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Demanda por moeda e preferência pela liquidez numa representação

4. PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ

4.3. Demanda por moeda e preferência pela liquidez numa representação

Tendo em vista discutir a adequação da representação gráfica usual da demanda por moeda à nossa discussão, façamos um breve détour de percurso que, não obstante, pode nos ajudar a aclarar alguns pontos levantados anteriormente. Tomemos como referência o diagrama apresentado por Modigliani (1944), o qual nos permite discutir tanto uma representação da demanda por moeda presente na síntese neoclássico-keynesiana, quanto a representação que se tornou o padrão das versões apresentadas em diversos livros-texto nos últimos anos.

Neste diagrama, reproduzido abaixo, podemos identificar uma curva de demanda por moeda (D), sensível a variações nas taxas de juros, e diversas curvas de oferta de moeda (S com

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Registro aqui uma dívida com Antonio Carlos Macedo e Silva, por ter me incitado a expressar a diferenciação pertinente entre demanda por moeda e preferência pela liquidez também nesses termos.

subscritos de 1 a 4), traçadas após descontados os saldos para transação e por isso interpretadas como representando distintos níveis de renda (Y de 1 a 4) para uma dada oferta de moeda. O mecanismo subjacente deve ser tal que aumentos no nível de renda gerem aumentos proporcionais nos encaixes transacionais (e também precaucionais) que, para uma dada oferta de moeda, drenam os saldos especulativos de tal sorte que seja necessária uma taxa de juros maior para compensar as quantidades reduzidas de moeda para especulação. Assim, aumentos no nível de renda devem ser identificados com diminuições na oferta de moeda para especulação, dada a oferta total de moeda.

Gráfico 1 – Representação das curvas de oferta e demanda de moeda

Fonte: Modigliani (1944: 55).

A explicação para isso reside no fato de que a curva de demanda por moeda é traçada somente a partir da segunda função de liquidez, para um nível de renda dado, representando, portanto, a demanda por moeda para especulação. Deste modo, podemos dizer que tal função de liquidez está representando de maneira inequívoca a relação entre parte da demanda por moeda e taxas de juros: maiores as taxas de juros, menores os estoques de moeda demandados, exceção feitas às regiões mais à direita do gráfico (após a curva de oferta S2), nas quais a taxa de juros é

pequena o bastante para fazer com que qualquer alteração na oferta de moeda se reflita em incrementos no montante demandado. Esse é o caso em que se concentrou uma grande parte da literatura que se seguiu, caracterizado como “armadilha da liquidez” ou, comumente, como “caso keynesiano”. Assim, congelado o nível de renda, tal diagrama cumpre adequadamente o papel de

representar uma teoria da demanda por moeda, para dado estado de preferência pela liquidez, que se baseia na equação (1), reproduzida abaixo:

) ( ) ( 2 1 2 1 M L Y L r M M = + = +

Nessa situação, a taxa de juros que equilibra oferta e demanda de moeda para especulação é definida simultaneamente à quantidade disponível de moeda (pelo menos graficamente) através da inserção de uma curva de oferta perfeitamente vertical. De fato, fixam-se duas coisas para determinar uma terceira. Na verdade, o montante entesourado (para especulação, no caso) sempre terá que ser igual à oferta de moeda para especulação e assim, para dada propensão a entesourar, obtemos a taxa de juros compatível com o equilíbrio. Esquematicamente, poderíamos retratar o experimento típico envolvido como:

Dentro dessa caracterização, a segunda função de liquidez está fixada e o que faz com que ocorram alterações na taxa de juros é uma mudança exógena na oferta de moeda (ou, alternativamente, na renda), graficamente, deslocamentos da curva de oferta de moeda. Esse é o caso, conforme destacado no tópico anterior, em que as expectativas não são tratadas como passíveis de variação. Assim, alterações na propensão a entesourar não são explicáveis se nos restringirmos à demanda por moeda.

