• Nenhum resultado encontrado

3 AS GESTANTES E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

3.2 Odontologia na vida cotidiana

3.2.1 Dentista para quando se precisa

Diante do contexto colocado, resulta que o atendimento procurado/recebido acaba sendo limitado a situações pontuais: consultas emergenciais ou de revisões quando algum problema é sentido/detectado pela própria paciente. Quando inquiridas sobre as situações

nas quais buscam o auxílio do cirurgião-dentista, as gestantes responderam:

Ah, só quando eu vejo que tem alguma coisa, né? Quando tá com cárie, tá muito amarelo, uma coisa assim. (gestante 4).

Começa a aparecer a dor, daí vai. Tu não suporta, né? Aí vai. É mais ou menos assim que acontece. (gestante 10).

Quando eu vejo que tá doendo alguma coisa, que tem... tem uma cárie, alguma coisa que tá me incomodando na gengiva [...], daí a gente procura mais, né? Fora isso não... não é muito, só aí quando já tem a consulta marcada, eu vou, dou uma olhada pra ver se tem... faço uma limpeza... alguma coisa assim. (gestante 6).

Tem umas restaurações nos dentes da frente que tá, já tão feias, entendeu? Então aí eu vou! (gestante 7).

A razão enfaticamente apontada pela maioria das gestantes para procurar o atendimento odontológico foi a necessidade percebida, que incluiu basicamente a dor e os problemas estéticos.

Costa (2000) em seu estudo de representações sociais do tratamento odontológico de gestantes, também verificou que a representação da atenção odontológica está ancorada na dor, mas não apenas por gestantes, como também por médicos e dentistas.

Albuquerque e Rodrigues (2001) também apontam a dor, forte e contínua, como o que impulsiona as gestantes que participaram de seu estudo a procurar o dentista, assim como os achados de Ferreira (2002).

Nuto (1999) também está de acordo, mas acrescenta que, para a população que entrevistou no interior do Ceará, além da dor intensa é necessário coragem para superar o medo e o pavor de procurar o serviço para a realização de um procedimento odontológico, representado por eles como tortura.

O controle da saúde bucal, com o intuito de se promover a saúde do indivíduo e prevenir doenças não emergiu do conteúdo das falas. No máximo, o controle da saúde bucal foi entendido como uma “manutenção” da higiene e uma “supervisão” profissional com o objetivo de se detectar problemas incipientes, como exemplificam as falas abaixo:

O certo mesmo era manter sempre uma visita, pra ver como é que tá. (gestante 10).

[...] a gente tem a necessidade de sempre ir ao dentista, porque às vezes a gente não tá vendo, mas tem uma cárie lá escondida, entende? Então é só porque eu sei que todo ano tem que ir no dentista. Uma limpeza, uma coisa assim. (gestante 9).

[...] eu vou a cada seis meses. Tem que ir, né? Porque depois quando a gente chega lá tem um canal, aquela dor horrorosa [risos], além do custo... (gestante 8).

A periodicidade dos retornos ao consultório odontológico estava “na ponta da língua” de quase todas as entrevistadas. Historicamente, o discurso da Odontologia, difundido e reforçado pela mídia, enfatizava: “visite o seu dentista regularmente” ou “visite o seu dentista a cada seis meses”. Do universo reificado para o consensual, o conteúdo foi assimilado através das representações sociais e ecoou nas frases ditas pelas gestantes ao responderem quando buscam o tratamento odontológico:

[...] de seis em seis meses ou quando for necessário... (gestante 1).

[...] de seis em seis meses tu tem que retornar ao dentista, é o que eles sempre recomendam. Mas só que a gente nunca... (gestante 7).

[...] eu sei que o certo é de seis em seis meses a gente fazer alguma vistoria, né? só que acabo relaxando, o jeito brasileiro, vou deixando, aí quando eu sinto alguma coisa eu vou. (gestante 11).

O que se percebe com as respostas acima, é que mesmo possuindo o conhecimento originado no meio científico – a periodicidade recomendada (sem que se entre no mérito da questão), as gestantes não o seguem. Justificam tal fato com alguns argumentos:

É difícil a pessoa que siga essas regras... correta. Eu mesma sou desnaturada pra essas coisas, imagina! (gestante 7).

