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De geração em geração, independentemente da cronologia histórica, a delinquência juvenil tem sido quase sempre associada à adolescência, tornando-se num requisito estereotipado que acompanha este período de maturação, entendendo-se assim, numa perspectiva mais extrema, que “qualquer acto realizado por um adolescente – excepto talvez a obediência civil – deveria ser visto como um indício de delinquência” (Sprinthall & Collins, 2008, p.457). A verdade é que a delinquência deixou de significar somente um acto punível como crime e passou a ser mais uma menção comportamental. De acordo com Sprinthall e Collins (2008), na década de 1960 o conceito de delinquência tinha sido tão banalmente utilizado e sobregeneralizado, além de se ter tornado num rótulo tão perigoso, que houve quem surgisse contra o uso deste conceito e advertisse para a necessidade de o retirar da literatura, pois devido aos constantes “bombardeamentos” da comunicação social sobre o fenómeno, o público em geral tinha aprendido a associar a delinquência à grave criminalidade.

Para Becker (1963) o facto de se rotular os adolescentes como delinquentes demonstra apenas uma atitude defensiva levada a cabo pelos adultos, como forma de utilizar os jovens como bodes expiatórios dos erros cometidos pelos próprios adultos. Assim, Becker (1963) conclui que não existem crianças delinquentes mas, sim, pais delinquentes, sugerindo, desta forma, que se estudassem os motivos dos adultos que rotulam o adolescente, em vez de se estudarem os próprios delinquentes. Esta ideia surge por o mesmo autor partilhar da ideia de que são os adultos que contribuem para rotular a delinquência juvenil. Embora o fenómeno da delinquência juvenil seja alvo de inúmeras tentativas de definição, estas acabam, muitas vezes, por confundir conceitos originando uma confusão conceptual do problema. Assim, de acordo com De Matos (2002, p.55), o termo delinquência não deve ser utilizado na área da psicopatologia mas, sim, na da criminologia, por referir-se a uma

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“transgressão da lei”, sendo o delinquente “o transgressor das normas da sociedade” (De Matos, 2002, p.55). O acto delinquente é para Braconnier e Marcelli (2000, p.174) “um acto que infringe a lei”. Já Matos (cit. in Ribeiro, 2009, p.19) considera que “delinquir significa cometer delito ou falta em relação à sociedade, em desrespeito pelo que está legalmente instituído”. Ao abordar-se a questão da delinquência juvenil, constata-se que alguns autores consideram que actos delinquentes são, analogamente, actos anti-sociais, contudo, é necessário separar os conceitos pois as suas definições em nada se assemelham. Enquanto um delinquente transgride as leis sociais, o anti-social rejeita a sociedade isolando-se, não significando, desta forma, que seja propriamente um delinquente (De Matos, 2002). Neste ponto de vista, um indivíduo para cometer actos susceptíveis de causar dano e serem considerados crimes (delinquência juvenil) tem de, acima de tudo, estar integrado na sociedade e ter um conhecimento social que lhe permita causar um dano ao meio que integra, refutando-se assim as teorias que ligam a delinquência juvenil a comportamentos anti-sociais. Relativamente à definição do conceito de delinquência, entende-se por delinquente “o indivíduo que praticou actos dos quais resultou uma condenação pelos tribunais” (Negreiros, 2008, p.13).

Para Braconnier e Marcelli (2000, p.137), os actos levados a cabo pelo adolescente não são realizados apenas para si mas também para os outros, isto porque “o agir e o comportamento oferecem uma vertente colectiva e social” dizendo respeito à família, ao meio próximo, ao grupo e à sociedade no geral. Significa isto, também, que estas acções são influenciadas por terceiros, sendo protagonizadas para os agradar mas também como forma de auto-recompensa. Neste aspecto, a violência é uma muitas vezes evocada pelo adolescente como forma de demonstrar aquilo que sente (Braconnier & Marcelli, 2000), seja como forma de se defender – preferindo ser violento a ser violentado – seja por influências do próprio meio social.

Ao abordar a questão da delinquência, Braconnier e Marcelli (2000) referem que é necessário fazer-se uma distinção entre delinquência isolada e delinquência enquanto fenómeno social. Neste sentido, ao longo da sua juventude, certos adolescentes tendem a cometer actos susceptíveis de causar danos sociais ou de serem considerados desviantes (Braconnier & Marcelli, 2000), porém, tais situações, em muitos dos casos, retratam apenas um comportamento isolado, não se podendo com isto generalizar ou afirmar-se que se trata de uma conduta futuramente reincidente. Pode-se considerar, assim, que estes actos desviantes isolados, não são mais do que uma mera experimentação social levada a cabo pelo jovem, acabando este, em algumas situações, por não repetir esses mesmos

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comportamentos. Sá (2001, p.39) acrescenta ainda – relativamente à delinquência isolada – que um comportamento desviante “tem a ver com a frequência com que ocorre, não é um comportamento habitual e, quando passa a ser habitual, põe em causa a norma que o tornava desviante”, ou seja, enquanto o comportamento for isolado e “fugir” à normatividade comportamental do jovem que comete o acto, estamos perante um tipo de delinquência isolado, no momento em que o jovem deixar de praticar actos isolados e passar à reincidência passamos a estar perante um tipo de delinquência enquanto fenómeno social (Braconnier & Marcelli, 2000). Esta diferenciação no que concerne à delinquência teorizada por Braconnier e Mercelli (2000) pretende evitar uma rotulagem antecipada das acções desviantes levadas a cabo pelos adolescentes de forma a não se criar uma identidade definitiva de delinquente, correndo-se o risco “de que eles fizessem tudo para confirmar agressivamente esta identidade que a sociedade lhes atribui” (Braconnier & Marcelli, 2000, p.174).

O acto transgressivo é visto, por vezes, como uma forma essencial no desenvolvimento de novas características de socialização (Benavente, 2002), ou seja, a transgressão torna-se numa das várias ferramentas utilizadas pelo jovem durante o seu desenvolvimento, sendo esta ideia partilhada igualmente por Dias (cit. in Ribeiro, 2009, p.15), ao referir que os comportamentos de risco são uma “parte integrante (…) do desenvolvimento dos jovens”. O comportamento desviante pode então ser considerado “como estatisticamente normativo e enquanto tentativa de expressar autonomia” (Aguilar, Sroufe, Egeland, & Carlson, cit. in Ribeiro, 2009, p.15) conduzindo o adolescente à procura dos limites que acabam por resultar na transgressão (Ribeiro, 2009). Assim, para Moita (1985, p.26), “a transgressão da lei está em si mesma legitimada como princípio básico do desenvolvimento, da criatividade, de transformação positiva do indivíduo e mesmo dos grupos”.

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