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Demografia e factores de risco vascular

No documento Isabel Soares I.pdf (páginas 54-57)

1.3 Acidente vascular cerebral em doentes idosos

1.3.2 Demografia e factores de risco vascular

A idade é não só o factor de risco não modificável, independente, mais importante para a incidência de AVC, como também se associa de forma consistente com mau resultado em AVC. As populações com idade mais avançada, não só tem mais AVCs, como têm AVCs mais graves, morrem mais, ficam em pior estado funcional e são mais frequentemente institucionalizados após o AVC.85,106,109,111-120 Vários estudos têm-se debruçado sobre a demografia, factores de risco, características clínicas e de prognóstico a curto e a longo prazo de doentes muito idosos com AVC.85,106,109,111-121 Em todos estes estudos, alguns deles de base populacional,85,106,112 verificou-se que, nos doentes de idade avançada que sofrem o seu primeiro AVC, pelo menos a partir dos 70 anos de idade, predomina o sexo feminino, reflectindo o facto demográfico das mulheres serem bastante mais numerosas que os homens nestas faixas etárias, devido a terem uma esperança de vida mais longa. Apesar disto, em vários estudos realizados na Europa, o cálculo da incidência por género mostra que o acréscimo de incidência de AVC no género masculino em comparação com o género feminino, já conhecido para os doentes menos idosos, persiste até aos grupos de idade mais avançada, embora possívelmente numa forma mais atenuada.27,106 O risco relativo de AVC, nos homens em comparação com as mulheres, em grupos de idade <75 e ≥ 75, calculado a partir de um estudo de base populacional (“The Rotterdam Study”), foi de 1,64 e 1,36, respectivamente.27

A generalidade dos estudos tem mostrado um perfil de factores de risco nos doentes muito idosos com AVC isquémico (e AVC em geral) significativamente diferente do dos doentes mais jovens.85,106,109,111,113-115,117-119,120,122 Neste grupo de doentes parecem ser menos frequentes os antecedentes de hipertensão arterial (HTA), diabetes mellitus, hipercolesterolémia, tabagismo e consumo da alcool, sugerindo que os doentes que alcançam a idade avançada são uma selecção de doentes que não têm estes factores de risco. Pelo contrário, são mais frequentes a fibrilhação auricular e a insuficiência cardíaca ou outra doença incapacitante, o que foi demonstrado em praticamente todos os estudos até agora realizados de comparação de doentes muito idosos com os restantes doentes com AVC.85,106,109,111,113,114,117,119,120 Em alguns dos estudos, antecedentes de doença coronária, doença arterial periférica ou doença cerebrovascular também eram mais frequentes no grupo de idade avançada.106,109,113,117,118

A doença cardíaca é um potente factor de risco para AVC. No estudo de Framingham, a maior parte dos doentes com AVC tinha também alguma comorbilidade cardíaca, como insuficiência cardíaca, doença coronária ou fibrilhação auricular.37 Esse mesmo estudo mostrou que a fibrilhação auricular não valvular se correlaciona com um forte aumento na incidência de AVC, e que esse aumento é independente de outras anormalidades cardiovasculares muitas vezes associadas.123,124 Para além disso, muitos destes AVCs ocorrendo com fibrilhação auricular (aproximadamente dois terços) são de tipo cardioembólico.123,124 A incidência de fibrilhação auricular não associada a doença cardíaca valvular reumática é muito baixa em pessoas jovens, aumentando agudamente a partir da sexta década de vida, pelo que o AVC associado a fibrilhação auricular não valvular, é, predominantemente, um problema dos idosos.124,125 A idade mediana dos doentes com fibrilhação auricular e AVC, em estudos de base populacional, é aproximadamente 75 anos.124 Os estudos que têm avaliado a ocorrência de AVC cardioembólico por estratos de idade mostram valores mais elevados para este tipo de AVC nas idades mais avançadas, em concordância com os achados do estudo de Framingham.85,109,111,113,114

