criminal e violação indireta da Constituição
O reconhecimento do recurso extraordinário como instrumento de tutela
dos direitos fundamentais tem suas repercussões práticas nos julgamentos
realizados pelo Supremo Tribunal Federal, o que redobra a necessidade de
conceber esta via recursal como virtuoso remédio para a promoção dos direitos
constitucionalmente protegidos.
Alguns assuntos constitucionais, diretamente relacionados aos direitos
fundamentais, têm ocupado a rotina de trabalho do Supremo Tribunal Federal,
369 Em análise comparativa realizada entre os anos de 1951 e 1983, o constitucionalista tambémrevelou que o recurso constitucional foi a principal atividade exercida pelo Tribunal constitucional alemão. Cf. MENDES, G. op. cit. (1990), p. 141-143.
permitindo a consolidação de jurisprudência no julgamento de recursos
extraordinários, em verdadeiro conflito com o conteúdo básico da teoria dos direitos
fundamentais, comprometendo a incorporação da sua força jurídica, essencial no
regime constitucional.
Dentre os posicionamentos jurisprudenciais da Suprema Corte,
observam-se duas experiências de marcante repercussão na vitalidade do recurso
extraordinário, em relação ao enfrentamento da proteção dos direitos fundamentais:
a ausência de efeito recursal suspensivo em matéria criminal e a violação indireta
dos dispositivos constitucionais.
Baseado na legislação infraconstitucional, precisamente no artigo 637 do
Código de Processo Penal
371e no artigo 27, parágrafo segundo, da Lei n.º
8038/90
372, o Supremo Tribunal Federal
373reconhece constitucionalmente válida
restrição – legal e abstrata – aos direitos fundamentais da presunção de inocência e
ampla defesa, justamente porque determina a execução da pena fixada nas
instâncias ordinárias, ainda que ausente uma necessidade cautelar que afaste a
espera do trânsito em julgado da decisão recorrida, com a superação do
conhecimento do recurso extraordinário interposto.
371“O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos
do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”.
372“Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”.
373 Por suas duas turmas: “HABEAS CORPUS - CONDENAÇÃO PENAL SUJEITA A RECURSO DE
INDOLE EXTRAORDINÁRIA AINDA PENDENTE DE APRECIAÇÃO - POSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO DA PRISÃO DO CONDENADO - PEDIDO INDEFERIDO. - O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE DOS RÉUS, FUNDADO NO ART. 5.º, LVII, DA CARTA POLÍTICA, NÃO SE QUALIFICA COMO OBSTÁCULO JURÍDICO A IMEDIATA CONSTRIÇÃO DO STATUS LIBERTATIS DO CONDENADO. - A EXISTÊNCIA DE RECURSO ESPECIAL (STJ) OU DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO (STF), AINDA PENDENTES DE APRECIAÇÃO, NÃO ASSEGURA AO CONDENADO O DIREITO DE AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DE QUALQUER DESSAS MODALIDADES DE IMPUGNAÇÃO RECURSAL, PORQUE DESPOJADAS, AMBAS, DE EFICÁCIA SUSPENSIVA (LEI N. 8.038/90, ART. 27, PAR. 2.). O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - QUE PODE SER EVENTUALMENTE RECONHECIDO EM SEDE DE APELAÇÃO CRIMINAL - NÃO SE ESTENDE, CONTUDO, AOS RECURSOS DE ÍNDOLE EXTRAORDINÁRIA, POSTO QUE NÃO DISPÕEM ESTES, NOS TERMOS DA LEI, DE EFEITO SUSPENSIVO QUE PARALISE AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS QUE DECORREM DO ACÓRDÃO VEICULADOR DA CONDENAÇÃO PENAL. PRECEDENTES”. (HC 72102/MG, 1.ª T, Rel. Min. Celso de Mello, j. 14/2/1995, DJU 20/4/1995, p. 9948); “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO DECORRENTE DE CONDENAÇÃO AINDA PENDENTE DE RECURSO. CF, ART. 5º, LVII. I. - Não configura constrangimento ilegal o fato de o réu condenado aguardar na prisão o julgamento dos recursos que interpôs. II. - O recurso especial e o recurso extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem a execução provisória da pena de prisão. Regra contida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90, que não fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes. III. - H.C. indeferido”. (RHC 84846/RS, 2.ª T, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 19/10/2004, DJU 5/11/2004, p. 38)
Este entendimento – baseado em legislação infraconstitucional que
confere apenas efeito devolutivo ao recurso extraordinário – desconsidera que o
conteúdo do recurso envolve o direito fundamental de liberdade e representa estrita
visão deste importante instrumento constitucional de tutela dos direitos
fundamentais, reduzindo-o artificialmente à função de controle do direito objetivo.
