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2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

2.2 Responsabilidade do Estado – Evolução histórica

2.2.3 Teorias publicistas

Não obstante os avanços representados pelas teorias civilistas em sua época, as normas de direito privado, não raras vezes, demonstravam-se inaptas e insuficientes a solucionar adequadamente os conflitos acerca da responsabilidade estatal, a qual requeria um tratamento diferenciado.

A fase publicista da responsabilidade estatal, portanto, representa o momento em que passaram a ser aplicadas as normas e princípios próprios do direito público à responsabilidade civil do Estado, de modo que as limitações das teorias civilistas, sobretudo quanto ao conceito de culpa, começaram a ser suplantadas, trazendo, por conseguinte, maior garantia aos administrados.

À teoria da culpa civilística sucedeu a construção teórica que tinha por base a culpa administrativa, em um processo evolutivo que desaguaria na responsabilidade objetiva, estágio no qual o dever de reparar o dano independe do elemento culpa.

2.2.3.1 Teoria da culpa administrativa

A teoria da culpa administrativa, também chamada de culpa do serviço, procura desvincular a responsabilidade do Estado da idéia de culpa do funcionário, passando a falar em culpa do serviço público, e ocorre quando o serviço não funciona, funciona mal ou funciona atrasado.

Em outras palavras, nas hipóteses em que ocorram: 1) falta ou ausência do serviço; 2) atraso na prestação do serviço; ou 3) prestação defeituosa do serviço que resultem

em prejuízo para os particulares, é legítimo pleitear indenização em face do Estado.

Essa teoria indicou a mudança de concepção até então vigente, de que seria necessário atribuir a determinado agente público conduta culposa para poder responsabilizar o Estado. Com a adoção dessa teoria, é fortalecida a denominada culpa anônima do serviço, em razão de que o Estado passaria a ser chamado a responder pelos danos sofridos pelos particulares independentemente da necessidade de ser demonstrada culpa de qualquer agente público específico. O lesado não precisa identificar o agente estatal causador do dano, basta- lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que seja impossível apontar o agente que o provocou.

Distingue-se, pois, de um lado, a culpa individual do funcionário, pela qual ele mesmo responde, e, de outro, a culpa anônima do serviço público. Nesse caso, o funcionário não é identificável e se considera que o serviço funcionou mal, incidindo, então, a responsabilidade do Estado quando o dano decorrer desse mau funcionamento do serviço.

Com relação ao tema, veja-se lição de Sergio Cavalieri Filho35:

De acordo com essa nova concepção, a culpa anônima ou falta do serviço público, geradora de responsabilidade do Estado, não está necessariamente ligada à idéia de falta de algum agente determinado, sendo dispensável a prova de que funcionários nominalmente especificados tenham incorrido em culpa. Basta que fique constatado um mau agenciador geral, anônimo, impessoal, na defeituosa condução do serviço, à qual o dano possa ser imputado.

Adverte Cavalieri Filho36, com esteio na doutrina de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ser a responsabilidade por culpa do serviço modalidade de responsabilidade subjetiva, porque baseada na culpa do serviço diluída na sua organização, assumindo feição anônima ou impessoal. Dessa feita, cabe à vítima comprovar a não-prestação do serviço ou a sua prestação retardada ou má prestação, a fim de ficar configurada a culpa do serviço, e, conseqüentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe prestá-lo. Persiste o ônus de provar o elemento culpa.

A teoria da falta do serviço constituiu, no entanto, o ponto de partida para a superação das teorias civilistas e para a adoção das teorias publicistas que, a partir de então, passaram a cuidar do dever do Estado de ressarcir os danos causados aos particulares.

A publicização das regras relativas à responsabilidade civil do Estado importou na

35 CAVALIERI FILHO, ob. cit., p. 221. 36 Id. Ibidem, p. 221.

superação da responsabilidade civil subjetiva e na adoção da responsabilidade civil objetiva do Estado.

2.2.3.2 Teoria do risco – a responsabilidade objetiva do Estado

Não há dúvida de que a responsabilidade objetiva resultou de acentuado processo evolutivo, passando a conferir maior benefício ao lesado, por estar dispensado de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos, como, por exemplo, a identificação do agente, a culpa deste na conduta administrativa, a falta do serviço etc.

Destarte, essa forma de responsabilidade dispensa a verificação do fator culpa em relação ao fato danoso. Por isso, ela incide em decorrência de fatos lícitos e ilícitos, bastando que o interessado comprove a relação causal entre o fato e o dano.

O fundamento da responsabilidade civil objetiva do Estado é encontrado na teoria do risco. Essa doutrina baseia-se nos princípios da eqüidade e dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público37.

Em suma, “o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseqüente, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito”38.

Nessa teoria, a idéia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular.

O dever de ressarcir os prejuízos sofridos por terceiros é atribuído ao Estado em

37 DI PIETRO, op. cit., p. 527.

razão das atividades que desempenha serem potencialmente lesivas, sujeitando os particulares a riscos. Assim, se no desempenho das suas atividades for verificada a ocorrência de dano a terceiro, cumpre à pessoa de direito público ou de direito privado prestadora de serviço público o dever de repará-lo independentemente da existência de culpa do agente, mas em virtude do risco inerente à atuação daquelas pessoas. Afirma Guilherme Couto Castro39:

A essência da teoria do risco administrativo, o próprio nome o indica, está na assertiva de que a administração deve assumir os ônus oriundos de suas atividades, que prejudiquem terceiros; não interessa que não exista culpa, pois, desde que o lesado também não seja o culpado, é razoável que o provocador e beneficiário dos riscos arque com os encargos. Daí a expressão “risco administrativo”, isto é, a administração responde de modo objetivo pelos riscos que diretamente cria.

Segundo Hely Lopes Meirelles40, a teoria objetiva se fundamenta no risco, o qual admite duas modalidades, o risco administrativo e o risco integral. A distinção básica entre uma e outra modalidade reside no fato de que a teoria do risco administrativo admite a existência de excludentes da responsabilidade civil do Estado, as quais não são admitidas na teoria do risco integral.

A maior parte da doutrina, todavia, não faz distinção, considerando as duas expressões – risco integral e risco administrativo – como sinônimos. Mesmo os autores que falam em risco integral admitem as causas de exclusão ou atenuação da responsabilidade estatal, quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido ou concorrido como causa na verificação do dano.

Verifica-se, portanto, que os postulados que geraram a responsabilidade objetiva do Estado buscaram seus fundamentos na justiça social, atenuando as dificuldades e impedimentos que o indivíduo teria que suportar quando prejudicado por condutas de agentes estatais.