Talvez seja uma série de fatores: a questão de não ter tempo, a questão também do financeiro muitas vezes [...] Por mais que saiba que é importante, que tenha que ir, tu vai sempre deixando. E também porque eu nunca fui muito... como é que eu vou dizer... sempre tive medo da anestesia, aquela coisa toda. Então a gente sempre dá uma desculpinha, enquanto não sente dor, não procura. E aí, esses fatores todos acabam influenciando. (gestante 10).

É aonde eu vou, né? Quando eu posso pagar para arrumar... (gestante 3).

Por que as pessoas se consideram “desnaturadas”, “relaxadas” para ir a busca do tratamento odontológico? Por que afirmam que não lhes sobra tempo para ir ao dentista? Por

que vão sempre deixando para depois, até que a dor faça imperativa a corrida atrás de auxílio? O complicado acesso ao tratamento odontológico público, com as dificuldades de marcação de consultas e esperas prolongadas interferindo no cotidiano, constitui-se parte desta complexa explicação (BERND et al., 1992; NUTO, 1999; COSTA, 2000).

Conforme Martins (1993; 1999), este aparente desligamento da prevenção e a espera até o último minuto para procurar uma solução podem ser justificados nas coerções cotidianas e econômicas que dificultam ou quase impedem o acesso aos serviços de saúde odontológicos.

Ao mesmo tempo, as representações sociais relacionadas ao tratamento odontológico e ao cirurgião-dentista também contribuem para essa situação. Bernd et al. (1992) e Cruz et al. (1997) relatam que a percepção sobre a prática odontológica inclui de forma marcante o medo do dentista e das situações de atendimento odontológico, associadas à dor, ao instrumental, aos procedimentos e ao próprio profissional e sua equipe.

Nuto (1999, p.10) também relata atitudes de medo e pavor na ida ao dentista (“medo igual ao da morte”) e na espera pelo atendimento (“espera pela tortura”).

Martins (1993; 1999) comenta que também entre os seus relatos colhidos apareciam constantemente, características negativas como dor, medo, desconforto, brutalidade, falta de educação, falta de trato para lidar com o paciente, sendo a maior queixa relacionada à forma como o ato técnico da extração dentária é executado.

Desse modo, a prática odontológica hegemônica se reflete em experiências bastantes desagradáveis, especialmente quando os profissionais introjetam uma postura autoritária, por serem os detentores do saber científico e, portanto, pessoas diferenciadas socialmente, desconsiderando a carga emocional, as atitudes e medos presentes em tais atendimentos (BERND et al., 1992; NUTO, 1999). Assim, as dificuldades para a ida ao dentista também se situam em um nível interno, subjetivo, que diz respeito aos medos, traumas e fantasias (BERND et al., 1992).

Torna-se evidente o porquê do acolhimento, atenção, paciência e capacidade de comunicação do dentista, serem citados como os principais elementos de qualificação do atendimento e do dentista ideal (CRUZ et al. 1997; NUTO, 1999).

Sobre a imagem do cirurgião-dentista, Cruz et al. (1997, p.311) verificou uma clara dissociação entre as representações do dentista dos entrevistados e dos dentistas em geral. Estes são representados de forma semelhante àquela vinculada pela mídia, por uma imagem bastante negativa, “sendo caracterizados como estúpidos, cruéis e incompetentes, enquanto seus próprios dentistas, graças à sorte dos pacientes (segundo seus próprios relatos), são compreensivos, amigos, delicados, dentre outros”.

Gerbert, Bleecker e Saub (1994) obtiveram resultados semelhantes ao pesquisarem entre 4.061 pacientes de consultórios privados americanos, o que pensam sobre seus dentistas. Do total de entrevistados, 87% estavam muito satisfeitos com seus profissionais e 98% pretendiam continuar se tratando com o dentista atual. Para estes indivíduos, as competências profissionais e as qualidades humanas receberam igual valor na construção do dentista ideal. Os autores também observaram que os pacientes acreditam que seus dentistas são melhores do que os demais e sugerem que este fato pode ser devido à imagem do cirurgião-dentista na mídia, apresentado como um sádico.