374Percebendo a importância do direito fundamental de liberdade para o
regime democrático, cuja restrição impõe um acentuado peso ao direito fundamental
ou valor que justifique a prisão do recorrente, algumas decisões
375do Supremo
374 Conforme procedente crítica de Eugênio Pacceli, referindo-se à necessidade de prestigiar oprincípio da presunção de inocência: “Quanto à primeira hipótese, conforme tivemos oportunidade de observar, preferindo interpretar a norma constitucional à luz da legislação processual, a Corte Suprema admite abertamente, sem qualquer fundamentação em necessidade – exceto um, provável, mas inconfessável, de política judiciária – a execução provisória de quem não é considerado culpado. E o que é pior: nem sequer é exigido ao exeqüente, como no cível, palco de questões freqüentemente patrimoniais, qualquer garantia para o caso de provimento do apelo excepcional. Mas, para isso, certamente há uma explicação. E até bem simples. É que, ao contrário da execução provisória no cível, a garantia jamais se mostraria suficiente diante da impossibilidade real da restituição da liberdade usurpada”. Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. O Supremo e as garantias processuais: verdades, mentiras e outras indagações. In: CRUZ, A. R. S.; SAMPAIO, J. A. L.
Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: DelRey, 2001, p. 319.
375 "HABEAS CORPUS - CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL - SUBSISTÊNCIA, MESMO ASSIM,
DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) - RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, Nº 2) - ACÓRDÃO QUE ORDENA A PRISÃO DA CONDENADA, POR REPUTAR LEGÍTIMA ‘A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DO JULGADO’ E, TAMBÉM, PELO FATO DE OS RECURSOS EXCEPCIONAIS DEDUZIDOS PELA SENTENCIADA (RE E RESP) NÃO POSSUÍREM EFEITO SUSPENSIVO - DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR - POSSIBILIDADE, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS MENCIONADOS NO ART. 312 DO CPP - NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA, EM CADA CASO, DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - PEDIDO DEFERIDO. PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO- CULPABILIDADE E CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS - COMPATIBILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL, DESDE QUE SE EVIDENCIE A IMPRESCINDIBILIDADE DESSA MEDIDA EXCEPCIONAL. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de reconhecer que a prisão decorrente de sentença condenatória meramente recorrível não transgride o princípio constitucional da não-culpabilidade, desde que a privação da liberdade do sentenciado - satisfeitos os requisitos de cautelaridade que lhe são inerentes - encontre fundamento em situação evidenciadora da real necessidade de sua adoção. Precedentes. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos não assegura, de modo irrestrito, ao condenado, o direito de (sempre) recorrer em liberdade, pois o Pacto de São José da Costa Rica, em tema de proteção ao ‘status libertatis’ do réu, estabelece, em seu Artigo 7º, nº 2, que ‘Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas’, admitindo, desse modo, a possibilidade de cada sistema jurídico nacional instituir os casos em que se legitimará, ou não, a privação cautelar da liberdade de locomoção física do réu ou do condenado. Precedentes. - O Supremo Tribunal Federal - embora admitindo a convivência entre os diversos instrumentos de tutela cautelar penal postos à disposição do Poder Público, de um lado, e a presunção constitucional de não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) e o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 7º, nº 2), de outro - tem advertido sobre a necessidade de estrita observância, pelos órgãos judiciários competentes, de determinadas exigências, em especial a
Tribunal Federal têm passado a afastar o regime legal que não reconhecia o efeito
suspensivo à interposição de recurso extraordinário. Reexaminando a restrição
imposta pelo legislador diante da Constituição, o Tribunal demonstrou que, perante a
necessidade de tutela de certos direitos fundamentais, somente quando presente
uma necessidade cautelar concreta, é cabível a compressão do direito de liberdade,
repelindo uma verdadeira execução antecipada da pena, até então obrigatória nas
instâncias extraordinárias, mesmo que antes da consumação do trânsito em julgado.
A matéria ainda não está definida, pois se encontra pendente o julgamento do HC
84078/MG perante o Pleno do Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que se
espera, seguindo a teoria dos direitos fundamentais, que aquele Tribunal julgue com
correção, reafirmando a vocação do recurso extraordinário para a tutela dos direitos
fundamentais, de forma que vede a possibilidade de prisão do recorrente quando
ausente a essencial necessidade, fundamentado tão-somente em previsão abstrata
da legislação infraconstitucional.
