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Delimitando um discurso sobre identidades e nomeações

É preciso não ser homossexual mas sim buscar encarniçadamente ser gay. Interrogar-se sobre nossa relação com a homossexualidade é antes de tudo desejar um mundo onde essas relações sejam possíveis, mais do que simplesmente ter o desejo de uma relação sexual com alguém do mesmo sexo.

(Michel Foucault)

Através da história31 é possível observar que os discursos sobre homossexualidade têm oscilado, geralmente, entre diferentes concepções. Em 1982, Peter Fry investigava a homossexualidade masculina procurando “desfocar a discussão da sexualidade do campo da medicina e da psicologia para colocá-la firmemente no campo da antropologia social” (p. 87). Fry, na ocasião, chamava a atenção para o fato da personagem social “bicha32” em Belém/PA, ter pouco ou nada em comum com outro personagem social chamado “homossexual”, “entendido” ou “gay”, pertencente às camadas médias de outras metrópoles brasileiras. Este fato evidenciava que havia “várias maneiras de compreender a sexualidade masculina no Brasil, e que estas varia[va]m de região para região, de classe para classe social e, sobretudo, de um momento histórico para outro” (id., p. 88).

Em grande parte do discurso biomédico, a homossexualidade é tratada como desvio ou perturbação moral (portanto, condenável), ou como doença (consequentemente,

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Importante salientar que a história não pode ser compreendida como neutra e sim sujeita a diferentes interpretações que organizam o passado, portanto, como afirma Montenegro (2001, p. 17), uma representação do real onde “a idéia do que é ou não importante vem sendo objeto de significativas mudanças”. Paul Veyne (1983, p. 32) assinala que “quando muito pode-se pensar que alguns fatos são mais importantes que outros, mas essa importância depende inteiramente dos critérios escolhidos por cada historiador e não tem granseza absoluta”. Um exemplo é a polêmica produzida por Luiz Mott (1998, p. 59) ao afirmar que o criador dos termos homossexual e homossexualismo não foi um médico e sim o jornalista e advogado húngaro Karol Maria Kertbeny, ao escrever para os jornais, em 1869, lutando “contra o parágrafo 175 do Código Penal Alemão, que condenava os praticantes do amor ao mesmo sexo à prisão com trabalhos forçados. Para proteger sua pessoa e conferir maior respeitabilidade à defesa desta minoria discriminada, Kertbeny usou o pseudônimo de dr. Benkert, embora nunca tivesse sido médico”. No livro “Escravidão, Homossexualidade e Demonologia” (1988a, p. 42), Mott afirma que este vocábulo foi “cunhado em 1869 por Benkert e divulgado em 1870 pelo médico alemão Westphal”. De acordo com Colin Spencer (1996) a palavra homossexualidade aparece na língua inglesa na década de 1890 com a tradução do livro Psycopathia Sexualis, de R. von Kraft-Ebing (p. 11). De acordo com James Green (2000, p. 113), “aparentemente”, a primeira vez que este termo foi empregado no Brasil foi na literatura médica de Viveiros de Castro na obra “Attentados ao pudor: estudos sobre as aberrações do instincto sexual”, em 1894.

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“No Brasil, nada ilustra tão bem o estatuto de meio-homem, meio-besta do homossexual quanto a palavra ‘bicha’. ‘Bicha’, segundo Parker é um tipo de verme e, ao mesmo tempo, um animal, um bicho, neologisticamente feminilizado (Costa, 1992, p. 94). Richard Parker (1990, p. 77) aponta que é como feminino de bicho que a palavra bicha “atrai mais claramente a imaginação popular”.

passível de cura). Ao final do século XIX, apareceram outras concepções que buscavam caracterizar os sujeitos homossexuais como uma outra espécie, um terceiro sexo, naturalizando-os. Karl Heinrich Ulrichs (1825-1895), além de criar o termo urning, foi um dos primeiros médicos a solicitar justiça e humanidade para os amantes do mesmo sexo. Para este autor, todos os embriões eram iguais e somente mais tarde se dividiriam em três: o masculino, o feminino e o urning. Este último teria características físicas de um gênero, mas instinto sexual do outro. Uma pessoa tornava-se homossexual quando o processo físico de descartar um dos sexos não era acompanhado pela porção cerebral que controlava o instinto sexual, assim, um urning seria um homem aprisionado num corpo de mulher ou vice-versa33. Este instinto seria inato e, portanto, natural. Se o pensamento de Ulrichs sobre a descoberta de que cada gênero conteria rudimentos dos órgãos do outro passou a influenciar outros médicos, o mesmo não se pode dizer sobre a sua compreensão humanitária do terceiro sexo (Spencer, 1996).

