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3.1 A democratização da Sociedade e da Administração Pública em geral: os princípios constitucionais e de segunda ordem

Com a revolução do 25 de Abril de 74 e a posterior integração no espaço europeu (CEE/UE), inicia-se em Portugal um período de profundas transformações nos vários domínios da sociedade. Começando pelas implicações mais imediatas de ordem política, os efeitos far-se-ão sentir no domínio do acesso à educação, à saúde, às várias protecções sociais, à economia e à sociedade na sua dimensão mais ampla.

A publicação da Constituição da República Portuguesa em 1976 (C.R.P.), que no seu artigo 2º assume o aprofundamento da democracia participativa como um dos objectivos do estado de direito democrático, foi o primeiro motor de toda esta transformação. De uma sociedade fortemente centralizada, controlada e dependente da tutela do Estado, a participação dos cidadãos nas decisões políticas é uma mudança de grande dimensão37. No seu artigo 9º, c) de entre as tarefas fundamentais do Estado, destaca-se defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação

democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais.

A participação na vida pública e a intervenção dos cidadãos nas decisões de interesse público é consagrado no art. 48º, nº 1 da C.R.P.

Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.

Muito mais que uma democracia representativa que dá aos cidadãos a possibilidade de fazer sentir a sua vontade através do voto, elegendo maiorias que representam a vontade geral dos cidadãos e que determinarão o sentido do governo, com a democracia participativa pretende-se incentivar a criação de estruturas de participação dos cidadãos através de associações e organizações sociais diversas, dando voz às

37 “Um período de autoritarismo da liderança política, de quase cinquenta anos, deixou marcas na

sociedade portuguesa e na administração pública do país: a decisão estava centrada no topo, os funcionários eram meros executores que obedeciam a instruções e o comportamento dos cidadãos era de total aceitação do que fosse fornecido pelo Estado”. (Carapeto, C. & Fonseca, F., 2006:214).

minorias e estabelecendo mecanismos de controlo do poder. É este tipo de democracia que parece querer implementar-se através da C.R.P. de 1976, rompendo com a tradição histórica de um modelo de controlo social centralizado.

A este propósito, refere Formosinho, J. que

O 25 de Abril de 1974 representou uma viragem histórica na vida portuguesa, pois a Constituição da República Portuguesa de 1976 não seguiu a via do centralismo iluminado, mas procurou promover a participação dos cidadãos na vida política e social. (Formosinho, J., 2005a: 34)

Este esforço no sentido de envolver os cidadãos na participação na vida pública e política é acompanhado por um processo de descentralização administrativa, numa tentativa de aproximar mais os cidadãos da administração e dos poderes de decisão, merecendo destaque no art. 237º da C.R.P.

Consciente de que a Administração Pública não pode estar de costas voltadas para o cidadão, a estrutura da Administração Pública, segundo o art. 267º da CRP, deverá perseguir os seguintes objectivo:

1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.

2. Para efeito do disposto no número anterior, a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção da Administração e dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes.

5. O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

A Constituição da República Portuguesa lança portanto as bases de uma sociedade mais participativa e de uma Administração desburocratizada e aberta à participação dos cidadãos, utilizando a descentralização e a desconcentração como formas de aproximar quem decide de quem tem interesses na decisão.

Mas apesar do despertar de muitos sectores da população para a participação política, apesar de um período de grande fervor democrático e de interesse pelos assuntos da política, o sistema burocrático da Administração Pública foi-se mantendo, apesar destas intenções legais presentes na Constituição. A transformação da cultura organizacional foi um processo longo e lento, que se foi construindo a partir do poder

imperativo dos normativos legais, é certo, mas que só se tem vindo a concretizar efectivamente a partir de mudanças estruturais bem mais abrangentes. Entre o plano das intenções da legislação e a efectiva aplicação, há um longo caminho a percorrer repleto de vicissitudes.

Outro documento de crucial importância nesta tentativa de restabelecer a confiança dos cidadãos nos serviços públicos é a publicação do Código do Procedimento Administrativo (Decreto-Lei 442/91, 15 Novembro)38.

Perante uma Administração distante, omnipotente, que seguia procedimentos desconhecidos do cidadão comum, com o Código de Procedimento Administrativo (CPA) pretende-se dar aos procedimentos administrativos, enquanto conjunto de formalidades e documentos que traduzem a vontade ou decisão da Administração Pública, maior transparência e proximidade aos cidadãos. Com efeito,

Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código. (Art. 8º do CPA – princípio da participação).

