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No dia 7 de junho de 2013 a Família de Rua lançou uma nota nas redes sociais e em seu blog informando que o Duelo de MCs estava paralisando suas atividades, ainda sem previsão de quando e como retomar, com a seguinte declaração:

A Família de Rua chega hoje à conclusão de que esse é o momento, pois percebemos um limite muito bem estabelecido para a continuidade do Duelo de MCs, o distanciamento, ou perda, de seu propósito.84

Um trecho da nota disponibilizada pelo coletivo no Facebook afirmava:

Apesar das mais diversas tentativas com o Poder Público de ter nossos direitos garantidos, o descaso e a desorganização impedem de termos uma segurança pública, limpeza, licenciamento, enfim uma estrutura básica decente, para a realização do Duelo de MCs. E as consequências desta omissão geraram um cenário de dimensões complexas que não são fáceis de contornar e que envolvem o público em sua diversidade e quantidade. Uma parcela do público vem se mostrando também cada vez menos conectada ao propósito do Duelo de MCs, o que gerou ao longo dos anos um ambiente extremamente distante daquele que a Família de Rua e o Hip Hop se dispõem a construir.85

Nas entrelinhas, o que esse texto apresenta é o desvirtuamento do evento segundo a ótica da Família de Rua, tendo como grande responsável o contingente que passou a frequentar o local para o uso e tráfico de drogas. Nesse aspecto, as tensões geradas aumentram as dificuldades com o poder público, tornando-se um ônus difícil de suportar.

84 Nota da Família de Rua em seu perfil oficial no perfil do Facebook. 85 Nota da Família de Rua em seu perfil oficial no perfil do Facebook.

Vale dizer que a própria história de Belo Horizonte envolve desapropriação habitacional e exclusão social dos mais pobres. A construção da cidade se deu no século XIX com a finalidade de que esta substituísse Ouro Preto como capital de Minas Gerais. Tal empreitada foi motivada pela disputa política de grupos oligárquicos mineiros que buscavam um local menos desenvolvido social, economica e politicamente para travar suas disputas “intraoligárquicas” (OLIVEIRA, 2010, p.43-44). O local escolhido foi o povoado de Curral Del Rey, então pertencente à comarca de Sabará e tido como neutro politicamente. A maioria dos habitantes desapropriados não possuía condições financeiras de manter residência na nova capital. Esta situação forçou o deslocamento destas pessoas para regiões periféricas da cidade, onde o saneamento básico era ausente, o que culminou na fixação de moradias aglomeradas chamadas de “favela” – contexto similar ao da deteriorização da qualidade de vida no South Bronx devida à política habitacional vigente nos Estados Unidos nos anos de 1960 e 1970. À época da construção de Belo Horizonte, o prefeito e o conselho deliberativo do município eram escolhidos pelo governador, o que limitava a participação política dos cidadãos. Conforme aponta Oliveira (2010, 44):

O fim do Estado Novo (1945) e a promulgação da Constituição de 1946 provocaram uma reviravolta na configuração política de Belo Horizonte. Em 1947, pela primeira vez em sua história, a cidade teria representantes eleitos pelo voto popular que completariam seus mandatos no legislativo e executivo municipal. Segundo Regina Helena Alves, “a cidade adquiria autonomia e instituições políticas características da democracia: uma prefeitura e uma assembléia de representantes eleitas por voto secreto dos cidadãos alfabetizados”. 86

Hoje, a política cultural adotada pelo município parece ser um desdobramento deste histórico segregacionista: a estrutura disponibilizada pela prefeitura para apoio de eventos culturais que não recebem patrocínio de iniciativa privada é reduzida e unsuficiente, conforme observo, na condição de músico morador da cidade. Esta constatação é compartilhada por diversos colegas, inclusive pelos integrantes do Família de Rua, que declararam que a manutenção do Duelo é dificultada pela falta de apoio público. Eu mesmo posso atestar que no dia 26 de junho de 2009, o Julgamento cancelou uma apresentação no palco do Duelo devido à falta de energia elétrica; falha reincidente da concessionária atuante no município. Porém, o mesmo não ocorre na realização de eventos de iniciativa público- privada, como o Natura Festival, o Tudo é Jazz e o Conexão Vivo (que ocupou o Parque

86 SILVA, Regina Helena Alves da. O legislativo e a cidade: domínios de construção do espaço público. Belo

Municipal Américo Renné Giannetti em diversas edições). Outra manifestação da falta de apoio do poder público para a realização do Duelo é a postura pouco interventora da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), que parece fazer “vistas grossas” aos tumultos, ao uso e ao tráfico de drogas. Alguns frequentadores ligados ao hip-hop e integrados ao propósito do Família de Rua questionam se esta postura da polícia não seria intencional a fim de que o agravamento desses delitos chegasse a prejudicar a realização o evento. De fato, houve a interrupção, e, depois, uma retomada no dia treis de novembro de 2013, quando o evento passou a ser realizado esporadicamente nas tardes de domingo com o objetivo de evitar o público nocivo ao Duelo, segundo a ótica do Família de Rua.

4 ANÁLISE SOCIOMUSICAL DO DUELO DE MCS

Neste capítulo, procurei revelar os aspectos sonoros da música rap através de traços psicossociais do grupo social estudado, considerando as letras, os instrumentais de rap usados nas batalhas, a reação da plateia e os videoclipes. A performance87 dos MCs foi considerada em poucos aspectos, uma vez que pertence a outro universo extenso que não caberia ser discutido aqui. Sendo assim, inicio pela apresentação do contexto cultural do Duelo.