Outro assunto constitucional fértil no Supremo Tribunal Federal é o
atinente aos julgados que inadmitem o recurso extraordinário por possível violação
indireta da Constituição, mesmo que tratando da proteção dos direitos fundamentais.
Esta linha jurisprudencial, que tem inclusive exemplo sumulado
376, parte da
compreensão de que determinados direitos fundamentais exigem o enfrentamento
da legislação infraconstitucional para a definição do seu conteúdo.
377demonstração - apoiada em decisão impregnada de fundamentação substancial - que evidencie a imprescindibilidade, em cada situação ocorrente, da adoção da medida constritiva do ‘status libertatis’ do indiciado/réu, sob pena de caracterização de ilegalidade ou de abuso de poder na decretação da prisão meramente processual. PRISÃO CAUTELAR - CARÁTER EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. - A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Doutrina. Precedentes. (HC 89754/BA, 2.ª T, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13/2/2007, DJU 27/4/2007, p. 106). No mesmo sentido: RHC 8550/SP.
376“636 - Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade,
quando a sua verificação pressuponha rever a interprestação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.
377 “AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 5º, INCISOS XXII E LIV, DA
CONSTITUIÇÃO - AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA AO TEXTO CONSTITUCIONAL - CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE - RECURSO IMPROVIDO. PREQUESTIONAMENTO
No entanto, ignora a Suprema Corte que, mesmo os diretos
fundamentais de restrito âmbito de proteção normativa, possuem um conteúdo
mínimo, indiferentemente da existência ou não de legislação infraconstitucional que
os concretize ou proteja, coadunando-se, portanto, com o artigo 5.º, parágrafo
primeiro, da Constituição Federal.
378A supressão da atuação do recurso
extraordinário na tutela dos direitos fundamentais por, segundo o entendimento
criticado, violação indireta da Constituição permite a conclusão que a superveniência
de produção legislativa voltada para a concretização de um direito fundamental se
traduz – absurdamente – em prejuízo para o exercício deste mesmo direito, uma vez
que a lacuna legislativa não tornaria indireta a violação, abrindo a incidência direta
do texto constitucional.
A compreensão do recurso extraordinário com o propósito de tutela de
direitos fundamentais repele a singela mutilação dos direitos fundamentais, operada
pelo Supremo Tribunal Federal nessas decisões, sobretudo porque a sua dimensão
objetiva recomenda o dever de proteção dirigido ao legislador.
379EXPLÍCITO E OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mesmo sob a égide da Constituição de 1988, continua a exigir o prequestionamento explícito da matéria constitucional. A ofensa à Lei Fundamental da República - que se supõe direta e imediata, para efeito de acesso à via recursal extraordinária - não dispensa o requisito essencial do prequestionamento, que não se admite implícito. Precedentes. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DIREITO DE PROPRIEDADE - HIPÓTESE DE VULNERAÇÃO OBLÍQUA AO TEXTO CONSTITUCIONAL. - A alegação de ofensa à garantia dominial impõe, para efeito de seu reconhecimento, a análise prévia da legislação comum, pertinente à regência normativa do direito de propriedade, o que poderá caracterizar, quando muito, situação de ofensa reflexa ao texto da Constituição, suficiente, por si só, para descaracterizar o próprio cabimento do apelo extremo. Precedentes. ‘DUE PROCESS OF LAW E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE’. - A garantia do devido processo legal exerce-se em conformidade com o que dispõe a lei, de tal modo que eventual desvio do ato decisório configurará, quando muito, situação tipificadora de conflito de mera legalidade, apto a desautorizar a utilização do recurso extraordinário. Precedentes. - A alegação de ofensa ao princípio da legalidade, inscrito no art. 5º, II, da Constituição da República, não autoriza, só por si, o acesso à via recursal extraordinária, pelo fato de tal alegação tornar indispensável, para efeito de sua constatação, o exame prévio do ordenamento positivo de caráter infraconstitucional, dando ensejo, em tal situação, à possibilidade de reconhecimento de hipótese de mera transgressão indireta ao texto da Carta Política. Precedentes”. (AI-AgR 338090/RS, 2.ª T, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12/3/2002, DJU 12/4/2002, p. 60); “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. I. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. - R.E. inadmitido. Agravo não provido”. (AI-AgR 222418/SC, 2.ª T, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 6/4/1999, DJU 28/5/1999, p. 10)
378“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
379“Segundo tal posição, se a decisão judicial recorrida aplicar uma lei sem levar em consideração os
