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Demandas institucionais e profissionais direcionadas ao Serviço Social no SUAS

LEVANTAMENTO NACIONAL DAS DEMANDAS ENCAMINHADAS OS CRAS E CREAS

3.4 DEMANDAS E REQUISIÇÕES NO SUAS E NO SISTEMA DE JUSTIÇA

3.4.2 Demandas institucionais e profissionais direcionadas ao Serviço Social no SUAS

De acordo com Vasconcelos (2015), apreender as respostas dadas pelas diferentes categorias profissionais, em nome da sociedade/Estado às demandas dos trabalhadores/usuários, requer elucidar como e em que circunstâncias essas demandas são veiculadas, manifestadas e ou reveladas por eles, assim como responder às exigências e às dificuldades para serem identificadas, percebidas, apreendidas e priorizadas pelos profissionais, tanto no planejamento, como na realização das ações em resposta a elas (VASCONCELOS, 2015).

Ao partir desta reflexão e compreendendo que o Serviço Social, historicamente, emergiu como profissão nos anos de 1930, segundo Iamamoto e Carvalho (1998), enquanto um tipo de especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social do trabalho particular à sociedade industrial, requer pensar a prática profissional inserida no capitalismo. Requer, ainda, entender o Serviço Social, segundo Guerra (2009), a partir de conhecimentos teóricos e técnicos, valores e finalidades que sistematizam e operacionalizam respostas às necessidades sociais que lhe chegam como demandas profissionais.

De acordo com Guerra (2009), a macroestrutura da sociedade capitalista na qual o assistente social intervém, interagindo com a dinâmica, interesses, objetivos, metas e finalidades das instituições, sejam públicas ou privadas, estabelecem limites de atuação profissional. Entretanto, a profissão recebe também o mandato das classes subalternas que reclamam o atendimento de suas necessidades, o que faz as instituições contratantes dos assistentes sociais incorporarem, em alguma medida, tais necessidades e tornarem-nas demandas institucionais a serem atendidas.

O assistente social, ao vender sua força de trabalho e gozar da relativa autonomia profissional, torna-se útil à sociedade/Estado mediatizando os interesses da classe trabalhadora e de seus empregadores. Dessa forma, as demandas que chegam à profissão da classe subalternizada, segundo Guerra (2015), não se apresentam de maneira nem direta e nem imediata à profissão, mas mediatizada pela instituição, seus objetivos e interesses. A demanda imediata apresentada pelo usuário nem sempre é a sua demanda real, cabendo ao profissional buscar a sua essência, rompendo amarras institucionais.

Como profissão interventiva, cujo objeto de trabalho centra-se no enfrentamento das múltiplas expressões da questão social, Guerra (2009) elucida que o profissional advém da resolutividade dessa intervenção, o que exige respostas em nível imediato, emergencial, já que atende a questões que, pelo nível de tensão que provocam, põem em risco a ordem vigente, o que dificulta alcançar a essência das necessidades. Entretanto, o profissional também é capaz de gerar respostas críticas e ampliadoras de direitos, amparado no seu Projeto Ético-Político Profissional (PEP), trabalhando na contramão da imediaticidade.

O Serviço Social, consideradas as transformações no mercado de trabalho ocorridas com a reestruturação produtiva, passou também por um processo de refuncionalização de suas práticas, alterando a configuração do mercado de trabalho, isso como fruto das diversas atividades ocupacionais frente às mudanças na divisão social e técnica do trabalho.

O profissional, conforme Paulo Netto (1992) e Iamamoto (2008) deixou de ser um mero executor de políticas sociais e passou também a geri-las e administrá-las, seguindo, de acordo com Guerra (2009), o padrão de política social que passou a ser hegemônico, vigorando na contemporaneidade, baseado num padrão privatista, mercantilista e assistencialista que condiciona intervenções pontuais, focalistas, imediatistas, burocráticas, miméticas, repetitivas, pragmáticas e eminentemente instrumentais, exigindo determinado perfil profissional, segundo a autora – aquele que responde às demandas imediatas substantivas ao capital.

Nesse sentido, é importante situar que as demandas da classe trabalhadora e subalterna que se colocam aos profissionais de Serviço Social estão inscritas nas condições sociais desta classe, devendo, assim, ser compreendidas enquanto históricas, transitórias, e reveladoras de continuidades e rupturas, como também podem expressar o não rompimento com o nível material, mantendo-se no campo das necessidades imediatas e apresentando-se de forma reincidente nas respostas sócio - institucionais (GUERRA, 2009).

Dessa forma, a rigor, Mota e Amaral (2008), definem demandas como:

[...] requisições técnico-operativas que através do mercado de trabalho, incorporam as exigências dos sujeitos demandantes. Em outros termos, elas comportam uma verdadeira “teleologia” dos requisitantes a respeito das modalidades de atendimento de suas necessidades. Por isso mesmo, a identificação das demandas não

encerra o desvelamento das reais necessidades que as determinam. (MOTA; AMARAL, 2008, p. 25).

Com relação, especificamente, às demandas sociais, Predes (2001), denota que

[...] são históricas e são produzidas por necessidades sociais que derivam da prática histórica das classes sociais, nos atos de produzir e reproduzir seus meios de vida e de trabalho, de forma socialmente determinada. Assim, quando os profissionais acionam o arsenal de instrumentos e técnicas, estes medeiam e potencializam ações que são parte do atendimento a estas demandas sociais determinadas historicamente (PREDES, 2001, p. 7).