O interesse científico para a etiologia da homossexualidade havia sido despertado. Logo as primeiras teorias médicas sobre a homossexualidade foram sendo apropriadas pelas classes dominantes e especialmente as igrejas católica e protestantes passaram a concordar com estas explicações, declarando a homossexualidade como uma anomalia, uma doença. De acordo com Peter Fry (1982, p. 100), ao deslocar a homossexualidade do campo do pecado para o controle da medicina, “os médicos não se satisfizeram apenas em declarar a homossexualidade uma anomalia orgânica, pois as origens endócrinas dessa ‘doença’ também acarretariam outras patologias. [...] surge o ‘homossexual’ que é esquizóide, paranóide, etc”. Ao dividir o mundo entre sujeitos homossexuais e heterossexuais, com a bissexualidade como intermediária, a ciência biomédica produziu a condição homossexual que, por sua vez, ajudou a legitimar, com suas teorias, os valores sociais vigentes na época, a moral burguesa. Ou seja, a medicina, ao conceituar a homossexualidade como anormal, consegue materializar no corpo biológico os valores religiosos da culpa e do pecado (Spencer, 1996). É interessante observar que os próprios homossexuais acolhem a noção da homossexualidade como uma condição (Fry, 1982, p. 104)

O século XIX presenciou, dessa maneira, a transformação do discurso que falava no pecado da sodomia, no discurso que considera a homossexualidade como uma condição

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De acordo com Colin Spencer (1996, p. 290) os urning são diferentes dos uranistas. Enquanto os primeiros acreditavam na existência de um terceiro sexo, os segundos falavam de uma relação sentimental com seus jovens protegidos, como numa relação socrática entre o mestre e o discípulo. De preferência que seus amados fossem oriundos de classes trabalhadoras. O movimento “uranista” começou na década de 1870 e se referia aos poetas,

patológica dos sujeitos34. Esta nova noção atingiria não somente os praticantes da sodomia, mas todas as pessoas que praticassem algum ato erótico/sexual com alguém do mesmo sexo. Aqui se incluiriam, inclusive, aqueles e aquelas que sentiam o desejo por tais práticas. Se antes o pecado ficava restrito a uma prática, agora, com a identificação da homossexualidade, o próprio sujeito passa a ser visto como doente. Neste sentido, o discurso médico do século XIX transformou aquilo que era visto como um comportamento sexual, numa identidade sexual. Nas palavras de Michel Foucault (1980, p. 43):

O homossexual do século XIX torna-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade. Ela está presente nele todo...

Isto significa, no dizer de Foucault (1980) que o sujeito passa a ser conceituado e moralmente julgado pela sexualidade, isto enquanto uma questão médica e biológica. Passa a existir um tratamento prescrito para a sua cura, com a conversão à heterossexualidade. Institui-se uma tradição, ainda presente nos meios conservadores, que marca a sexualidade até nossos dias. O livro a “História da Sexualidade” (1980) nos permite reconhecer a relevância do sexo como um fenômeno cultural moderno e a não considerá-lo como decorrência de uma “essência” humana que seria de cunho sexual.

O trabalho de Thomas Laqueur (2001 [1992]) mostra o percurso desenvolvido para a distinção entre os sexos, tal como é concebida nos dias de hoje. Fabíola Rohden (1998, p. 02), analisando o trabalho de Laqueur, afirma que o enfoque do autor “parte dessa centralidade do corpo na ordem social. Porém, isso não significa que tenhamos de pensá-lo como algum tipo de substrato irredutível, muito pelo contrário, é preciso levar às últimas consequências a idéia de que ele também é objeto de construção”. Isto significa que, em outras palavras, não se pode ignorar o corpo, mas que as concepções de corpo também são construções históricas, contextualizadas.

De acordo com o autor, o trabalho de Galeno, no século II d. C., veio demonstrar com detalhes, o que há muito tempo já se sabia, que “as mulheres eram essencialmente

professores, clérigos e pintores que celebravam o amor entre homens e meninos. Trata-se de um termo criado por Timothy d’Arch Smith em seu livro sobre o assunto “Amor com franqueza” (Spencer, 1996).