Contudo, a taxa de incidência de AVC não é igual em todos os doentes com fibrilhação auricular, variando mais de vinte vezes (de 0,5 a 12% ao ano), e sendo particularmente elevada nos doentes mais idosos.124 Sabe-se, igualmente a partir do estudo de Framingham, que, com o aumento da idade, os efeitos de HTA, doença coronária e insuficiência cardíaca, sobre o risco de AVC, tornam-se progressivamente mais fracos, mas o impacto da FA mantém-se.123,125 Aos 90 anos parece não haver risco aumentado de AVC com HTA.126 Por isso, em pessoas muito idosas, em que a fibrilhação auricular não valvular é mais prevalente e o seu risco relativo para AVC se mantém elevado, esta arritmia é a mais significativa das patologias cardiovasculares como percursor de AVC, explicando aproximadamente 30% de todos os casos de AVC nos grupos de idade mais avançada, sendo a causa simples mais importante de AVC isquémico a partir dos 75 anos.37,124 O risco atribuível de AVC para a fibrilhação auricular aumenta significativamente com a idade, elevando-se de 1,5% para idades entre os 50-59 anos até 23,5% para idades entre 80-89 anos.123 É previsível que este problema se agrave à medida que a população envelhece. Além disso, ainda de acordo com os dados de Framingham, nas últimas décadas, a prevalência de fibrilhação auricular tem vindo a aumentar, dentro

de cada categoria de idade, particularmente entre homens.37 Esta epidemiologia é relevante quando se considera prevenção e tratamento.

Os outros factores de risco clássicos para AVC, como HTA, diabetes mellitus, hiperlipidémia e tabagismo, de acordo com o resultado de numerosos estudos, parecem ser menos frequentes nos grupos de doentes muito idosos em comparação com os restantes doentes.85,106,109,111,113-115,119,120,122 Poderá acontecer que uma parte substancial das pessoas que têm estes factores de risco morram mais precocemente, sendo, por isso, os doentes com idade avançada uma selecção de doentes que não os tiveram.85,117 De qualquer modo, os resultados não são totalmente convergentes. Num estudo de base hospitalar, realizado na Argentina, comparando doentes com AVC isquémico, com idade igual ou superior a 80 anos, com todos os restantes doentes, a prevalência de HTA foi superior no grupo de doentes mais idoso.119 Outros autores encontraram igual prevalência de HTA e/ou diabetes mellitus nos grupos de doentes mais idosos em comparação com todos os restantes doentes.106,111,113,122,127

Contudo, alguns dados parecem reforçar a possibilidade da existência de diferentes perfis de factores de risco nos doentes com AVC menos idosos em comparação com os mais idosos. Há evidência suficiente para provar um efeito directo de HTA, diabetes e tabagismo sobre a ocorrência de doença aterosclerótica das artérias extra e intra- craneanas, e boa evidência de um efeito sobre doença arteriolar intra-craneana,126 sendo, assim, estes factores de risco relevantes para AVC isquémico aterotrombótico e lacunar. Em vários estudos a frequência de enfartes lacunares foi significativamente mais baixa nos muito idosos, em comparação com os restantes doentes.106,117,128 Relativamente aos AVCs aterotrombóticos de grandes artérias da classificação etiológica TOAST,96 é mais difícil comparar a frequência por grupos de idade, porque uma aplicação estrita da classificação TOAST leva a classificar, em doentes de idade avançada, um grande número de AVCs como de etiologia indeterminada, por ser muito grande o número de doentes, nestas idades, com duas causas possíveis para o AVC.129,130 No estudo ACINrpc, realizado no norte de Portugal, 35% dos enfartes cerebrais foram classificados, segundo a classificação TOAST, como indeterminados.12 Embora com esta reserva, alguns estudos demonstraram uma frequência mais elevada de AVC aterosclerótico de grandes artérias nos grupos de idade menos avançada,113,131 havendo apenas um estudo em que este subtipo de enfarte cerebral foi mais frequente no grupo de doentes mais idoso.114

No documento Isabel Soares I.pdf (páginas 54-57)