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CAPÍTULO 3 OS DESAFIOS NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DOCENTE PERANTE AS

3.1. Delimitação do estudo: práticas docentes no processo de inclusão do aluno com

No que diz respeito às propostas de formação docente, há uma escassez de trabalhos que focalizem a análise e reflexão dos professores acerca de suas práticas pedagógicas. As situações de sala de aula articuladas às concepções dos professores sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem do aluno com deficiência intelectual são temáticas pouco problematizadas, que podem levar a uma tomada de consciência, por parte dos docentes, acerca de seus pressupostos e concepções teóricas e ideológicas.

Na pesquisa realizada por Tiozzo (2005), por exemplo, verificou-se que as professoras, ao descreverem e compartilharem suas práticas, não conseguiam identificar as explicações e/ou motivações (teorias científicas, crenças, valores) a elas subjacentes. O autor observou que havia uma desarticulação, no discurso docente, entre teoria e prática.

Pesquisas recentes sobre a inclusão do aluno com deficiência intelectual revelam que os professores não têm a percepção de como podem promover o desenvolvimento dos alunos

incluídos. Isso dificulta a consciência do professor acerca do seu papel como mediador no processo de aprendizagem, bem como a compreensão da determinação social da deficiência. Para exemplificar e aprofundar tal questão, temos os estudos de Souza e Monteiro (2008), Dainêz (2009), Teles (2010) e Mieto (2010).

O estudo realizado por Souza e Monteiro (2008), com professores e funcionários de uma escola da rede municipal de Piracicaba, tinha como objetivo colaborar com a formação de professores para uma escola inclusiva. Foram realizados grupos de reflexão mensais, nos quais eram gravados os dizeres dos participantes acerca de temas relacionados à história da deficiência, à formação de concepções e às possibilidades de desenvolvimento de alunos diagnosticados com deficiência mental (termo utilizado na época da pesquisa). Os resultados evidenciaram que os professores demonstravam temor com relação à chegada de um aluno especial, principalmente por causa do desconhecimento do seu papel na aprendizagem desse aluno, da incompreensão da função do estagiário (monitor) no auxílio dessa aprendizagem, da atribuição da dificuldade da criança à não aceitação de seu déficit pela família e da falta de subsídios para atender as necessidades de um aluno especial.

Em resumo, as autoras da pesquisa concluíram que os professores não se sentiam preparados para a inclusão, necessitando de apoio. Além disso, os dados da pesquisa sugerem que os professores tinham a tendência de analisar os problemas referentes à inclusão como decorrentes da própria deficiência apresentada pelo aluno, não conseguindo perceber como podiam promover o desenvolvimento dessas crianças.

Na pesquisa de mestrado realizada por Dainêz (2009), o objetivo foi caracterizar as dinâmicas das relações sociais de crianças com deficiência mental em uma escola regular, bem como discutir os caminhos de aprendizagem e desenvolvimento que estas percorriam no processo de inclusão. Foram realizadas filmagens semanais, em duas salas de aula, que tinham alunas com deficiência mental incluídas e na sala de apoio pedagógico frequentada por essas alunas.

Entre os aspectos observados pela pesquisadora, referentes às relações sociais vivenciadas no espaço escolar pelos alunos com deficiência incluídos, merecem destaque as práticas pedagógicas a eles direcionadas. Segundo Dainêz (2009), tratava-se de práticas empobrecidas de conteúdos, que não possibilitavam o aprendizado dessas crianças e levavam a dificuldades em seus relacionamentos interpessoais no contexto educativo. A pesquisadora salienta que, embora existisse por parte das professoras compromisso e preocupação com a inclusão de tais crianças na escola, o atual modelo de inclusão – imposto pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – não tem favorecido que essa inclusão se efetive.

O referido modelo, conforme argumenta Dainêz (2009), coloca a responsabilidade pelo ensino do aluno especial no espaço de Apoio, que é um tipo de atendimento suplementar –

portanto, também oferecido de forma complementar e superficial.20 Como consequência, a referida autora complementa:

Nossas análises mostram o que essa estruturação imposta por políticas de inclusão gera na prática pedagógica e, conseqüentemente, na aprendizagem da criança especial. Os professores sentem que a sala de apoio é o lugar em que a criança especial vai aprender, ou seja, é o apoio que vai ensinar a criança a acompanhar o ensino comum. Além do mais, os professores identificam a sala de aula comum como responsável por melhorar a socialização, pois a criança vai aprender mesmo na sala de apoio. Nesta confusão o ensino da criança não é considerado responsabilidade da sala de aula regular, que está ali para socializar, mas também não é visto como responsabilidade da sala de apoio, que está ali para complementar (Dainêz, 2009, p. 134).