De igual modo, nesta aproximação dos serviços às populações, a desburocratização e a eficiência são princípios a perseguir pela Administração, apostada em fornecer melhores serviços, com maior celeridade, no âmbito de um serviço público moderno que não pode deixar de estar atento à evolução da sociedade, mais esclarecida, mais exigente, mais crítica e mais atenta à boa gestão dos recursos que a todos pertencem.

A Administração Pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões. (Art. 10º do CPA – princípio da desburocratização e da eficiência).

A dispersa produção legislativa que foi surgindo com o objectivo de introduzir alterações nos procedimentos da Administração Pública, numa tentativa de a tornar mais moderna, mais transparente e mais próxima dos cidadãos, foi sistematizada no Decreto- Lei n.º 135/99 de 22 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 29/2000, de 13 de Março. Aqui definem-se os princípios gerais de acção a que devem obedecer os serviços e organismos da Administração Pública na sua actuação face ao cidadão, reunindo de uma forma sistematizada as normas vigentes no contexto da

38 Com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas legais: Declaração de Rectificação 265/91, 31

Dezembro; Declaração de Rectificação 22-A/92, 29 Fevereiro; Decreto-Lei 6/96, 31 Janeiro; Acórdão TC 118/97, 24 Abril.

modernização administrativa. No seu preâmbulo, confronta-se uma Administração Pública anacrónica e burocrática cuja adaptação aos desafios dos novos tempos se impõe como urgente.

A resposta pronta, correcta e com qualidade, que efective direitos e viabilize iniciativas, não se compadece com processos e métodos de trabalho anacrónicos e burocráticos, pouco próprios das modernas sociedades democráticas, que devem superar conflitos de valores da tradicional cultura administrativa, face às imposições dos actuais ritmos de vida e às aspirações cada vez mais exigentes do cidadão, cliente do serviço público. (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 135/99 de 22 de Abril)

É neste sentido que os esforços legislativos se vão orientando, procurando dotar a administração pública dos mecanismos necessários para que seja um instrumento ao serviço do desenvolvimento do país, de aproximação aos cidadãos, pautada pela eficiência, eficácia e qualidade dos serviços.

Criar um modelo de Administração Pública ao serviço do desenvolvimento harmonioso do País, das necessidades da sociedade em geral e dos cidadãos e agentes económicos em particular tem sido uma das preocupações permanentes da modernização administrativa, que se vem consubstanciando pela aproximação da Administração aos utentes, pela prestação de melhores serviços, pela desburocratização de procedimentos e pelo aumento de qualidade da gestão e funcionamento do aparelho administrativo do Estado. (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 135/99 de 22 de Abril)

Melhorar os sistemas internos de organização e funcionamento da Administração, melhorar a qualidade dos serviços prestados numa cultura de serviço público orientada para o desenvolvimento do país, implementar uma nova cultura na relação entre o cidadão e a Administração Pública que vai desde o acolhimento e atendimento ao público até à comunicação administrativa, a simplificação de

procedimentos, a audição dos utentes, os sistemas de informação para a gestão e a divulgação de informação administrativa, eis alguns dos procedimentos que este diploma pretende sistematizar.

Os princípios que devem reger esta nova Administração Pública, assumidamente ao serviço do cidadão, são a busca da qualidade, da protecção, da confiança, da comunicação eficaz e transparente, da simplicidade, da responsabilidade e da gestão participativa (Dec. Lei nº135/99, art. 2º).

Mas melhorar o desempenho da organização, reduzir os custos de funcionamento, melhorar a qualidade dos serviços que presta, aumentar a produtividade e inovar tanto nos serviços como na forma de os produzir, assumindo a qualidade, a produtividade e o serviço ao cliente como metas de referência, são objectivos que só se

atingem com uma mudança de cultura, só possível com o envolvimento activo dos recursos humanos, verdadeiros recursos estratégicos que pela criatividade, inovação e potencial são determinantes na eficácia das organizações (Carapeto, C. & Fonseca, F., 2006: 214).

O livro de reclamações, a loja do cidadão, a empresa na hora, a variadíssima oferta de serviços on line, são alguns dos exemplos que ilustram a preocupação da administração pública em se aproximar do cidadão no seio de uma nova cultura.