3. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS DO PODER JUDICIÁRIO
3.2 Atividade judicial danosa
3.2.3 Demora na prestação jurisdicional
Uma das críticas mais comuns ao Poder Judiciário diz respeito à demora na entrega da prestação jurisdicional. A Justiça é tida como lenta e burocrática, situação para a qual contribuem fatores diversos, a exemplo do número insuficiente de juízes, aumento do volume de processos e excesso de formalismo nos procedimentos.
Seja qual for a causa, entretanto, um fato é inegável – a morosidade da Justiça acaba por levá-la ao descrédito, e, além das injustiças que gera, dá ensejo também a uma outra consideração, que é a responsabilidade do Estado por eventuais danos que o cidadão venha a sofrer em decorrência desta falha.
Com efeito, sendo o Estado titular da jurisdição, compromete-se a prestá-la sempre que solicitada, como uma de suas funções essenciais e imprescindíveis para o bem comum na sociedade, vinculando-se, ainda e por conseqüência, ao dever de providenciar os recursos materiais e pessoais necessários para desempenhar tal atribuição.
Acrescente-se, por outro lado, que o serviço judiciário também deve atender a um determinado padrão de eficiência, direcionando-se para satisfazer as necessidades de todo
aquele que recorre ao Judiciário em busca da tutela de seu direito lesado ou ameaçado de lesão.
Essa eficiência na prestação jurisdicional – fundamental para a garantia dos direitos e para a concretização da justiça na sociedade – certamente está relacionada com a celeridade na solução dos conflitos, com o exercício da jurisdição em tempo razoável.
Sabe-se, contudo, que, para a segurança do próprio jurisdicionado, o Estado não pode exercer a jurisdição de forma arbitrária. Deve utilizar-se do processo, como instrumento legítimo para o desempenho desta função. Estabelecida a relação processual, por sua vez, segue-se um rito, uma seqüência de atos que se submete a prazos e formalidades, demandando, naturalmente, certo tempo.
Convém diferenciar, no entanto, o tempo necessário para a tramitação do processo daquele que significa procrastinação na entrega da tutela jurisdicional.
De fato, muitas vezes a demora se revela perniciosa, desnecessária, fruto de burocracia, de falhas estruturais ou de desídia, circunstância que pode causar danos ao jurisdicionado, não estando este obrigado a suportar os prejuízos que lhe são impostos.
Surge, em vista disso, o questionamento sobre o dever do Estado de indenizar esses prejuízos advindos da demora excessiva na prestação da tutela jurisdicional. A tendência doutrinária é reconhecer a responsabilização do Estado por esta atividade judiciária danosa, embora também haja ressalvas no sentido de se evitar a generalização, isto é, a pretensão indenizatória em decorrência de qualquer tipo de demora.
Para Odoné Serrano Júnior108, “também a demora injustificada na prestação da tutela jurisdicional, e que consiste num inadimplemento de seu dever de prestação judiciária efetiva, gera responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes”, afirmando ainda que esta demora pode resultar “[...] do desleixo de juiz ou de outro agente judiciário, mas via de regra, decorre da falta de juízes, promotores, serventuários e de uma estrutura material precária”, o que, entretanto, não exime o Estado da obrigação de indenizar.
Frise-se, ademais, que o dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional dentro dos prazos decorre do próprio princípio da legalidade, além de encontrar expressa previsão constitucional no art. 5°, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A dificuldade, todavia, está em conceituar ou quantificar o tempo razoável do processo, não obstante a legislação se encarregue de estipular, em diversos procedimentos especiais, prazos não só para a atividade das partes, mas também para os atos do juiz.
De notar, como já anunciávamos, que nem sempre a demora irá gerar a responsabilidade do Estado. Cabe averiguar se esta foi efetivamente a causa do dano e se pode ser imputada ao Estado, quer seja pela omissão de algum de seus agentes, quer seja por falha no serviço judiciário.
Assim, para responsabilizar-se o Estado pela demora é necessário adotar um padrão ou parâmetro que aparte a “demora justificada” e a “demora excessiva”, anômala, inescusável e negada pelo direito.
A omissão retratada pelo retardamento, pelo não julgamento no prazo e tempo devidos, constitui falha ou falta anônima da atividade estatal, o que empenha a responsabilidade subjetiva, escorada na culpa do serviço.
Dergint109 observa que “se o retardamento decorrer de falhas e deficiências do aparelho judiciário (sem culpa ou dolo do juiz), representadas por sobrecarga e acúmulo de serviços ou por má distribuição dos juízes, servidores e processos, o Estado é integralmente responsável pelo ‘acidente administrativo’. E completa: “se a demora advier de desídia judicial (que é uma forma de culpa, equiparada à negligência), deve também responder o juiz, ainda que apenas regressivamente ao Estado (conforme o art. 37, § 6° da Constituição Federal)”.
Além da rigorosa obediência ao ordenamento jurídico, a eficiência dos órgãos estatais no exercício da função jurisdicional exige atividade precisa e normal, no sentido de cumprimento dos prazos legais e do dever do impulso oficial. A eficiência da função jurisdicional afasta o descaso do Estado na estruturação técnica de seus órgãos jurisdicionais, a lentidão, a negligência e a omissão daqueles órgãos estatais nos processos instaurados, o que gera a inobservância pelo Estado dos prazos processuais estabelecidos em lei, disto resultando dilações indevidas do processo, frustrando o resultado eficaz e útil dessa atividade estatal à pessoa interessada do povo que a postulou.
108 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do estado por atos judiciais. Curitiba: Juruá, 1995, p. 130.
Desse modo, a demora na prestação jurisdicional pode causar prejuízos patrimoniais ou morais para o jurisdicionado, todavia, entendemos que a responsabilidade do Estado é objetiva, nos termos do art. 37, § 6°, da CF. Por conseqüência, mesmo sendo a falta imputada ao juiz, não será este acionado diretamente, pois o dever de reparar o dano é do Estado, titular da jurisdição, podendo, no entanto, configurar-se a responsabilidade pessoal do magistrado em ação regressiva.
Por outro lado, para se configurar a demora passível de responsabilizar o Estado, naturalmente, há de ser considerada a complexidade do processo, bem como outros fatores que criem obstáculos à prestação jurisdicional dentro dos prazos legais, justificando, assim, a demora. Necessário, ainda, admitir-se a possibilidade de causas excludentes, como, a título de exemplo, a demora excessiva na solução do processo por fatos atribuíveis às próprias partes. O importante, portanto, é que se caracterize o descumprimento do dever por parte do Estado, e que se revela através da demora injustificada e excessiva; a existência de um dano e o nexo de causalidade, de modo a sustentar um pleito indenizatório.