Nas exposições mais recentes da determinação da taxa de juros pela intersecção entre curvas de oferta e demanda de moeda, estas têm sido traçadas tendo em vista representar quantidades totais ofertadas e demandadas de moeda, e não somente a parte relacionada aos saldos para especulação. Deste modo, alterações no nível de renda deslocariam a curva de demanda por moeda, e não a curva de oferta. Para uma oferta de moeda total também fixa (que poderíamos representar por uma das curvas de oferta do gráfico acima), aumentos da renda se refletiriam em deslocamentos para a direita da curva de demanda por moeda, logo, em incrementos na taxa de juros, agora como antes. Permanece o caso, portanto, em que a relação entre juros e demanda por moeda é imaginada para determinado nível de renda.

No caso de alterações da oferta, valem os deslocamentos desta curva nas mesmas direções. Assim, excetuando-se considerações acerca das regiões, inclinações e convexidades da

2 ) ( ) ( 2 1 Y L r L M D SMM ≡ = + 1

curva de demanda por moeda, mantêm-se as mesmas conclusões. Comumente, têm-se traçado curvas de demanda por moeda sem especificar-se as regiões perfeitamente horizontais, tão caras à síntese neoclássica, e a partir de uma leve convexidade (digamos, a existente entre as curvas S2 e

S4 do gráfico acima), de modo que não restam considerações acerca do trecho tomado da curva de

demanda por moeda.

Um segundo caso, que eventualmente poderíamos entender como adequado para representar a preferência pela liquidez nesse referencial, equivale a um deslocamento da própria função de demanda por moeda (D) não relacionado a alterações no nível de renda, o qual, no entanto, necessita de uma explicação externa à própria lógica da função de demanda71. Nesse caso, o “impulso” inicial parte precisamente de uma alteração na propensão a entesourar, na segunda função de liquidez (no próprio estado de preferência pela liquidez, nessa representação), que não pode encontrar explicação na mecânica que descreve os movimentos ao longo da curva de demanda por moeda.

Uma alteração na propensão a entesourar, para ser compatível com a teoria da preferência pela liquidez, deve ser explicada a partir de um modelo de equilíbrio móvel, no qual mudanças na taxa normal de juros ou no estado de confiança, supostamente passíveis de variação nesse caso, desloquem a curva de demanda por moeda, a partir da alteração da segunda função de liquidez72. Essa alteração na propensão a entesourar, representada pelo deslocamento da curva de demanda por moeda, se reflete na mudança do montante de moeda desejado, que pode ser conformado ou não, parcial ou completamente, por um deslocamento da oferta de moeda, sendo que a não satisfação da preferência pela liquidez alterada (que pode ser apenas parcial) acarreta uma mudança correspondente da taxa de juros73. Esquematicamente:

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Como, de fato, em qualquer descrição nos termos de curvas de oferta e demanda; os “choques”, que as movimentam, são, por definição, imputados sob justificativas alheias às próprias funções definidoras das curvas.

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O que nos faz assinalar, como negativa, que uma justificativa outra para o deslocamento da curva de demanda por moeda, como, por exemplo, uma alteração nos esforços de parcimônia dos agentes, poderia fundamentar uma teoria diferente para a determinação da taxa de juros sob essa representação, não a teoria da preferência pela liquidez.

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Mais sobre esse ponto adiante, no apêndice a este capítulo.

1 2 ) ( ) ( 2 1 Y L r L M D SMM ≡ = + 3

Tal deslocamento da curva de demanda por moeda exige, portanto, uma explicação externa à sua própria teorização e é comumente menos discutido, por não apresentar conclusões tão diretamente obteníveis quanto as concernentes à oferta de moeda, em grande medida por causa do formato atribuído à mesma. A constatação mais expressa disso pode ser feita a partir das discussões acerca do deslocamento da curva LM, a qual é derivada justamente de curvas de oferta e demanda de moeda como as apresentadas no gráfico acima, que geralmente se referem somente a movimentos na oferta de moeda, uma vez que movimentos na demanda por moeda influiriam no formato da curva LM, alterando as relações de elasticidade da mesma e, portanto, a caracterização de regiões como keynesianas, clássicas, etc. Exceção deve ser feita às representações mais recentes, uma vez que, como destacado acima, estas têm sido realizadas de maneira a desconsiderar-se qualquer discussão sobre o trecho da curva de demanda tomado.