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Um livro que exerceu grande influência nos tratamentos médicos da época foi Psychopatia Sexualis, de R. von Krafft-Ebing, publicado pela primeira vez em 1886. Ele era católico e possuía a visão do sexo unicamente destinado à procriação. No seu livro reuniu centenas de casos que incluíam sadismo, masoquismo e vários fetichismos. Krafft-Ebing via a homossexualidade associada ao travestismo e achava ambos degradantes. Também escreveu de modo bastante mórbido sobre o lesbianismo, pois o associava com a insanidade por

homens, nos quais uma falta de calor vital – de perfeição – resultara na retenção interna das estruturas que no homem são visíveis na parte externa” (Laqueur, 2001, p. 16). Durante muitos anos acreditou-se que as mulheres tinham a mesma genitália que os homens, porém devido à falta de “energia vital”, esta ficara internalizada em seus corpos. As diferenças entre os corpos eram percebidas pressupondo uma hierarquia entre eles, contudo, havia a possibilidade de conversão de um sexo no outro pelo excesso de calor. No regime do sexo único as mulheres não eram tão perfeitas quanto os homens, os corpos femininos eram compreendidos como uma versão menos evoluída do corpo masculino. Foi por volta do século XVIII, “que a natureza sexual humana mudou” (id., p. 17). A partir deste momento, instalava-se o modelo de dimorfismo radical, onde as diferenças entre os sexos passariam a ser vistas em todo o seu aspecto físico e moral. Com as mudanças na ordem política e ideológica das sociedades ocidentais onde os seres humanos passaram a ser considerados iguais, foi preciso estabelecer uma desigualdade entre os gêneros a partir da natureza. Os anatomistas começaram a conceitualizar o corpo feminino como um outro corpo e a afirmar que o sexo não se limitava aos órgãos da reprodução. “A diferença sexual em espécie, não em grau, parecia solidamente baseada na natureza” (id., p. 17). Esta formulação biológica, de um corpo estável, não histórico e sexuado, logo torna-se dominante indicando que “há dois sexos estáveis, incomensuráveis e opostos, e que a vida política, econômica e cultural dos homens e das mulheres, seus papéis no gênero, são de certa forma baseados nesses fatos” (id., p. 18).

Segundo Laqueur, essas transformações discursivas sobre o corpo não tiveram apenas como causa as descobertas científicas, mas teriam ocorrido em conseqüência de uma pluricausalidade de programas culturais (novos contextos sociais, econômicos, políticos, culturais e eróticos) associados a um clamor social. A nova maneira de compreender o corpo só seria possível em decorrência de um novo contexto político que se apresentava à época do Renascimento. O papel da ciência ia se tornando cada vez mais fundamental. As diferenças biológicas, a partir de então diagnosticadas pelos cientistas, passaram a servir de base para que os pensadores sociais dissertassem sobre as diferenças inatas entre homens e mulheres e estabelecessem diferenciações sociais. Laqueur também recorre a Sigmund Freud para afirmar que os sujeitos procuram legitimar diferentes criações culturais através do recurso de tê-las como naturais (Rohden, 1998).

Para Maria Luiza Heilborn (2000, p. 45), “o exercício analítico a que Laqueur se dedica tem por conseqüência levantar dúvidas sobre o consenso a partir do qual a categoria

anomalias cerebrais – um sinal de “doença hereditária do sistema nervoso central” e “sinal funcional de degeneração” (Spencer, 1996, p. 276).

gênero foi construída, pressupondo-se uma imutabilidade do sexo”. Neste mesmo sentido, também são importantes os trabalhos de Judith Butler e Gayle Rubin.

A antropóloga Gayle Rubin, no texto A Circulação de Mulheres35, propôs o sistema de sexo/gênero para descrever “o conjunto de arranjos pelos quais a sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, e no qual estas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas” (1975, p. 02). Neste ensaio, a autora diz que o movimento feminista deveria mais do que sonhar “com a eliminação da opressão das mulheres, [...] sonhar com a eliminação da sexualidade obrigatória e dos papéis sexuais” (p. 31). Gayle Rubin, ainda fala do sonho que mais a atrai, o de “uma sociedade andrógina e sem gênero (mas não sem sexo) na qual a anatomia sexual de alguém seja irrelevante para o que ele é, o que faz e com quem se deita” (ibid.). Em 2003, numa entrevista concedida a Judith Butler, a autora diz que, no Traffic, pretendia “colocar o gênero e a sexualidade num contexto social” (p. 167) e que nunca afirmou que “a sexualidade e o gênero estão sempre dissociados, apenas que eles não são idênticos. Além disso, suas relações são situacionais, não universais e devem ser analisadas em situações particulares” (p. 205). Para Rubin o sistema sexo/gênero é o processo através do qual a sexualidade biológica é culturalmente transformada em ação.

