amadora demonstrativa) Speedfreaks, lançada em 1993, tinha uma linguagem musical e poética distante dos demais raps feitos no Brasil. A sonoridade flertava com o ragga jamaicano, o drum n‟bass, o jazz rap, o old school66 e o

gangsta rap. As temáticas transitavam entre freestyle, filosofia, criminalidade, sexo e drogas. A irreverência e o ineditismo da proposta da dupla fizeram com que chamassem bastante

65 Contrário de mainstream, aquilo que vai contra a tendência dominante. (ASSEF, 2004, p. 249).

66 O rap da Velha Escola, produzido na década de 1980, tendo como maiores expoentes Grandmaster and The Furious Five, Cold Crush Brothers, Kurtis Blow e Erik B. & Rakim.

atenção no universo underground do rap nacional, da música eletrônica internacional e do cinema estadunidense. A música Follow Me chegou a ser trilha sonora da quinta edição da franquia cinematográfica Fast & Furious (Velozes e Furiosos), além de ter sido remixada pelo renomado DJ de música eletrônica Fat Boy Slim.67

Outro grupo predominantemente fluminense que foi essencial na oposição à típica música rap de periferia vinda de São Paulo foi o Quinto Andar. Com letras jocosas e bases de jazz rap dividiu opiniões e atraiu novos fãs para esse gênero musical. A proposta era:

mostrar um rap diferente, que não caísse no antagonismo do rap atual que fica entre a vertente mais politizada, às vezes contraditória, e a outra totalmente assimilada pelo corporativismo e a juventude consumista, com temas sexistas e valores descartáveis.68

Formado pela internet, em 1999, o coletivo agregou MCs de capitais e grandes cidades do sudeste do país. De Niterói: De Leve, DJ Castro, Bruno Marcos e Marechal; da cidade do Rio de Janeiro: Xará, Shawlin e Tapechu; de São Paulo: Gato Congelado, Lombriga Tremosa e Kamau; de Belo Horizonte: Matéria Prima, que atualmente é MC da banda de Street Jazz69 Zimun e artista solo.

Os nomes artísticos dos MCs já indicavam o propósito de deboche e afronta à postura sisuda instituída pela ala mais tradicional do rap brasileiro. Muitas das músicas do grupo tratavam de temas absurdamente corriqueiros, como As aventuras de Jack Binsk, na qual De Leve narra o dia de um “fã enrustido” que deixa comentários negativos no site do grupo Quinto Andar a fim de denegri-lo. Outras músicas se aproximavam do universo do freestyle por meio de temática livre, como Eu Rimo na Direita; havia também as que debochavam da postura dos rappers mal encarados, como Cara de Cavalo encontra De Leve. O Quinto Andar lançou apenas um disco oficial em 2005, chamado Piratão, pela Tomba Records. A diversidade de temáticas pode ser percebida em músicas como Madruga, Esse Planeta, A 1 Passo do paraíso, O que é o quinto andar?, Melô da propaganda e Serve para Viver, com letras relativamente próximas à crítica social proposta pelo rap de periferia;

67 MR. NITERÓI: A Lírica Bereta.

68 RÁDIO Bits. Expoente do novíssimo rap carioca, Quinto Andar conversa com a Bitsmag”. Ver link

disponível na bibliografia digital.

69 Maneira como a banda define sua mistura de “rap, um pouco de rock, outro tanto de experimentalismo e muita

diversamente, músicas tais como Melô do piratão, Rap do calote, a já citada Cara de cavalo Encontra de leve, Pra falar de amor, Funk da secretária remetem às temáticas descontraídas usuais no grupo.

A sonoridade desse disco flerta com o funk carioca e o dub jamaicano na faixa Muita falta de antiprofissionalismo (Dub), e com já citado jazz rap, subgênero da era dourada do rap estadunidense, bastante utilizado pelo grupo. Tal apropriação não foi à toa, visto que nos Estados Unidos esse subgênero também era adotado para falar de temas diferenciados, menos apegados à denúncia das mazelas sociais.

Grupos como A tribe called quest e De la soul foram uns dos maiores expoentes do rap underground e seguiam uma linha poética mais filosófica e despojada que serviu como alternativa para ouvintes e artistas de rap que não queriam permanecer ligados ao discurso de violência e crítica social predominante no rap do final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990. Ainda assim, houve exceções, como no caso do duo Gang Starr formado por MC Guru e DJ Premier, que se utilizava do jazz rap sem deixar de retratar questões sociais em suas letras (KEYES, 2002, p. 83). Esta ala do rap foi definida por Krims (2007) como knowledge rap (rap de conhecimento).

O Quinto Andar acabou no mesmo ano em que lançou o disco Piratão, mas deixou seu legado no rap nacional, alguns de seus MCs continuam atuantes e se destacando como no caso de Marechal, Shawlin, Xará, De Leve e Matéria Prima. A diversificação de temas e de produção musical desenvolvida pelo grupo influenciou outros como ConeCrewDiretoria, Haikaiss e Start, todos esses atuantes no cenário contemporâneo.

A origem de “classe média falida” conforme o próprio grupo se autoreferencia, também possibilitou que MCs brancos e moradores do “asfalto”, termo pelo qual os integrantes da cultura hip-hop se referem ao meio urbano fora da favela, se envolvessem com música rap.