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3. A REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968: A PROPOSTA DE UM SISTEMA

3.1. Democratização e modernização: as demandas por reformas de base

Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial despertaram um grande otimismo no que diz respeito ao papel que a ciência e a tecnologia podiam desempenhar para elevar os patamares sócio-econômicos dos países da América Latina. Otimismo C E N U L (CEPAL)50

, onde ciência e universidade exerciam uma função positiva na conquista de transformações socioeconômicas. A função da ciência no pós-guerra diferenciou-se daquela proposta pelos fundadores da FFCL da USP. Se nos anos 1930 a ciência foi defendida e proclamada em nome da cultura, da civilização e da elitização

50 A CEPAL foi criada com a função de monitorar as políticas voltadas à promoção do desenvolvimento

econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área. Cf. BIELSCHWOSKY, Ricardo (Org.). Cinqüenta anos de

pensamento da Cepal. Rio de Janeiro: Record, 2000; RODRIGUEZ, Octavio. Teoria do subdesenvolvimento da Cepal. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.

intelectual, agora ela adquiriu a face mais utilitária, sendo vista como ferramenta fundamental do processo de desenvolvimento e planejamento econômico (SCHWARTZMAN, 1979).

Foi no pós-guerra que novas iniciativas passaram a buscar organizar e mobilizar os cientistas brasileiros. Um primeiro passo pode ser apontado com a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no ano de 1948. Fundada por um grupo de “ ” Jorge Americano, José Reis, Paulo Sawaya, Maurício Rocha e Silva, José Ribeiro do Vale á á - governador Ademar de Barros. Se, em sua origem havia um objetivo prático, com o transcorrer do tempo ela passou a desenvolver outras atividades, destinadas a fortalecer o seu papel de órgão representativo dos cientistas brasileiros, de caráter nacional. Não é de se estranhar que tenha sido no seio da SBPC que o projeto da universidade da futura capital do país desenvolveu-se. A fundação da SBPC reforçou a agenda da criação de aparatos institucionais para o desenvolvimento da ciência no Brasil.

Foi também sob o impulso da Segunda Guerra Mundial, e seus avanços na área de tecnologia bélica, que se reforçou a importância da pesquisa científica. A bomba atômica mostrou-se como a prova real e assustadora do poder da ciência e suas atribuições para o homem. Nesse contexto, em maio de 1946, o Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, representante brasileiro na Comissão de Energia Atômica do Conselho de Segurança da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), propôs ao governo brasileiro, por intermédio da Associação Brasileira de Ciências, fundada em 1916 nas dependências da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a criação de um conselho nacional de pesquisa. Este tinha como função incrementar, amparar e coordenar a pesquisa científica nacional sob a égide do Estado. Em 1949, o então Presidente Eurico Gaspar Dutra nomeou a comissão responsável por desenvolver o anteprojeto de lei sobre a criação do Conselho Nacional de Pesquisas.

Finalmente, em 15 de janeiro de 1951 Dutra sancionou a Lei nº 1.310 de 15 de Janeiro de 1951, de criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). A lei de criação do CNPq estabeleceu como suas finalidades a promoção, o estímulo e o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica, mediante o fomento à pesquisa, a formação de pesquisadores e técnicos, a cooperação com as universidades brasileiras e o intercâmbio com instituições estrangeiras.

nação independente, industrializada e desenvolvida, em um cenário onde a industrialização pesada e a complexidade da administração pública traziam à tona a necessidade urgente de formação de especialistas e pesquisadores nas mais diversas áreas do conhecimento, ocorreu a criação da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 11 de julho de 1951, pelo Decreto nº 29.741. Seu objetivo era assegurar a formação de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que objetivavam o desenvolvimento do país. Iniciativa essa que teve à sua frente a figura de Anísio Teixeira. A criação do CNPq e da CAPES evidenciava a preocupação governamental em superar a defasagem técnico/científica em que nos encontrávamos por meio da ação do Estado e sua política modernizadora do ensino superior. Como destacou Laura da Veiga:

Ao longo deste processo, começaram a ser esboçadas propostas de modernização do ensino superior brasileiro. Estas tentativas podem ser identificadas na luta de pesquisadores e cientistas para criar a base institucional para atividades cientificas, assim como para constituir uma estrutura universitária integrada. Tais tentativas não só tiveram o apoio de segmentos do Estado, como muitas vezes foram estimulados pelos próprios órgãos estatais, resultando, por exemplo, na criação do CNPq (1951) e da CAPES [...] (VEIGA, 1982, p. 36).

Os ideais desenvolvimentistas do pós-guerra colocaram em evidência, mais uma vez, os problemas de nosso sistema educacional, especialmente o de nível superior. Dentre estes, a perpetuação da tradição profissionalizante de ensino superior oferecido no sistema de escolas isoladas, ou meramente reunidas sob o nome de universidade, cujo ensino reduzia-se à transmissão de uma ciência feita. Residiam nesse direcionamento os limites desse ensino, haja vista sua incapacidade de formar homens de um novo tempo, capazes de lidar com as novas demandas e exigências da realidade social brasileira e, sobretudo, de propor soluções e operacioná-las. Realidade esta que reforçava nossa dependência em relação à ciência e tecnologia e nossa fragilidade na produção de ciência e na formação de quadros científicos e técnicos capazes de com ela operar. Como destacou Darcy Ribeiro, em seu projeto de organização da Universidade de Brasília, era preciso romper com a situação de subordinação técnica e cultural:

Agora que já produzimos aço, telefones, penicilina e com isto muito acrescentamos à nossa autonomia, caímos em novo risco de subordinação, representada pela dependência de normas e de saber técnicos. Só seremos realmente autônomos quando a renovação das fábricas aqui instaladas se fizer pela nossa técnica, segundo procedimentos surgidos do estudo de nossas matérias-primas e de nossas condições peculiares de produção e de consumo. Só por este caminho poderemos acelerar o ritmo de incremento de nossa produção, de modo a reduzir e, um dia, anular a distância que nos

separa dos países tecnologicamente desenvolvidos e que se apartam cada vez mais de nós pelos feitos de seus cientistas e técnicos (RIBEIRO, 2011, p. 17).

Tratava-se de subordinação ressaltada no relatório da EAPES, organização constituída no âmbito do Acordo MEC–USAID, em fins da década de sessenta, e objeto de artigo da revista The Economist de 3 de maio de 1968:

A entrada da América Latina no que se convencionou chamar a terceira etapa do processo de industrialização está sendo dificultada pelo restrito poder aquisitivo da massa de consumidores, como também pela falta de mão-de-obra qualificada. Para países como a Argentina, Brasil e México, que iniciaram a quarta etapa de sua industrialização, isto é, uma etapa decisiva para a substituição de importações por produtos nacionais, o risco maior estaria em desembocar numa situação de crescente dependência relativamente às técnicas estrangeiras [...] (BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, 1968, p. 72).

Avaliações que evidenciavam o descompasso entre uma realidade nova e as práticas educacionais presentes no país. Nesse sentido, reafirmava-se a necessidade de produção de novos conhecimentos e novos rumos para a educação brasileira, ou seja, a necessidade de uma reforma.

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