Assim, segundo Predes (2001), as reais necessidades correspondem aos atos de produção e reprodução dos meios de vida e trabalho, sendo socialmente determinadas, o que indica que não são necessidades da sociedade como um todo, mas necessidades tensionadas por distintos interesses de classe, conforme o grau de desenvolvimento e complexificação das forças produtivas e das relações sociais.

Nesse sentido, destaca Amorim et al. (2014), que as respostas profissionais dadas de forma imediata no âmbito institucional atendem em partes às demandas, sendo a demanda aparente aquela que provoca no usuário a necessidade de buscar por um serviço em determinada instituição. De acordo com Vasconcelos (2015), é neste complexo campo de luta de classes que um prato de comida tende a ser priorizado e colocado como fim em si mesmo, obscurecendo sua necessidade real.

Desse modo, segundo Vasconcelos (2015), os interesses e demandas históricas da classe trabalhadora são adiados, preteridos, postergados, protelados, tanto pelos próprios trabalhadores quanto pelos profissionais. No entanto, esses interesses, que se revelam em demandas implícitas, necessitam de teoria para serem revelados. Interesses que, ao desabrocharem, exigem respostas dos assistentes sociais.

De acordo com a autora, diante desse complexo campo de interesses, o Estado, em nome do capital, congrega os assistentes sociais, assim como os demais profissionais, a auxiliar o desenvolvimento do complexo modo de produção capitalista, viabilizando funções corretivas sobre suas nefastas consequências, com o objetivo de manter e ao mesmo tempo esconder a exploração do trabalho, a concentração da

propriedade, a riqueza produzida socialmente, buscando favorecer a movimentação do capital.

No caso da Assistência Social, por exemplo, se faz uma concessão de cesta básica aqui, um benefício social acolá, viabiliza-se documentos, atendimentos, orientações, se faz a inserção em cursos num favorecimento dos limites do capital, estando muito aquém do necessário à garantia dos direitos sociais, humanos, econômicos, a emancipação e autonomia, como norteia o Código de Ética do Assistente Social (VASCONCELOS, 2015).

Nessa direção, a autora expressa que há um abismo entre o que a instituição define como demanda a ser atendida, individual e coletivamente, e o que o assistente social ou qualquer outro profissional, atento aos interesses históricos da classe trabalhadora, pode teoricamente apreender como demandas que expressam necessidades que, se realmente enfrentadas, podem causar transformação às condições de vida e de trabalho.

Segundo Vasconcelos (2015), nesse campo conflituoso da luta de classes, as demandas dos trabalhadores aos serviços socioassistenciais apresentam-se de várias formas, a maioria delas exigindo teoria para serem reveladas e apreendidas, nas suas conexões e relações necessárias. Assim, a autora classifica as demandas como:

Quadro 16 – Classificação das Demandas

DEMANDAS

Espontâneas Referenciadas Aparentes

Burocráticas e/ou burocratizadas Explícitas Implícitas Ocultas Potenciais Imediatas Mediatas

Condicionantes, determinantes, causais, substantivas, remotas, por isso, procrastináveis

Além dessas, Vasconcelos (2015) ainda aponta que existe um conjunto de demandas que podem ser denominadas como “Demandas artificiais/manipuladas/manipuladoras/alienantes”, as quais, segundo a autora, não são identificadas, percebidas e/ou originadas no conjunto dos próprios trabalhadores, visto que são inexistentes no universo das massas trabalhadoras, ainda que, em condições materiais favoráveis pudessem tanto se materializar quanto se revelar, assim como trazer ganhos aos trabalhadores se fossem atendidas. Essas demandas são transferidas aos trabalhadores à medida que o Estado não encara com afinco as dificuldades dos problemas, revertendo a responsabilidade à sociedade.

No âmbito da Seguridade Social, essa responsabilidade recai principalmente na Assistência Social, investindo-se em benefícios e serviços nos limites do capital, condicionando os usuários em situação de vulnerabilidade e risco social e pessoal que se encontram em situação de pobreza e extrema pobreza ao protagonismo social, criando o que Mota (2010) ora intitula de “Mito da Assistência Social”, pois se agigantam as proteções, porém as condições de vida do usuário em sua essência permanecem fragilizadas.

No caso das requisições do Sistema de Justiça, as demandas se configuram como burocráticas e/ou burocratizadas, com viés de responsabilização, visto que seguem um rito jurídico-normativo (requisição da autoridade competente, com resolutividade mediante o fornecimento de subsídios periciais). A depender da situação, podem parecer imediatas, como nos casos de violação de direitos, porém, a rigor, seguiram o rito jurídico-normativo.

Dessa forma, no âmbito do SUAS, não compete aos profissionais a resolutividade de situações visando à responsabilização, uma vez que essa competência é dos órgãos que compõem o Sistema de Justiça. Assim sendo, as requisições desse sistema emanadas aos CRAS e CREAS que fogem aos objetivos e diretrizes do SUAS, extrapolam as atribuições e competências profissionais nessa Política, causando algumas implicações.

Diante dessa discussão sobre a inserção do Serviço Social na Política de Assistência Social, destacando-se a atuação do assistente social nos CRAS e nos CREAS, procurando problematizar particularmente as requisições do Sistema de Justiça encaminhadas a essas unidades, em especial as pertencentes ao universo da presente pesquisa, bem como as demandas no âmbito do SUAS, segue no próximo item uma reflexão sobre as implicações causadas por essas requisições no trabalho

profissional do assistente social nos CRAS e CREAS, ponderando os rebatimentos que vêm causando na direção social estratégica da profissão afetando as competências e atribuições profissionais.

3.5 IMPLICAÇÕES DECORRENTES DE REQUISIÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA