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3 PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS (PSA): caracterização e

3.1 O VALOR DA NATUREZA: serviços ecossistêmicos e ambientais

3.1.1 Delimitando termos: a diferença entre serviços ecossistêmicos e serviços

É necessária aqui, contudo, uma observação de natureza terminológica. Nota-se que há divergência, até pela certa novidade que representa a matéria, no uso dos termos “serviços ambientais” ou “serviços ecossistêmicos”, sendo os dois termos usados de formas diferentes, ou muitas vezes como sinônimos, dependendo dos autores. Para Nusdeo (2013, p. 13) “essa distinção não se justifica no contexto brasileiro atual”, pois o termo “serviços ambientais” vem sendo empregado para referir-se tanto às funções ecológicas, que devem ser preservadas, bem como aos programas de pagamentos referentes às ações humanas que apoiam tais funções.

Não obstante, mostra-se pertinente demarcar as diferenças entre os termos, pois há consequências negativas no mal entendimento de qual serviço está no foco de uma possível política pública ou regulamentação, por exemplo. Quando o tema é pagamento por serviços ambientais, não está em jogo, por óbvio, pagar para ou pela “natureza”, mas sim aos serviços humanos que garantem as funções ecossistêmicas essenciais.

Realmente, como explica Rech (2012, p. 195), “não é dessa natureza dos serviços ambientais que vamos tratar [serviços ecossistêmicos], mas dos serviços humanos necessários para guardar e propiciar que a natureza continue prestando seus serviços potencialmente existentes, como fornecimento de bens naturais”.

Em relação a isso, veja-se o Decreto Estadual nº 55.947/10, que regulamenta a Lei estadual nº 13.798/09 (que dispõe sobre a Política Estadual de Mudanças Climáticas no Estado

de São Paulo), onde é apresentada no Artigo 3º, I, como “serviços ecossistêmicos” os “benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas”, e no inciso II, como “serviços ambientais” os “serviços ecossistêmicos que têm impactos positivos além da área onde são gerados” (SÃO PAULO, 2010).

Entretanto, para efeitos didáticos, parece adequado adotar, dentre tantas outras, a

concepção de Muradian et al. (2010, p. 1202, tradução nossa52), que defendem a ideia de

“serviços ecossistêmicos” (ecosystem services) como uma subcategoria dos serviços ambientais, visto que, para tais autores, os serviços ecossistêmicos devem remeter, restritamente, aos serviços ou funções derivados de ecossistemas naturais (natural ecosystems) e que resultam em benefícios aos humanos. Por outro lado, os “serviços ambientais” (environmental services), conceito mais amplo, compreenderiam também os benefícios associados aos diferentes tipos de ecossistemas por resultado de manejo pelo homem, como a agricultura sustentável e etc.

Tal classificação é apropriada, pois apesar de a humanidade ser responsável, nos últimos séculos, pela rápida degradação de elementos da biosfera, é também inegável a capacidade humana, que remete a tempos imemoriais, de realizar o enriquecimento biológico dos ecossistemas, por meio de manejos e práticas afins. Assim explica Alarcon (2014, p. 37-38), que também adota a classificação acima proposta:

Muitas das ações estabelecidas em programas de conservação visam a melhoria destes ecossistemas por meio da intervenção humana. Além disso, há uma série de práticas agronômicas agroecológicas que vem fomentando a provisão de serviços ambientais em agroecossistemas, tais como o controle da erosão, aumento da fertilidade do solo, ciclagem de nutrientes, aeração do solo e aumento da biodiversidade, entre outros.

Assim, são “funções ecossistêmicas” todas as “constantes interações existentes entre os elementos estruturais de um ecossistema”, tais como a ciclagem de nutrientes, trocas de energia, etc. Ocorre que muitas dessas funções ecossistêmicas são chamadas de serviços ecossistêmicos, segundo Tosto (2013, p. 26) quando “os processos naturais subjacentes [a essas funções] desencadeiam uma série de benefícios, direta ou indiretamente, apropriáveis pelo ser humano, incorporando a noção de utilidade antropocêntrica”. Em outras palavras, explica o autor, “uma função passa a ser considerada um serviço ecossistêmico quando apresenta possibilidade/potencial de ser utilizado para fins humanos” (TOSTO, 2013, p. 26).

52 No original: “we consider that ecosystem services is a subcategory of the former, dealing exclusively with the

human benefits derived from natural ecosystems. Environmental services also comprise benefits associated with different types of actively managed ecosystems, such as sustainable agricultural practice and rural landscapes”.

De outra parte, os “serviços ambientais” seriam práticas humanas que, associadas à serviços ecossistêmicos, garantem, melhoram ou recuperam esses últimos. Por mais que em ambos os conceitos o serviço pretendido é prestado pela natureza, apenas a ideia de “serviços ambientais” compreende a existência de práticas humanas ativas para garantir, reforçar ou recuperar as funções ecossistêmicas em questão.

É esta, inclusive, a classificação do Projeto de Lei nº 312/2015, que tramita na Câmara dos Deputados, o qual será abordado mais detalhadamente a seguir. Em tal é proposto, em um possível art. 2º, II, a definição de “serviços ecossistêmicos” como “benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais”, nas modalidades de serviços de suporte, provisão, regulação e culturais (seguindo, portanto, as modalidades consolidadas na classificação da “Avaliação Ecossistêmica do Milênio”, vista acima). Como “serviços ambientais”, por outro lado, o PL define as “iniciativas individuais ou coletivas que podem favorecer a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos” (BRASIL, 2015).

De toda sorte, não há dúvidas quanto ao valor desses serviços, aparecendo como questão fulcral a possibilidade de esses serem precificados e/ou remunerados, por governos ou entre privados, para que se mantenham. Não se trata, como refere Furlan (2008, p. 275) “de atribuir valor pura e simplesmente aos bens e serviços ambientais”, mas sim “de criar políticas que valorizem a conservação e/ou preservação da natureza”.

À vista disso, surgiram os instrumentos de Pagamento por Serviços Ambientais. Cabe entender a definição e as modalidades desse mecanismo, bem como os fundamentos teóricos e legais de sua aplicação no Brasil.

3.2 PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS (PSA): caracterização e fundamentos