O conceito de direitos fundamentais é um problema específico do
sistema constitucional em que são declarados e protegidos estes direitos, já que
decorrem justamente do “enlace entre direitos e constituição”
154, o que afasta a
uniformidade terminológica no assunto, pois condicionados ao regime jurídico que
lhes é atribuído em uma ordem constitucional determinada.
155Por isso, a definição de direitos fundamentais envolve toda a área
normativa que os disciplina e confere seu conteúdo, o exercício da atividade da
jurisdição constitucional, além do problema próprio das idéias sinteticamente
aferidas da evolução histórica dos direitos fundamentais: acumulação, variedade e
abertura.
156152BOBBIO, Norberto. op. cit., 1992, p. 1. 153BONAVIDES, P. op. cit., p. 601.
154 MIRANDA. Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais, 3. ed.
Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 51.
155 Esta preocupação foi externada por Rholden Botelho de Queiroz em dissertação de mestrado
defendida na Universidade Federal do Ceará a respeito da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Cf. QUEIROZ, Rholden Botelho de. A eficácia dos direitos fundamentais nas
relações privadas. Fortaleza, 2004. 135f. Dissertação (Mestrado em Direito constitucional) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará.
Mostra-se oportuna a diferenciação de outras categorias empregadas
nas abordagens realizadas sobre o assunto dos direitos fundamentais, tais como:
“direitos naturais”, “direitos do homem”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades
públicas”, “direitos humanos” e, em especial, “garantias constitucionais”.
A variabilidade de termos expressa a historicidade dos direitos
fundamentais, cuja sucessão de acontecimentos históricos, com as conseqüentes
circunstâncias políticas, econômicas e sociais vigentes, estabelece uma inevitável
influência no conteúdo das denominações ao seu tempo conferidas.
A inspiração filosófica trouxe consigo os termos “direitos naturais” e
“direitos dos homens”, próprios da idéia de gênero humano, em que há verdadeira
confusão entre a existência humana e o gozo dessas posições.
As expressões “direitos subjetivos públicos” e “liberdades públicas” são
atinentes à fase do Estado liberal, marcada pela oposição entre o cidadão e o poder
público, quando as prerrogativas do homem eram consideradas em face de uma
liberalidade estatal, ou, na crítica de Jorge Miranda, “se reportam a uma visão
positivista e estatista que os amarra e condiciona”.
157“Os direitos humanos” estão ligados ao plano das declarações e
convenções internacionais
158, termo reconhecido no âmbito do direito internacional,
de forma que se conclui com D’Ávila Lopes:
[...] a expressão direitos humanos faz referência aos direitos do homem em nível supranacional, informando a ideologia política de cada ordenamento jurídico, significando o pré-positivo, o que está antes do Estado, ao passo que os direitos fundamentais são a positivação daqueles nos diferentes ordenamentos jurídicos, adquirindo características próprias deles.159
Justificando a denominação “direitos fundamentais” epigrafada no Título
II da Constituição Federal de 1988, Ingo Wolgang Sarlet defende:
Além deste forte argumento ligado ao direito positivo, o qual por si só já bastaria para justificar a nossa posição terminológica, a moderna doutrina constitucional, ressalvadas algumas exceções, vem rechaçando progressivamente a utilização de termos como ‘liberdades públicas’, ‘liberdades fundamentais’, ‘direitos individuais’ e ‘direitos públicos
157 MIRANDA, J. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais, 3. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 2000, p. 57.
158 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 9. ed.
Madrid: Tecnos, 2005, p. 32.
159D’ÁVILA LOPES, A. M. Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar. Porto Alegre:
subjetivos’, ‘direitos naturais’, ‘direitos civis’, assim como as suas variações, porquanto – ao menos como termos genéricos – anacrônicos e, certa forma, divorciados do estágio atual da evolução dos direitos fundamentais no âmbito de um Estado (democrático e social) de Direito, até mesmo em nível de direito internacional, além de revelarem, com maior ou menor intensidade, uma flagrante insuficiência no que concerne à sua abrangência, visto que atrelados a categorias específicas do gênero direitos fundamentais.160
O traço distintivo dos direitos fundamentais, necessário para a
delimitação do seu objeto, é a sua consagração em uma ordem jurídico-
constitucional determinada, que possibilita o gozo de todos os instrumentos internos
de realização de suas disposições, autorizando o cumprimento das posições
subjetivas e valorativas neles contidos.
O grau de importância dos direitos fundamentais no constitucionalismo
contemporâneo pressupõe instrumentos de proteção destinados a afastar os perigos
e ataques inerentes a uma singela inserção em textos formais, sem a certeza de sua
concretização, tornando relevante o papel das garantias, paralelamente
estabelecidas no mesmo ambiente constitucional dos direitos fundamentais.
A doutrina
161reconhece em Jorge Miranda
162a formulação atual mais
precisa do assunto, pois ensina o professor da Universidade de Lisboa:
Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que possam ser objecto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos
declaram-se, as garantias estabelecem-se.163
Embora importantes os dados apresentados por Miranda, as diferenças
tornam-se, muitas vezes, obscuras, em razão de as garantias poderem também
materializar direitos ou fornecer os próprios elementos da definição constitucional do
160SARLET, Ingo Wolgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. amp. Rio Grande do
Sul: Livraria do Advogado, 2006, p. 34-35.
161BONAVIDES, P. op.cit., p. 528-529; CANOTILHO, J.J.G. op. cit. (2004), p. 397; D’ÁVILA LOPES.
A. M. op. cit (2001), p. 45; LIMA, F. G. M. op. cit., p. 35-36; SARLET, I.W. op. cit. (2006), p. 208-215.
162
MIRANDA, J. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais, 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 95-99.