A pesquisa de mestrado realizada por Teles (2009) tinha como interesse os processos de construção de significados pelo professor acerca da inclusão e escolarização de alunos com deficiência intelectual. A metodologia utilizada pela pesquisadora consistiu em observações nos contextos onde se davam as práticas pedagógicas e em entrevistas semiestruturadas com professoras dos primeiros anos do ensino fundamental de nove anos, que atuavam em turmas inclusivas da rede regular.

Teles concluiu que as professoras que atuavam na inclusão desses alunos estavam em um processo de construção-reconstrução dos significados sobre a deficiência intelectual e sua escolarização. Contudo, afirmou que o trabalho pedagógico voltado para os alunos com esse diagnóstico ainda é significado como algo restrito ao atendimento das dificuldades apresentadas por eles em razão da deficiência. Sobre os significados construídos pelas professoras acerca do aluno com deficiência intelectual, a pesquisadora ressalta:

Sofrimento, dificuldade, raciocínio mental, são conceitos sobre a deficiência que estão muito voltados para a problemática, vendo o indivíduo nas suas impossibilidades, naquilo que não é capaz de fazer. A professora de antemão já concebe que há uma discapacidade, que o deficiente não consegue fazer parte do convívio social sem que tenha um aparato, e no caso da fala da professora, esse aparato é a escola e o trabalho do professor para que possa conduzir esse indivíduo a se adaptar a sociedade. [...] A escola, apesar do despreparo tanto em termos de estrutura física como em termos de qualificação de profissionais, é a responsável pela inserção da população deficiente na sociedade (Teles, 2010, p. 114).

O conceito formado sobre o aluno direciona a prática em sala de aula na medida que ela entende que o aluno necessita de direcionamentos e intervenção nas suas condutas para que possa conviver no meio social de

forma a não atrapalhar os demais. A construção pelo aluno da autonomia e independência é uma construção que vai se dar ao longo da vida dele, mas a professora coloca que não sabe se o aluno chegará a consolidar esse processo. A escolarização é vista como um ponto importante para o desenvolvimento do aluno, uma vez que ela acredita que se ele for estudando ele irá evoluir, ou seja, a visão da escola como promotora de condições para o desenvolvimento do aluno, mas o mérito do sucesso ainda fica a cargo de como o indivíduo responde a essa promoção (Teles, 2010, p. 115).

No trabalho de doutorado de Mieto (2010), o objetivo também foi analisar os significados construídos sobre ser professor na inclusão, abordando a reflexividade sobre a própria ação e a importância da brincadeira nesse processo de inclusão educacional. A pesquisadora adotou como instrumento principal de coleta de dados entrevistas semiestruturadas com duas professoras, Alexandrina e Querubina, envolvendo questões autobiográficas e narrativas, além de observações e grupos focais.

Com relação aos significados construídos acerca da inclusão de alunos com deficiência intelectual, a pesquisadora observou que as concepções orientadoras das práticas pedagógicas podem seguir dois caminhos: a) levar a transformações nas possibilidades de aprendizagem e socialização; ou b) manter a segregação por meio de uma aparente inclusão que está associada ao discurso hegemônico da não educabilidade. De acordo com a análise de Mieto, isso se justifica pelas diferentes concepções de desenvolvimento acerca da criança com deficiência intelectual:

Alexandrina reflete sobre a criança com deficiência intelectual como pessoa em desenvolvimento, na interação com os outros, sendo transformada e promovendo transformações nos contextos em que se encontram. Este indicador gera dialeticamente a crença na agencialidade dos alunos, possibilitando a promoção de práticas dialógicas... [...] Querubina significa as crianças com deficiência intelectual como pessoa avaliada a partir de parâmetros de medidas de inteligência, pautada no determinismo biológico, observando-se poucas considerações das potencialidades do contexto de mediação cultural (2010, p. 106).