A partir da compreensão da sexualidade como uma construção cultural e histórica, muitas pesquisas têm se voltado para a maneira como compreendemos e interpretamos essa experiência. Richard Parker (2000, p. 48), por exemplo, afirma que “compreender o comportamento individual é menos importante do que compreender o contexto de relações sexuais, que são necessariamente sociais e envolvem negociações complexas entre diferentes indivíduos”. De fato, as pesquisas sociais têm demonstrado uma ampla gama de variações nos diferentes espaços culturais e momentos históricos, longe dos modelos biomédicos ocidentais que estabelecem uma relação necessária entre desejo, comportamento e identidade sexual (Parker, 2000).

Neste sentido, Peter Fry, no prefácio do livro de James Green (2000), elogia o autor por descrever o seu “objeto” de estudo não utilizando esta “classificação” por orientação sexual, mas fazendo uso de formulações como “homens que gostam de outros homens”, ou, ainda, “homens que procuram outros homens para aventuras sexuais”, “erotismo do mesmo sexo”, “homens que gostam de relações sociais e eróticas com outros homens”. Estes autores procuram se distanciar de uma “identidade homossexual” perene e imutável “mantendo, dessa

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forma, uma saudável distância entre os conceitos do narrador e os dos seus personagens” (Fry, 2000, p. 12).

Denise Portinari (1989, p. 27), estudando homossexualidades femininas, afirma que apesar desta ser “vivenciada, escrita e falada [...] não se cogita da existência de tal discurso”. Com certeza a autora estava se referindo a um determinado tempo, a década de 80 do século XX. Será que depois de mais de 15 anos algumas coisas não mudaram a respeito do discurso da homossexualidade feminina? Com certeza as mulheres lésbicas ganharam mais visibilidade social, apesar de ainda, de acordo com Portinari (id., p. 28), o discurso sobre a homossexualidade feminina estar “sempre entremeado com pelo menos três outros: o discurso da feminilidade, o discurso da sexualidade e o discurso amoroso”. A relativa ausência de registros sobre a lesbianidade, o silêncio, é denunciado pela autora que estava interessada em identificar “o discurso da homossexualidade feminina, [...] que favorece a configuração de um imaginário da homossexualidade feminina e se oferece à constituição de um sujeito dessa homossexualidade”. Judith Butler (1991), no artigo Imitation and Gender Insubordination, conta que foi chamada para teorizar sobre lésbicas e que para isto ela poderia tanto usar o conceito de lésbica quanto o de teoria. Que ela não se furtaria a tomar uma posição política e falar enquanto lésbica, mas que gostaria de problematizar este conceito. A partir desta perspectiva, ela foi trabalhando com a busca de afirmação política de uma identidade do movimento lésbico e, ao mesmo tempo, numa necessidade de reflexão sobre o próprio conceito. “Indeed, a Foucaultian perspective might argue that the affirmation of ‘homosexuality’ is itself an extension of a homophobic discourse”36, Para Butler (2003b) a função crítica implica em falar de lugares, de campos e de domínios. Ao sugerir que se assuma uma posição crítica, a autora afirma que “o questionamento de condições tidas como evidentes torna-se possível, mas não se pode chegar lá através de um experimento imaginado, um epoché, um ato de vontade. Chega-se lá através do sofrimento da deiscência, de ruptura do próprio terreno” (p. 229)

Outra polêmica nos ambientes acadêmicos/politizados se refere ao uso do termo homoerotismo37 no lugar de homossexualidade. Para João Bosco Góis (2004, p. 113), esta disputa para identificar os amantes do mesmo sexo, representa “mais do que dilemas semânticos, [...] viragens (ou tentativas de) conceituais significativas, notadamente novas

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“Na verdade, uma perspectiva foucaultiana de poder argumenta que a afirmação da ‘homossexualidade’ em si é uma extensão do discurso homofóbico”.