princípios constitucionais que deveriam nortear sua exegesse, não caberá o extraordinário, pois não terá havido ofensa direta à Lei Maior. Tal orientação é nefasta, por impedir que o Supremo Tribunal Federal tutele o respeito à Constituição, pelos tribunais ordinários, na sua tarefa de interpretar e aplicar a legislação à luz da Lei Maior. Afastam-se do crivo do Pretório Excelso as mais relevantes
Em artigo específico sobre a violação indireta, critica José Emílio
Medauar Ommati:
Se essa idéia prevalecer no direito brasileiro, será a própria Constituição que estará sendo desconsiderada e reescrita pelo STF. Ora, se existe um modelo constitucional de processo, estabelecido pelo Texto Fundamental brasileiro, e esse modelo existe, em decorrência dos princípios constitucionais, por exemplo, do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, fundamentação das decisões judiciais, é claro que esses princípios constitucionais só ganham sentido e densidade nas situações concretas e nas normas infraconstitucionais que os densificam, tais como as normas do Código de Processo Civil que regulam o direito a prova, no momento de produção da mesma, dentre outras. Assim, o descumprimento dessas normas processuais pode, dependendo da situação, levar ao descumprimento de normas constitucionais [...].380
Vem ganhando força na Corte Suprema a corrente jurisprudencial
381que
prestigia os direitos fundamentais, sublinhando que estes direitos possuem um
hipóteses de aplicação da teoria da eficácia irradiante dos direitos fundamentais, que se ligam à necessidade de interpretação das cláusulas gerais do direito infraconstitucional ao lume dos valores hospedados na Constituição. Recorde-se, a propósito, que foi exatamente em casos dessa espécie que se desenvolveu a teoria da eficácia irradiante dos direitos fundamentais. É certo que o STF não deve se converter em mais uma instância de revisão das decisões judiciais, o que aprofundaria ainda mais sua crise, decorrente da sobrecarga de trabalho, e agravaria o problema da morosidade da prestação jurisdicional, que tem no cabimento indiscriminado de recursos um dos seus principais ingredientes. Entretanto, isso não justifica que o STF, por uma construção formalista, abandone o seu papel de guardião da Constituição, descurando-se de uma das principais funções da Lei Maior, que é a de pautar a interpretação de todo o ordenamento jurídico-positivo”. Cf. SARMENTO, Daniel. op. cit. (2003), p. 287.
380OMMATI, José Emílio Medauar. Ofensa reflexa à Constituição: ofensa direta à Constituição. NERY
JR. N.; WAMBIER, T.A.A. (orgs.) Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos tribunais, v. 10, 2006, p. 190.
381 “DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - INTEIREZA. A ordem jurídico- constitucional assegura aos cidadãos o acesso ao Judiciário em concepção maior. Engloba a entrega da prestação jurisdicional da forma mais completa e convincente possível. Omisso o provimento judicial e, em que pese a interposição de embargos declaratórios, persistindo o vício na arte de proceder, forçoso é assentar a configuração da nulidade. Isso ocorre diante da recusa do órgão julgador em emitir entendimento explícito sobre a valia, ou não, de aresto indicado, como paradigma, para efeito de conhecimento do recurso de revista - artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho”. (RE 158655/PA, 2.ª T, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 20/8/1996, DJU 2/5/1997, p. 16567); RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NORMAS LEGAIS - CABIMENTO. A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da tese de
conteúdo mínimo, de forma que não pode ser suprimida a sua proteção pelo recurso
extraordinário, diante da simples existência de legislação infraconstitucional que os
discipline ou proteja.
A inserção dos direitos fundamentais como objeto de tutela do recurso
extraordinário demonstra o equívoco da restrição apontada, evitando o grave
problema denunciado pelo jogo de palavras de José Emílio Ommati, precisamente
que “a idéia de ofensa reflexa à Constituição leva a uma ofensa direta ao Texto
Constitucional”.
382Os dois exemplos relatados demonstram as graves conseqüências
práticas no desenvolvimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando
adotada uma proposta de tutela dos direitos fundamentais por meio do recurso
extraordinário, determinante para a fixação do próprio conteúdo desses direitos,
surgidos e contornados em função da riqueza dos casos concretos, bem como da
amplitude democrática da sua legitimidade.
que a ofensa à Carta Política da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal apreciar a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora se torne necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito: o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. (RE 242064, 2.ª T, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 14/11/2000, DJU 24/8/2001, p. 63). Adotando o mesmo entendimento: RE 158215, RE 154159, RE, 158655, RE 198016, RE 223230 e RE 168754.