Segundo a pesquisadora, essas conceituações estão estreitamente relacionadas às concepções docentes mais amplas de desenvolvimento. No caso da professora Alexandrina, elas têm como base os sentidos de que alunos e professores estão em constante desenvolvimento e que as relações estabelecidas com as crianças incluídas produzem transformações no pensamento e na forma de interagir com a comunidade escolar e com a sociedade em geral, auxiliando a promoção de práticas inclusivas inovadoras. No caso de Querubina, os significados construídos estão mais relacionados a concepções biologizantes de aprendizagem, calcadas nas teorias do determinismo biológico do século XIX. Tais significados acabam por gerar práticas pedagógicas não inclusivas, que reproduzem o discurso hegemônico.

No que diz respeito ao fato de os significados construídos pelos professores vincularem-se aos diferentes níveis de reflexibilidade sobre a própria ação, os dados da pesquisa sugerem que esses dois aspectos se associam por processos que articulam sua emoção, sua posição diante do discurso ideológico hegemônico e o conhecimento acerca do manejo das estratégias pedagógicas utilizadas. Tal informação corroborou uma das suposições da pesquisadora: a de que os significados direcionados para a virtuosidade ligam-se à concepção que professores têm de si mesmos e à reflexibilidade para a própria ação em diferentes níveis.

Outras pesquisas realizadas a partir de experiências formativas com professores que atuam na educação inclusiva mostram que as possíveis soluções para seus desafios decorrem de ações baseadas em reflexão acerca dos princípios, da organização escolar e da própria prática pedagógica, de forma a redimensioná-la (Figueiredo, 2002; Martins & Cols, 2006; Oliveira & Costa, 2003). Os autores ressaltam a necessidade de mais investigações sobre a redefinição do trabalho dos professores e de suas formações, que precisa estar mais próxima do cotidiano escolar.

Nessa direção, Mitjáns Martinez (2006) afirma que seria fundamental para a organização do trabalho pedagógico em contextos inclusivos a criação de espaços comunicativos e relacionais que possibilitassem a construção de novas zonas de sentido a respeito de questões como a diferença, o desenvolvimento e a aprendizagem.

Conforme afirma Nóvoa (1991), trocar experiências e saberes é fundamental para a consolidação de um espaço de formação mútua, em que cada professor possa exercer simultaneamente os papéis de formador e de formando. Segundo o autor, é a partir do diálogo, de uma rede coletiva de trabalho, que os docentes conseguirão consolidar os saberes emergentes da prática profissional, promovendo a socialização e afirmação de valores próprios da profissão docente. De acordo com as reflexões do autor,

as práticas de formação contínuas organizadas em torno dos professores individuais podem ser úteis para a aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorecem o isolamento e reforçam uma imagem dos professores como transmissores de um saber produzido no exterior da profissão. Práticas de formação que tomem como referência as dimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e dos seus valores (Nóvoa, 1991, p. 15).

Desse modo, o presente estudo parte do princípio de que é central que os esforços de formação docente para atuação na perspectiva da educação inclusiva levem em consideração as condições de trabalho do professor e de seu coletivo. Propõe-se, para tanto, uma discussão e análise de como as concepções sobre o aluno deficiente intelectual incluído orientam as práticas docentes (e vice-versa) e, consequentemente, constituem modos de ser aluno, de ser professor e de viver na escola (cultura escolar).

Nessa perspectiva, tendo como foco a análise das práticas pedagógicas – o contexto da sala de aula com alunos deficientes intelectuais incluídos –, o presente estudo indaga: quais concepções de desenvolvimento e aprendizagem sustentam a atuação pedagógica dos professores que trabalham com alunos deficientes intelectuais? Num desdobramento, como os professores se posicionam acerca das estratégias pedagógicas adotadas com alunos deficientes intelectuais incluídos? Ou seja, quais são os alicerces explicativos que fundamentam tais estratégias?

3.2. Objetivos

A partir das questões anteriormente apresentadas, os objetivos deste estudo são:

a) Identificar e analisar criticamente, com os professores, as estratégias pedagógicas por eles propostas em situações de sala de aula que envolvam alunos deficientes intelectuais incluídos e seus desdobramentos para a conceituação da deficiência intelectual.

b) Refletir sobre os valores e as concepções docentes acerca das possibilidades, das características e do funcionamento das crianças com deficiência intelectual incluídas em suas salas de aula.

c) Propor, metodologicamente, um espaço de experiência formativa que promova a reflexão dos professores de ensino fundamental atuantes em escola inclusiva sobre aspectos de sua prática pedagógica que revelem seus pressupostos acerca do desenvolvimento e da aprendizagem de alunos com deficiência intelectual.