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O termo homoerótico cunhado por F. Karsh-Haak em 1911 e utilizado pelo médico psicanalista húngaro, dr. Sandor Ferenczi, foi divulgado no Brasil por outro médico, dr. Jurandir Feire Costa. Para Denílson Lopes (2002,

adesões à chamada queer theory38 e aos pressupostos construtivistas utilizados na reflexão sobre a sexualidade”. Os defensores do uso do termo, como Wilton Garcia (2000, p. 13), afirmam que “a palavra homoerótico está conquistando cada vez mais espaço na denominação de um comportamento favorável ao erotismo entre duas pessoas do mesmo sexo”. Privilegiam “o ato, como atividade, ação homoerótica” (id., p. 13), evitando a estigmatização do sujeito em função de sua vida sexual, que estaria presente na palavra homossexual. Dizem que tal conceito exclui alusões a desvio, anormalidade ou perversão, pois se trata de um conceito “mais flexível” e que “descreveria melhor a pluralidade das práticas ou desejos de determinados sujeitos” (Nunan, 2003, p. 26). Fugiriam, assim, da classificação dos indivíduos por sua preferência sexual conforme é utilizada no discurso médico. O médico psiquiatra e psicanalista Jurandir Freire Costa (1992, p. 24) fala em não se comprometer “com o contexto médico-legal, psiquiátrico, sexológico e higienista” que criou os termos homossexualidade e inversão sexual, defendendo a utilização do termo homoerotismo.

Do ponto de vista do significado, como afirma Trevisan (2000, p. 37), “a vantagem do termo homoerotismo é indiscutível: ao contrário de homossexualismo, exclusivamente voltado para a prática sexual, sua abrangência pode abrigar uma gama bem ampla de comportamentos e tendências”. Acontece que, mesmo com a substituição lingüística, algumas pessoas continuam descrevendo a atração sexual entre pessoas do mesmo sexo de forma pejorativa e estigmatizante. Ainda nos encontramos num momento onde a categoria “homossexual” é a forma mais utilizada para definir o desejo entre pessoas do mesmo sexo. Mesmo que seja só uma questão de estilo ou “mera questão de método” (Trevisan, 2000, p. 37).

Utilizo, portanto, a palavra homossexual como categoria de análise e como afirmação de uma visibilidade, reconhecendo a importância das críticas dirigidas ao conceito. Para Butler (1991), a radicalidade intelectual é uma categoria política, ou seja desmontar categorias, desconstruí-las, localizar o objeto num campo de poder é uma radicalidade política. Sem sombra de dúvidas “é legal ser homossexual” (como afirma Mott, 2003), mas, como lembram o psicanalista Jurandir Freire Costa (1995), Judith Butler (1991), Carole Vance (2002), entre outros, não podemos perder de vista que qualquer uma dessas categorias não é universal e sim localizada num determinado momento histórico e cultural. Além do

p. 28) trata-se de um “termo clássico [...] com eco nos estudos universitários, mas praticamente não utilizado entre os militantes”.

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Literalmente a palavra “queer” significa “diferente”, “estranho”, “esquisito”, mas, ela é comumente usada como significando o que no Brasil é nominado como “bicha”. Em outro sentido, os “estudos queer” vão além

mais, não se pode esquecer daquele guei ou lésbica que não se assume, ou que ainda não “saiu do armário”, e que merece tanto respeito quanto os demais. Importante lembrar que nem sempre o fato de não assumir uma “identidade” homo significa permanecer no armário, ou não se assumir. Outro aspecto que ressalta dos textos de Mott parece ser aquilo que Vange Leonel denominou como uma “romantização da exclusão” (Leonel, 2001, pp. 82-3), onde a permanência na margem parece se confundir com uma opção pela não interferência na ordem estabelecida.

As novas denominações, portanto, também são imprecisas sobre o que pretendem “enquadrar” e buscam amenizar o impacto, ou peso histórico, da palavra homossexual, mas não conseguem a sua substituição em definitivo. Tanto que os autores que recorrem a estes novos recursos, também continuam se referindo aos adeptos do “amor que não ousa dizer o seu nome” como homossexuais. Acredito ser importante relativizar o termo homossexualidade não impondo categorias, esquecendo a busca de uma palavra única, pensando em realidades sobrepostas e, algumas vezes, contraditórias. Explicar as categorias nativas e explicitar o lugar social de onde se fala. Neste sentido, Néstor Perlongher (1987, p. 41) assinala o fato de que o lugar social “também é um lugar discursivo: multiplicidade de discursos que referem e encarnam o real desde óticas diferentes, vacilando entre a literatura e o saber, entre a alucinação e a objetividade, entre a imediatez do verbal e o estranhamento da escritura”. Podemos pensar as homossexualidades como resultado de arranjos particulares de